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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Desafios à superação das desigualdades no Parlamento

Paula Balduíno. Foto: Marcos Fernando/ Coletivo Expressão. Acervo Festival Latinidades Afrolatinas

Somos 49 milhões de mulheres negras, isto é, 25% da população brasileira. Vivenciamos a face mais perversa do racismo e do sexismo por sermos negras e mulheres. Sabemos que as pessoas negras no Brasil são as que mais são assassinadas, as que têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde, são as que morrem mais cedo e têm a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, são as que mais lotam as prisões e as que menos ocupam postos nos espaços de poder.

Sabemos também que o papel social das mulheres negras é sempre pensado na perspectiva da dependência, da inferioridade e da subalternização, dificultando que nós possamos assumir espaços de poder, de gerência e de decisão, quer seja no mercado de trabalho, quer seja no campo da representação política e social.

Ao mesmo tempo, no campo da representação política, sentimos falta de dados que visibilizem nossa exclusão. Por isso parabenizamos a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político pela vitória de conseguirmos, pela primeira vez, conhecer o perfil étnico-racial das candidatas e dos candidatos às eleições de 2014, sejam eles concorrentes a Presidente da República, governador(a), deputado(a) e senador(a). E parabenizamos o INESC pelo excelente estudo realizado com base nos dados do TSE e pela oportunidade de reflexão e debate que esse seminário representa.

Pelo estudo do INESC percebemos que nós, mulheres, somos 30,9% do total de candidatos. O percentual de mulheres entre os 25.919 candidatos, ao mesmo tempo em que visibiliza a exclusão, também mostra a importância das políticas de ação afirmativa. Porque, se não tivesse a determinação legal da cota mínima de 30% e máxima de 70%, para cada gênero, o número de mulheres provavelmente seria menor. Mas só as cotas não são suficientes, porque há um descompasso entre se candidatar e se eleger. Notamos que o parlamento hoje é composto por em torno de 10% de mulheres.

O estudo realizado pelo INESC revela dados bem problemáticos! Baixa presença nas candidaturas de:
mulheres, especialmente as negras, ou seja, pretas e pardas;
indígenas e mais que tudo as mulheres indígenas (83 pessoas, sendo 27 mulheres, no total de 25.919 candidatos/as);
jovens (até 29 anos): são 6,8% de candidatos/as, enquanto representam 51% da população.

Nossa fala se concentra na situação de mulheres negras. Sem dúvida, o dado mais problemático revelado pelo estudo do INESC é que nós, mulheres negras e indígenas, sejamos as menos representadas na composição do universo de candidaturas nas Eleições 2014. Como mostra a análise, “primeiro vêm os homens brancos, seguidos de homens negros (pretos+pardos), mulheres brancas”, e finalmente nós.

No início da última legislatura, na Câmara dos Deputados, entre as 513 vagas, havia 43 negros e negras auto-declarados. No Senado Federal, 2 parlamentares que se diziam negros. Quem são os colegas destes políticos negros e negras? Muitos são latifundiários ou proprietários de terra, empresários, industriais, donos de meios de comunicação ou grandes redes religiosas.

Por outro lado, somos a maioria de eleitores. O Instituto Patrícia Galvão, na série de análises Gênero e Raça nas Eleições Presidenciais 2014: A força do voto de mulheres e negros, mostra que mulheres superam em 6 milhões os homens. E negros e negras somam 55% do eleitorado.

No contexto das eleições 2014, negros e negras somos 50,7% da população e 44,2% do total das candidaturas. Ou seja, o percentual de pessoas negras que se candidatam é relativamente proporcional ao percentual de pessoas negras na sociedade brasileira. Mas quando fazemos o recorte de gênero, a quase proporcionalidade some. Se nós, mulheres negras, somos 25% da população brasileira, como podemos representar apenas 14,2% das candidatas? Assim vemos como o sexismo e o patriarcado atuam fortemente no campo da representação política.

Também notamos o racismo atuando quando observamos o grupo das mulheres candidatas. Como mostra o estudo do INESC, “a proporção de mulheres brancas e negras que se candidatam é semelhante: 16,5% e 14,2%, respectivamente”. Porém, as negras se elegem bem menos do que as brancas. E isso é um fato histórico. Foi preciso transcorrer quase um século depois do fim formal do sistema escravocrata para que uma mulher negra viesse a ocupar uma vaga na Câmara Federal. Benedita da Silva foi a primeira mulher negra com mandato de deputada federal e depois senadora.

Onde há menor iniquidade de raça e gênero é em um dos segmentos menos expressivos dentro das candidaturas, os jovens. “Entre os candidatos jovens, 45,4% são negros (pretos + pardos) e 52,3% são mulheres”.

O estudo por partido político é fantástico. “As legendas menores, ligadas a agendas socialistas ou operárias (PCB, PCdoB, PCO, PSTU e PSOL), são as que mais apresentam pretos e pardos entre seus candidatos as eleições deste ano”. Já nos partidos maiores, tem uma escala: “o PT tem 41,9% de candidatos(as) negros, o PSB 37,7%, o PSDB 32,8% e o PMDB apenas 26,5%”. É interessante observar que os indígenas também encontram algum espaço no PT, PSOL e PCdoB. A esquerda têm um grande ônus em relação ao povo negro na política, assim como as outras tendências partidárias. Ainda assim a esquerda se mostra como o segmento com maior acolhimento de negras, negros e indígenas na escolha de candidaturas.

