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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Elas são muitas, não só em número: #‎AgoraÉQueSãoElas



"Eu, mulher negra, também fui vítima deste genocídio. Criminalidade, cadeia e morte violenta são dados biográficos dos homens da minha família, infelizmente".

Com alegria — e um certo receio — aceitei prontamente o convite do Douglas a ocupar o espaço dele aqui neste blog. Alegria porque a campanha#‎AgoraÉQueSãoElas‬, criada por Manoela Miklos, é um arraso! Além do texto dela, li coisas ótimas da Vanessa Rodrigues, da Sofia Mariutti, da Juliana de Faria e Luíse Bello, no espaço normalmente ocupado por figurões. Receio porque o Douglas não é o homem típico a ocupar lugares de fala pública: ele é negro e periférico.

Aliás, mais homens negros vivos e fora das cadeias já seria um enorme avanço. Segundo o Mapa da Violência 2014, morrem proporcionalmente 146,5% mais negros do que brancos no Brasil, por ano. E no estado de São Paulo, há 595 presos negros a cada grupo de 100 mil habitantes negros. Douglas, resiste ao genocídio dos jovens negros que se perpetua no Brasil: além de estar vivo e solto tem ensino superior, é funcionário público — professor da rede estadual de São Paulo — e escreve neste blog. Ainda articula cursinhos populares para aumentar o número de negras e negros nas universidades, que ainda são 26%. Como se não bastasse, Douglas propaga sua voz pelas redes inspirando jovens negros a resistirem. Faz mesmo sentido que eu venha aqui ocupar o espaço dele?

Eu, mulher negra, também fui vítima deste genocídio. Criminalidade, cadeia e morte violenta são dados biográficos dos homens da minha família, infelizmente. O racismo está presente no meu cotidiano, mas de forma mais atenuada hoje, que sou professora universitária, moro em uma região rica e usufruo dos privilégios da classe média. Apesar do racismo estar presente no meu cotidiano.

As mulheres sofrem com a opressão de gênero. Por isso é inegável a importância da campanha #AgoraÉqueSãoElas. Os homens negros sofrem opressão racial. As mulheres negras e pobres sofrem opressão de gênero e raça. E grande parte da população negra sofre também opressão de classe. Não se trata de medir quem sofre mais. Mas de considerar as especificidades, para construir soluções coletivas específicas.

Finalizo com Sueli Carneiro, que no texto “Mulheres em movimento”, de 2003, reconhece e valoriza a luta do movimento feminista, mas não nos deixa esquecer as especificidades:

“(…) grupos de mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo, possuem demandas específicas que, essencialmente, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob a rubrica da questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que definem o ser mulher neste e naquele caso. Essas óticas particulares vêm exigindo, paulatinamente, práticas igualmente diversas que ampliem a concepção e o protagonismo feminista na sociedade brasileira, salvaguardando as especificidades. Isso é o que determina o fato de o combate ao racismo ser uma prioridade política”.

#AgoraÉqueSãoElas, não resta dúvida. E elas são muitas. Em número e nas especificidades.

Este Blog não é um espaço tradicional de “grande mídia”, tampouco este editor é alguém “com voz de alto alcance público”, ainda assim fiz questão de aderir à belíssima iniciativa da campanha #AgoraÉQueSãoElas, afinal, se a vida está ficando cada vez mais difícil para as mulheres devido os riscos de retrocessos e retirada de direitos adquiridos, é sempre bom lembrar que o sobrepeso recairá nas costas das mulheres negras, pra variar. Pois essa semana, e sempre, esse espaço é delas. Das pretas.
Douglas Belchior


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