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terça-feira, 2 de setembro de 2014

Lugar de negro é onde ele quiser


Quando se pensa em políticas públicas para os negros está se assumindo que existe racismo no Brasil. A recente pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) diz que no país há cerca de 97 milhões de pessoas negras (pretas ou pardas), contra 91 milhões de brancos. Somos a maioria, entretanto nossa representação no âmbito acadêmico é de somente 11% no Brasil. Fica nítido que a disputa por conhecimento é uma guerra declarada por poder.

A visibilidade da população negra permaneceu por muito tempo ignorada no RioGrande do Sul. O estado é conhecido por ser reduto europeu, principalmente, por conta da imigração alemã e italiana. Os hábitos e as características físicas dos gaúchos são considerados heranças exclusivas do branco europeu. No entanto a região tem uma considerável população negra que luta para ser reconhecida. Em Pelotas e Rio Grande, por exemplo, o número de habitantes negros chega a 80%.

As vagas reservadas às cotas, nas instituições estaduais, teve início em 2003 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), logo seguida pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). No ano seguinte, 2004, a Universidade de Brasília (UnB) se torna a primeira universidade federal a aderir às cotas. No Rio Grande do Sul, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) os debates em torno de ações afirmativas de cotas surgiram em 2004. Muitos argumentavam que a entrada de negros na UFRGS iria baixar o nível de ensino, atrapalhando a evolução dos outros alunos.

O índice de estudantes negros em instituições de ensino superior é muito baixo no estado. Pesquisas recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) indicam que a taxa de analfabetismo entre negros e pardos é de 26,7%. Entre os
brancos, esse número fica em 5,9%. Em 2006 foi designada, pelo então reitor, José Carlos Ferraz Hennemann, uma Comissão Especial para elaborar programas de ações afirmativas na UFRGS. Entretanto, dias antes de decidir se adotava ou não o sistema de
cotas raciais e sociais, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul amanheceu com.seus prédios pichados com ofensas racistas do tipo: “Negros só se for na cozinha”, “Lugar de macaco é no zoológico” e “Voltem para senzala, cotas não”.

O programa de cotas na UFRGS foi aprovado em 2007 e regulamentado pela Decisão no 134/2007 do Conselho Universitário. Na instituição são designadas 15% de vagas para alunos vindos de escolas públicas e outros 15% a alunos autodeclarados negros, que também devem ter obtido sua escolaridade na rede pública. Caso não haja preenchimento dessas vagas pelas cotas, elas retornam para o acesso universal.

Contudo, o ingresso dos negros na universidade é apenas o primeiro passo de uma série de desafios. Manter-se nela é tão difícil quanto passar no vestibular. Os críticos às cotas afirmam que elas são vias de acesso fácil, que esses auxílios tornam as pessoas preguiçosas, que tem que ensinar a pescar e não dar o peixe. As universidades seguem o modelo de educação baseada na meritocracia como forma de barrar o avanço do povo preto no ensino superior. Enquanto a elite branca estuda nos melhores colégios particulares, aprendendo inglês, francês, espanhol desde os 6 anos de idade e viaja pela Europa nas férias, o jovem negro está no ensino público e muito provável trabalhando para ajudar na renda familiar. Não existe igualdade.

É hora da sociedade gaúcha, que tem um longo histórico racista, aceitar que a universidade é para todos. E que lugar do negro não é mais na cozinha do restaurante universitário. Negros não são mais os porteiros que vocês cumprimentam na entrada da
faculdade. A negra não é mais a faxineira que limpa o banheiro da UFRGS. Ela está na sala de aula, e estamos aqui para dizer, em alto e bom som, que lugar de negro é onde ele quiser.


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Sou de Porto Alegre-RS. Graduada em História e atualmente estou no 3 semestre de jornalismo na UFRGS.

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