por Jéssica Antunes,
Flávio Dias, 36 anos. Por muito tempo, lavar carros era sua única fonte de sustento. Hoje, ele divide a rotina entre um cartório e uma loja de materiais de construção, trabalhando sete dias por semana. Anos atrás, o piauiense jamais poderia imaginar que concluiria a faculdade de Direito, tampouco passaria no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) antes de colar grau.
São três empregos em busca do sonho de mudar de vida. Prestes a começar o último semestre letivo, Flávio pretende advogar, se especializar em processo civil e, quem sabe, ser professor.
Ele desembarcou em Brasília de Floriano (PI), prestes a completar 18 anos. A intenção era procurar um emprego formal. Sem sucesso, ficou sete anos lavando carros. “Não tenho vergonha. Sustentei minha família por muito tempo assim. Nunca passei fome e sempre achei pessoas que me ajudassem”, conta.
Sua vida começou a mudar há cinco anos, quando o segundo filho perguntou quando Flávio teria um carro para buscá-lo na escola. Até então, os únicos veículos em que o futuro advogado havia colocado as mãos eram os que lavava todos os dias na Praça do DI, em Taguatinga.
O questionamento da criança, de quatro anos, o impulsionou a voltar a estudar. Ele arregaçou as mangas e, em segredo, prestou vestibular para Direito em uma universidade particular. “Quando passei, me deparei com um segundo problema: pagar”.
De plantão na sala do reitor da Universidade Católica, conseguiu conversar com a autoridade e, depois de muita insistência, garantiu bolsa de 50%. “Não queria me menosprezar por ser negro e pobre, mas falei a realidade e disse que queria mudar a minha perspectiva e o futuro de meus filhos”, lembra. Mais tarde, teve bolsa integral.
Sempre em busca de uma oportunidade
Trabalhando próximo ao Cartório do 5º Ofício de Notas, em Taguatinga, Flávio conhecia todos os funcionários e resolveu pedir uma oportunidade. Conversou com o tabelião Ronaldo Ribeiro de Faria, que tantas vezes deixou o veículo em suas mãos. Assim, começou no setor de limpeza, passou pela segurança e agora é auxiliar notarial.
O patrão se orgulha do funcionário e acredita que será um bom advogado por ser dedicado e persistente. “É muito importante quando a gente pode ajudar quem tem competência e mostra força de vontade. Ele retribui a oportunidade que demos”, reconhece o tabelião.
Mesmo com a carreira no Cartório, Flávio continua lavando carros para completar a renda e porque gosta da atividade. “É um serviço que me distrai, diminui o estresse e queima calorias, já que estou um pouco acima do peso”, brinca.
Maior conquista
Assim como o vestibular, o Exame da Ordem foi feito em segredo. Ele não gastou um centavo para a primeira fase, mas comprou aulas online para a última etapa.
“Respondi quase duas mil questões nos testes reforçando o que eu sabia e aprendendo o que faltava”, lembra. Como resultado, acertou 57% da prova objetiva.
Flávio viu o resultado sozinho no trabalho. Antes de abrir a página, fez uma oração e, quando se deparou com seu nome, gritou e chorou de felicidade. Saiu ligando para familiares, amigos e conhecidos e, depois, ainda postou em uma rede social para avisar os mais distantes do fato que se tornou a maior conquista de sua vida.
Memória
Flávio Dias não é o único que, com dificuldades, conseguiu crescer e mudar de vida. No ano passado, o médico Josinaldo da Silva, de 36 anos, foi o primeiro índio a concluir o curso na Universidade de Brasília (UnB). Integrante da tribo Atikum, veio do sertão de Pernambuco e recebeu o diploma de um pajé. Passou fome, sofreu com a falta de água e de investimentos na terra natal e tinha o objetivo de ajudar seus conterrâneos.
Em 2012, um ex-morador de rua se formou em pedagogia na UnB. Sérgio Ferreira, 36, passou no vestibular quando ainda vivia nas ruas do DF. Em sua monografia, relatou as dificuldades de adaptação à academia depois de anos vivendo sem regras.
(jessica.antunes@jornaldebrasilia.com.br)
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília.
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