A questão é observar se a presença de negros/as está acompanhada de um programa de governo que priorize a população negra, um dos grupos mais vulnerabilizados socialmente. Lembremos o que disse Angela Davis sobre representação política da população negra:

“Não significa somente trazer pessoas negras para a esfera do poder, mas garantir que essas pessoas vão romper com os espaços de poder e não simplesmente se encaixar nesses espaços”.

Estudo do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostra que, na maioria dos programas de presidenciáveis inexistem propostas nas áreas de saúde da população negra, regularização de territórios quilombolas e combate à intolerância religiosa.

Mas nós estamos marcando em cima e demandando que as questões importantes para a população negra estejam em pauta nas Eleições 2014. Darei dois exemplos de mobilizações nesse sentido. A primeira foi lançada pelo Latinidades Afrolatinas, uma plataforma online, colaborativa para a igualdade racial, que visa dar visibilidade ao que esperamos das candidatas e candidatos nas eleições de outubro. Para participar basta enviar um vídeo curto, que pode ser gravado do seu celular, falando sobre um ou mais temas que considera de interesse público e que deseja ver incorporado pelas/os candidatas/os. A ideia é qualificar o debate em torno das propostas de governo para a população negra. Para saber mais acesse a página Latinidades Afrolatinas no facebook.

O segundo exemplo vem da Irmandade Pretas Candangas. Na segunda-feira próxima, dia 22 de setembro, no Sindicato dos Jornalistas do DF, faremos uma Roda de Conversa “Candidaturas negras ao legislativo”. Será uma oportunidade para candidatas e candidatos negros apresentarem suas propostas, planos de mandato e dividir com o eleitorado afrodescendente perspectivas de mudança do atual quadro branco e masculino do poder Legislativo brasileiro. Fazemos isso pensando numa forma de usar o voto para o fortalecimento de candidaturas negras e suas propostas para a população. E convidamos a todas e todos os presentes para se juntarem à prosa, que foi estimulada também pelos dados revelados neste estudo do INESC.

O estudo revela então que há um descompasso entre o quantitativo de negros que se candidata e o quantitativo que se elege. Concordamos com as hipóteses levantadas: por um lado, “nossas candidaturas têm menos apoio financeiro e tempo de exposição na mídia, sendo invisibilizadas em relação às candidaturas compostas por homens brancos”. Somado a isso, “o racismo estrutural da sociedade brasileira influencia a decisão dos eleitores”.

Observando o contexto do partidarismo político, o estudo do Inesc conclui que a cota de 30% para candidatas do sexo feminino é insuficiente para se garantir a diversidade feminina no parlamento. “A ausência de regulação que determine uma proporcionalidade étnico-racial exime as agremiações políticas de consolidar candidaturas de mulheres negras e indígenas”.

Aqui visualizamos explicitamente a rede de privilégios e vantagens que expropriam a nós, mulheres negras, oportunidades e condições de plena participação na vida social, afetiva e política do país. O sistema político, incluindo-se aí os partidos, privilegiam as candidaturas de homens, geralmente brancos e com maior poder aquisitivo.

Dentro dos partidos também é flagrante a desigualdade racial, a sub-representação do negro e da negra. Também há escolha baseada em critérios alheios aos da igualdade. Infelizmente, isso não é patrimônio de partido algum, é extensivo a todos, sem exceção, com nuances de democratização que nos permitem ter esperanças e espaços de diálogo e disputa interna.

A sub-representação de negros e negras no Parlamento é uma questão de fundo na democracia brasileira. Esta ausência agride a todos que se pensam vivendo num ambiente democrático. O país e os partidos políticos brasileiros, para consolidar e avançar como verdadeira democracia, precisam encontrar respostas combinadas, integradas, eficientes, que rompam com a situação em que estamos, onde o negro e a negra continuam a formar a maioria que vota, mas raramente é eleita.

Então nossa voz formará um coro, a partir dessas eleições, as cotas raciais nos partidos políticos são um imperativo! Defendemos que ambas as cotas, raciais e por gênero, sejam articuladas, de modo a combater a desigualdade estrutural de mulheres negras e indígenas na representação política. Em 2012, a irmã Preta Candanga Daniela Luciana levantava essa bandeira em seminário promovido pelo INESC na Câmara dos Deputados. Novamente a hasteamos. Já passou da hora de termos cotas raciais nos partidos políticos.

Mas é necessário mais do que isso. É necessário transformar o sistema político. Nós queremos efetivamente exercer nossa cidadania. Queremos enxergar um Congresso Nacional feminino e negro. Queremos ter uma presidente negra que nos represente. Que tenha uma trajetória de compromisso com as nossas questões. Queremos governadoras negras. Porque assim temos mais chances de garantir que casos como o de Alyne Pimentel (jovem que faleceu por morte materna), Beatriz Nascimento, Yá Mukumby (mãe de santo de Londrina, abordada e assassinada na porta do terreiro no final do ano passado), Amarildo, Douglas Rodrigues, Claúdia Ferreira da Silva e tantas outras pessoas exterminadas pelo Estado brasileiro, em suas diversas formas, não fiquem impunes.

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Fala de Paula Balduíno de Melo, no seminário Desigualdades no Parlamento em 19/09/2014. Leia a íntegra aqui

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