Moradores de ruas realizam encontro para debater situação que cresce com a crise econômica e do desemprego
Por Camila Piacesi,
Para uns eles são invisíveis, para outros, inconvenientes, enquanto para muitos são lembrados e merecedores de afeto apenas em datas especiais, quando a compaixão com o próximo toma conta dos desejos da sociedade e a temática população em situação de rua ganha destaque, como agora. Hoje, por exemplo, é o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua.
Em alusão a data e com o objetivo de promover debates acerca da luta pela garantia de diretos para eles, o Movimento População de Rua preparou a Semana Nacional de Luta da População em Situação de Rua, com quatro ações durante os dias 19, 20, 21 e 22 de agosto.
As ações denunciam a carência de políticas públicas para a população em situação de rua e cobram saúde, educação, moradia, trabalho, dignidade e justiça. Para o conselheiro dos Direitos Humanos, Leonildo Monteiro, estamos vivendo um momento de retrocesso e de violação de direitos humanos, principalmente com os que fazem da rua seu habitat, por isso a necessidade de se construir a Semana de Luta da População em Situação de Rua.
Os atos em homenagem à data de luta começam na segunda-feira, às 9h, com uma Sessão Solene, na Câmara dos Deputados, com a presença de moradores de rua do DF e de lideranças do setor do país, bem como de servidores públicos que prestam serviços pelo SUAS – Sistema Ùnico de Assistência Social.
Já na terça-feira (20), o Pavilhão do Parque da Cidade recebe seu público mais distinto: dois mil moradores em situação de rua. Eles ficarão acampados lá por dois dias. Veem em delegações de São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e diversos outros estados do Brasil para participarem das outras duas atividades promovidas em decorrência da data.
Após participarem de atividades de convivência, na quarta-feira (21), às 13h, saem do Pavilhão em passeata até ao Congresso Nacional e voltam para o Parque da Cidade. A Marcha em defesa dos direitos da população em situação de rua já ocorreu em Brasília em 2005 e 2010. Esta será a sua terceira edição. Após o término da Marcha, os manifestates seguem para o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Pessoas em Situação de Rua, um marco para o movimento.
A Frente reúne entre 150 e 200 assinaturas de deputados que reconhecem que a população precisa desta frente. “Para nós esta conquista é muito importante. Temos que começar a fazer o debate sobre novas ações para esta população”, aponta Leonildo.
No último dia de atividade, na quinta-feira (22), haverá uma Audiência Pública para a População em Situação de Rua, às 9h, na Câmara Federal. O calendário de atividades se encerra, mas a luta pelos direitos desta população excluída e esquecida na hora de fomentar as políticas públicas, não para.
A coordenadora do Movimento População em Situação de Rua, Mairla Feitosa, ressaltou que vale lembrar algumas pequenas conquistas obtidas para os moradores de rua do DF, como o acesso à moradias e ao mercado de trabalho. “Foi um trabalho coletivo e gostaria que continuasse com mais saúde e educação”, disse.
Existem, também, muitas iniciativas que procuram acolher e dar dignidade a essas pessoas. Em 2016, Rogério Barba, por exemplo, com a auto-organização da população em situação de rua, por meio da Associação Cultual Namastê, Revista Traços e Centro POP, juntos com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal e a Secretaria de Desenvolvimento Social, conseguiram a destinação de doze quitinetes para as pessoas em situação de rua no Por do Sol.
Rogério Barba é ativista social e ex-morador de rua por 30 anos. Ele disse que é preciso fazer com que os projetos sejam feitos olhando quem vem de baixo, caso contrário nada vai dar certo. “Enquanto políticos, servidores públicos, comerciantes e a população de um modo geral não aprenderem a respeitar e a trabalhar com as pessoas em situação de rua, seguiremos fazendo o que podemos, promovendo o tratamento comunitário e a cada dia fortalecendo nossa convivência e nossos vínculos com os irmãos em situação de rua”, completou.
Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) enumerou alguns serviços realizados pela pasta. O serviço de abordagem social, que atua nos pontos onde encontra pessoal em situação de rua e apresenta serviços especializados de atendimento à população em situação de rua em sua estrutura de governo.
O trabalho é feito diariamente com 30 equipes de abordagem de rua. Durante esse trabalho, nos espaços públicos, são apresentados os serviços socioassistenciais e oferecido encaminhamento psicossocial, ou para um dos centros de atendimento ou no núcleo de acolhimento da pasta. É importante destacar que mais de cem profissionais que compõem essas equipes são pessoas que viveram na rua no Distrito Federal e hoje superaram essa condição.
A Secretaria também conta com dois Centros POPs (Taguatinga e Plano Piloto), que atendem uma média de 400 pessoas diariamente. Nesses lugares, a população em situação de rua pode tomar café da manhã e almoçar, passar por oficinas de integração e capacitação, receber acompanhamento psicossocial da equipe técnica, se inscrever no Cadastro Único, e ter a oportunidade de conhecer e acessar benefícios e auxílios da assistência social.
Além disso, existem 11 Centros Especializados de Referência em Assistência Social (CREAS) espalhados pelo Distrito Federal que garantem o atendimento socioassistencial a essa população, acesso ao Cadastro Único, a benefícios, bem como o encaminhamento para demais serviços e políticas públicas.
Há também três unidades de acolhimento na cidade e têm capacidade de acolher cerca de 350 pessoas, por três meses, no máximo, pois são casa de passagens.
Ainda de acordo com a nota, a Sedes tem atuado em conjunto com as demais políticas do Distrito Federal para ampliar e qualificar o atendimento a essa população, com vistas a garantir o maior acesso a seus direitos e melhoria da condição de vida.
Omissão do Estado
O desinteresse do governo federal em formular políticas públicas para esta camada da sociedade ficou explícito com a extinção de 34 Conselhos, Comissões e Comitê. Um desses, foi o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIANP), fundado em 2009 que discutia ações para a população em situação de rua, com a sociedade e Governo Federal.
O presidente Nacional dos Conselhos Humanos, Leonardo Pinho, disse que a semana passada foi de ativismo para denunciar o desmonte do direito constitucional à participação social. “Estivemos em vários gabinetes de parlamentares e embaixadas para alertar sobre o desmonte do direito constitucional à participação social”, afirmou e indagou: “Como poderemos construir uma política nacional para a população em situação de rua, que é uma exigência da lei, que está sem nenhuma iniciativa neste momento, sem o funcionamento do Cianp”. E finalizou em tom de indignação e revolta: “Quer dizer que um iluminado sentando no ar condicionado é que vai dizer o que eles precisam”.
Rogério Barba conclui a discussão acima ao afirmar que está muito difícil conversar com o governo atualmente e não sabe o que mais pode esperar de nefasto para a população em situação de rua. “Estamos esperando que seja revogado o decreto que acabou com o Cianp”, explicou.
História da data
19 de agosto é uma data alusiva à memória de companheiros de rua que se foram. Foi em 2004, entre os dias 19 e 22 de agosto, que ocorreu o então conhecido “Massacre da Sé”, talvez um dos dias mais violentos na vida da população em situação de rua; nessa data, 15 pessoas que utilizavam o espaço da Praça da Sé, em São Paulo, como moradia improvisada, foram brutalmente atacadas na calada da noite, resultando em 7 mortas e 8 feridas gravemente. Após um ano da chachina, mais uma vítima, a testenha foi assassinada.
Fonte: muvucabrasilia
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