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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NEM SEU CABELO, NEM SEU TURBANTE VÃO TE LIVRAR DO RACISMO


Por Joice Berth,
Eu sou uma entusiasta do empoderamento estético há anos. Pessoas negras perdem emprego por serem esteticamente diferente do padrão eurocêntrico imposto nos principais meios de comunicação. Pessoas negras são alvo de perseguição na escola, são preteridas em lugares elitizados, impedidas de adentrarem nos templos de consumo, tudo isso por manter sua estética tal qual ela é. Sempre, em algum momento da vida de um negro, ele ouviu alguém perguntar: ‘Mas não vai alisar esse cabelo?’ ou então ‘Você tem os traços finos por isso é um negro(a) bonito(a)’.

Por essas e outras sempre tratei a questão como foco de valorização da identidade afrodescendente. Mas, atualmente, quando abro um página de rede social e leio o ataques de uma mulher negra sobre a outra, simplesmente por essa mulher expor uma verdade discutida e confirmada estatisticamente por pesquisas sérias de intelectuais negras e até mesmo brancas e que é um tabu dentro dos próprios movimentos em defesa do negro, me pergunto angustiada: O empoderamento está de fato acontecendo? E em que sentido?

Já há muito observei meninos negros, bonitos e altivos, ostentando camisas do Malcom X, gritando palavras de ordem e exaltando o “100% preto” e que o discurso não acompanhava nem de longe a prática de valorização racial. Esses meninos continuavam excluídos nos meios sociais que frequentavam e sendo alvo de piadas e comentários racistas, sem argumento intelectual para se defenderem e sem força para dar as costas para os racistas que os atacavam.

Essa realidade não mudou. Agora ela vem se ampliando, porque os cabelos estão sendo ~aceitos~ mais o racismo continua. Empoderar é criar ferramentas para resistência e luta por igualdade de direitos entre as raças e os gêneros que atuam e ocupam o cenário social. Ponto. E são várias as ações que precisam ser viabilizadas para trazer essas ferramentas até a população negra se empoderar. E é um caminho espinhoso, porque o racismo e machismo internalizado das pessoas provoca reações de ira extrema! A zona de conforto é ameaçada, fica estremecida e obriga a PENSARRRRRR. E o PENSARRRRRR leva ao DESCONSTRUIRRRR, que leva ao RECONSTRUIRRRRR uma nova postura muito mais lúcida e perigosa para o sistema atual. Aí começa a verdadeira briga contra a burguesia exploradora, os privilégios são distribuídos deixando de serem privilégios e passando a ser direito comum.

Esse é o processo que todo militante deseja que aconteça. Mas como? Se ninguém quer discutir verdades cavernosas como a quebra racial gerada pela rejeição do homem negro a suas iguais e quando alguém se propõe a isso é duramente atacado, perseguido, humilhado com o aval da população negra masculina e feminina. Como? Se ninguém quer levar a aceitação estética a sério e usá-la como faxina interior que pode varrer o racismo internalizado desde o Brasil colonial. Como diz uma intelectual negra contemporânea: ‘Se o preto estiver morto não vai poder sentir orgulho do cabelo’.

O empoderamento do negro começa, quando ele cria consciência da realidade dolorosa que o cerca e passa a se auto afirmar como negro se opondo a isso no seu próprio meio social. E o cabelo black deve ser uma consequência disso, uma marcação de território que respalda ações políticas em todo espaço social ocupado e não um fato solitário esvaziado de sentido prático. Há que saber da sua história, das lutas dos antepassados, dos problemas que enfrentamos na contemporaneidade e passar a partir dessa reflexão repensar caminhos de atuação dentro e fora dos movimentos negros.

Estamos diante do genocídio escancarado da população negra, na mira de grupos de extermínios que contam com a conivência e a falta de interesse do Estado para promover chacinas, não ocupamos ainda os espaços acadêmicos e profissionais de maneira proporcional, somos vítimas de abortos clandestinos e violência obstétrica nos hospitais públicos. Mas o cabelo está lindo né?! Com cachos soltos e volumosos. E o racismo sendo alimentado pela nossa segregação interna, dentro da própria negritude estamos nos censurando, passando a falsa ideia de que existe uma ‘irmandade’ usando ideias essencialistas, mas que vai ao chão cada vez que alguém contradiz o mito da democracia racial.

E que fique absolutamente legível que ninguém está se opondo ao orgulho crespo ou dizendo que é isso que vai fazer o racismo crescer. O foco é, até que ponto você está realmente de acordo com a sua manifestação estética. Até que ponto você está pronto para o enfrentamento da sua realidade de pessoa negra.

Poderíamos refletir com mais seriedade essas questões, sair da caixinha, da caverna do Platão e conhecer novas possibilidades de luta, onde a futilidade não seja estrela da festa. O Black Power é tudo, menos questão estética, logo não pode esconder a futilidade e a alienação de negros que reproduzem o comportamento dos negros da casa grande, aqueles que para ganhar alguma atenção do sinhozinho e da sinhazinha deduravam, expunham e maltratavam seus iguais. Porque esses negros não se livraram da ira racista dos brancos, e você irmão e irmã de cor, não vai se livrar também. Pense nisso.

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