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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Carta de uma universitária preta


por Grupo de Trabalho Histórico-político,
O Coletivo Meninas Black Power está em muitos lugares, atuando ativamente e ocupando espaços que antes nos eram negados. Antes mesmo da existência do Coletivo, cada integrante já tinha sua caminhada de resistência. Hoje, juntas, conseguimos ver com mais clareza o quanto é pesada essa caminhada sozinha. Hoje nossas histórias individuais nos inspiram a ocupar cada vez mais escolas, a dizer para as crianças excluídas e afetadas diariamente pelo racismo que é por elas que promovemos cada uma de nossas ações. Aprendemos juntas que em grupo somos mais fortes, e sendo espelhos positivos, conseguimos mais gente para o time das que acreditam que só a Educação pode nos salvar da exclusão. A seguir vocês lerão o relato da Lais Reverte, integrante do MBP e conhecedora da batalha diária que é ser mulher, preta, em um universo excludente e racista que até hoje ocupamos à força.

“Olá, me chamo Lais Reverte e venho aqui hoje falar de dor, da minha dor. Tenho 20 anos e, como a maioria dos jovens da minha idade, quis caminhar pelos próprios pés e fazer meu caminho longe de casa. Prestei vestiba para uma Universidade no interior do meu Estado (Espírito Santo), sou fruto de cursinho sustentado pela comunidade (no caso, estudantes que se prontificaram para dar as aulas) e cotista racial, estudei meu Ensino Médio em escola pública federal e, por dificuldade financeira familiar, no meu último ano não pude cursar outro pré vestibular que não fosse o social. Na minha primeira tentativa de ingresso passei em primeiro lugar (provando sim que sou capaz de passar, com cotas ou não, mas fazendo questão de ocupar um lugar que é meu de direito nas Universidades Federais) e cá estou, cursando Geologia desde o mês de Abril. Moro sozinha, por opção, e tenho visto cada vez mais o quão difícil é, no ambiente acadêmico, se manter como se é. Quanto mais o tempo passa, mais eu entendo e vejo a dificuldade de ser uma mulher preta nesse mundo. Aqui me encontro, na Universidade, caloura, numa das (o que deveria ser) melhores fases da minha vida e enfrentando os mesmos problemas de sempre. Agora maiores. Não é NADA fácil ser a ultima opção. Ver todas suas amigas de cabelos longos e corpo esguio fazendo a festa, sendo “as escolhidas e desejadas”, e você no canto, sendo “a amiga”. Não pensem que é recalque, inveja, ou carência, mas uma realidade que me acompanha desde a infância. Não é nada fácil ser vista como “estilosa” por causa do meu cabelo, que não tem nada demais, apenas nasceu assim. Cada vez que vou para casa da família,sinto o carinho do “não ser diferente” do mundo, mas cada dia que passa fora de lá, menos me sinto incluída. Enquanto em casa vejo o amor de verdade, que vem da preocupação e do cuidado, longe eu vejo a vontade de se dar bem, o interesse. É “barra” me manter como sou fora da minha zona de conforto. Difícil entender que não é qualquer pessoa que aguenta a pressão de ter uma relação com uma mulher preta de verdade, sem nenhuma marca esbranquiçada na história (gracas a Deus, tenho MUITO orgulho do que construí até aqui). Triste procurar carinho onde não tem. Cada vez mais vejo que é necessário bater na tecla: NÓS POR NÓS. E quando não há nós? E quando se é “um”?”

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