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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

As eleições e a política na vida real


Mais de 71 bilhões de reais. A eleição mais cara da história. É isso que revela o levantamento feito pela revista Congresso em Foco, a partir de informações do TSE e do IBGE.

O alto investimento feito por grandes empresas, construtoras e bancos em seus candidatos preferenciais – Aécio, Marina, Dilma e demais candidatos de seus partidos e coligações – é proporcional ao desencanto e a apatia generalizada por parte da população em relação às eleições deste domingo.

Não será surpresa se esse processo eleitoral entrar para história não só por ter sido a mais cara, mas também por ter sido a com maior número de abstenções ou votos brancos e nulos. Nas ruas, o que mais se ouve é: “não sei”, “não pensei”, “não tenho candidato” ou “nem vou sair de casa”.

A política, ocupada e sitiada por grupos econômicos, parece cada vez mais distante da vida real. E esse é o problema: Só parece. Na verdade, o sofrimento da população mais necessitada dos serviços públicos é resultado direto dessa forma de organizar e de se fazer política.

E digo isso por vivenciar e atuar cotidianamente na realidade de pessoas e territórios onde eleições e políticos não tem a menor credibilidade e importância para a vida real. Mas ao mesmo tempo é responsável por toda dor.

Não preciso citar meu vizinho ou fazer referência à família moradora da casa mais humilde do bairro. Posso falar do meu próprio quintal: Meu pai, mãe, irmãos e filhas, quando ficam doentes, é num hospital público ou num posto de saúde que são atendidos. E nós sabemos como é.

Na escola pública do bairro, mas não na melhor delas, é que minhas filhas estudam. Na melhor, aquela com piscina, aulas de dança, teatro e professores bem pagos, não. Essas não têm vaga para todas as crianças. Minhas filhas não foram consideradas boas o suficiente para frequentá-las.

Muitos de meus amigos (e por sorte eu não) desapareceram nas mãos da polícia. Quando estudante, sempre reparava: cadê o amiguinho da sala de aula? O parceiro do futebol? O mano do baile? Depois, já como professor na escola pública da comunidade, as perguntas continuavam: Onde está aquele aluno? Nunca mais apareceu… Estava na Fundação Casa, ou tinha sido preso ou morto pela polícia. E tome notícia de velórios, revides, e mais velórios, e mães chorando… e minhas salas de aula sem os meninos pretos. Nós aqui sabemos como é.
No futebol do final de semana, na sinuca no boteco da vila, no baile funk, no rap, no grafite, no skate, aí está a política. O inevitável esculacho da PM racista, preconceituosa e violenta também é política. E nós sabemos como é.

A fila do leite na associação comunitária; a coleta de alimentos para ajudar o vizinho, e de vez em quando, ser ajudado; a correria por um advogado para o filho de alguém; o mutirão pra levantar a parede ou para reaver o telhado que a chuva levou; o ônibus e o trem, sempre lotados e caros; O salário baixo, o pequeno negócio, o boteco, as roupas nas sacolas, a revistinha da Avon, a manicure do bairro. Ou aquele “ilegal”, com o menino do DVD pirata, o cigarro do Paraguai, a maconha e a cocaína que, para além de quaisquer condenações no campo da moral, não passam de produtos quaisquer, comercializados ilegalmente para fins de sobrevivência econômica.

E, como alimento para a alma, a fé inabalável nas palavras do padre, do pastor ou no Asè da mãe de santo. Afinal, é preciso acreditar em algo para além dessa vida sofrida. E é dali, da voz que vem do altar, que sai nome do candidato escolhido por Deus, um dos poucos que merecem algum respeito na quebrada.

E para fora do universo religioso, que diferença faz para essa gente um político, um partido, uma eleição? Que importância tem a “festa da democracia”, vivida a cada dois anos, para além de um trabalho temporário como cabo eleitoral – feito balconista de loja em tempos de Páscoa ou Natal – ou ainda, a chance de um trocado na boca-de-urna do dia 5 ?

E na feira de sábado, na divisa de Itaquaquecetuba com Itaim Paulista e Poá, a resposta: “Somos todos voluntários. Nossa campanha não tem dinheiro e não paga pessoas para trabalhar”. E a reação:“kkkkkkkkkk!!! Trabalhar de graça pra político? Essa é boa. Mentirosos!”

A política está cada vez mais vazia de seu sentido. Querem nos convencer de que política é a prática do possível, da gestão e dos acordos sujos. Querem nos convencer que roubar, desviar, corromper e naturalizar o financiamento da política e dos políticos pelos ricos são inevitáveis.

E, em grande medida, estão conseguindo. Mas ainda não venceram!

Precisamos recuperar a beleza e a importância da política para a vida das pessoas. Precisamos lembrar que só através da participação, da organização e da mobilização popular é que poderemos defender os interesses dos trabalhadores, combater as desigualdades sociais e os grandes males que o racismo, o machismo e a homofobia causam à sociedade.

Não há soluções simples para problemas complexos. E não acredito que será por eleições que resolveremos os problemas do país. Mas, diante da impossibilidade imediata de uma forte reação popular em contraponto ao estado de injustiças em que vivemos, as eleições são um importante momento de diálogo e de disputa da opinião e da própria mentalidade coletiva.

Por menor que pareçam, campanhas militantes e coletivas que carregam as bandeiras históricas da classe trabalhadora acabam por cumprir um papel pedagógico muito importante. Afinal, se é verdade que há reações descrentes como a da senhora da feira, há também, especialmente entre os jovens, a surpresa positiva e muitas vezes, a adesão às lutas.

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