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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Rafael Braga e o desafio de ser jovem e morador da periferia no Brasil

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Quando chegamos a uma determinada fase da vida, a memória fica mais forte em lembranças antigas do que fatos recentes. Não sei se é a repercussão do caso de Rafael Braga ou por lembrar dos números sobre a morte de jovens negros no Brasil, mas ultimamente sempre me vem à mente o período de 12, 14 ,16 e 17 anos de idade. Na época que eu vivia em São Mateus, bairro periférico da capital paulistana, região de altos índices de violência em números que persistem por lá até hoje.

Por Mauricio Pestana,
O famoso, “mão na cabeça aí vagabundo!” da primeira batida policial não dá para esquecer, assim como os minutos (poucos ou muitos) em que se tem uma arma mirada para a cabeça com 11 ou 12 anos de idade. Esses minutos te marcarão para sempre, principalmente quando cruzar com uma viatura da polícia no seu caminho.

Catador de papel, ex-morador de rua e atual morador da favela da Vila Cruzeiro, negro, pobre. A justiça seletiva que condenou Rafael me lembra outros fatos de adolescente em São Mateus, divisa com o ABC paulista e local de grandes protestos de metalúrgicos do final dos anos de 1970 que desafiaram a ditadura militar. Eram manifestações reprimidas também pelo tal “esquadrão da morte” – polícia política do Regime que tinha naquele bairro um dos locais de sua “desova”. Então, outro fato comum no caminho da escola, quando eu ainda cursava o primário, era cruzar com corpos atirados no chão, que o povo dizia serem vítimas do esquadrão.

Quando recordo este período, lembro-me de muitos amigos quase crianças que não ultrapassaram essa fase da dupla jornada de estudo e trabalho para ajudar em casa, dos que também optaram por um sonho de riqueza fácil e uma vida curta, dos que o álcool e outras drogas, potencializado pela falta de perspectiva os levou, dos que desapareceram e continuam desaparecendo todos os dias deixando milhares de mães, irmãos, amigos na dor e desespero.

Todas estas memórias me remetem à condenação de Rafael, que nunca teve chances perante esse sistema racista. Condenado a 11 anos de prisão por portar uma sacola contendo maconha, cocaína e um foguete. Uma testemunha confirmou que ele não carregava sacola alguma quando foi abordado, enquanto os mesmo policiais apresentaram versões diferentes dos fatos nos depoimentos na delegacia e em juízo. Entre a palavra de um negro com testemunha e a versão dos policiais, o juiz determinou o futuro de Rafael por seu maior crime: ser negro.

Entre os meus amigos da adolescência, os corpos encontrados pelo caminho da escola e Rafael, o fato em comum são a cor da pele e a falta de oportunidades, vítimas de décadas de abandono do Estado brasileiro. Quantas vidas e futuros ainda perderemos para eles?

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Mauricio Pestana

Jornalista, publicitário, cartunista e escritor. Exerceu o cargo de Secretário de Promoção da Igualdade Racial da Cidade de São Paulo de abril de 2013 a dezembro de 2016. Atualmente faz parte do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá de equidade racial e é Diretor executivo da Revista Raça.






Mulheres relatam impacto do racismo e da violência contra a juventude negra

As mulheres negras são um dos grupos em situação de maior vulnerabilidade, devido ao acúmulo de discriminações decorrentes do racismo, do sexismo e de outras formas de opressão, cujos impactos incidem sobre a trajetória de suas vidas e de suas famílias.

Essa foi a conclusão de relatos feitos à ONU Mulheres para a ocasião de três datas: Dia Internacional das Famílias, celebrado na segunda-feira (15); Dia das Mães, ocorrido no domingo (14); e Dia Nacional de Luta contra o Racismo (13) — contraponto do movimento negro ao Dia da Abolição, considerando a ausência de políticas e medidas de inclusão após o fim da escravização.


Débora Maria da Silva, fundadora e coordenadora do movimento Mães de Maio, mobilizou Assembleia Legislativa de São Paulo para criação da Semana Estadual das Pessoas Vítimas da Violência no Estado de SP. Foto: Percurso da Cultura (CC)

As mulheres negras são um dos grupos em situação de maior vulnerabilidade, devido ao acúmulo de discriminações decorrentes do racismo, do sexismo e de outras formas de opressão, cujos impactos incidem sobre a trajetória de suas vidas e de suas famílias.

Essa foi a conclusão de relatos feitos à ONU Mulheres para a ocasião de três datas: Dia Internacional das Famílias, celebrado na segunda-feira (15); Dia das Mães, ocorrido no domingo (14); e Dia Nacional de Luta contra o Racismo (13) — contraponto do movimento negro ao Dia da Abolição, considerando a ausência de políticas e medidas de inclusão após o fim da escravização.

Em seguimento à estratégia “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030”, desenvolvida pela ONU Mulheres em parceria com organizações de mulheres negras, duas entrevistadas reconstituíram suas histórias de vida e de familiares: Débora Maria da Silva, fundadora e coordenadora do movimento Mães de Maio; e Mônica Cunha, fundadora e coordenadora do movimento Moleque.

Elas passam seus dias em busca de justiça para o assassinato de seus filhos — que fazem parte do contingente de 27 mil jovens negros assassinados num conjunto de 30 mil mortes violentas a cada ano, segundo dados do “Mapa da Violência 2014: os Jovens do Brasil”.

Em 2002, morreram proporcionalmente 73% mais negros do que brancos. Em 2012, esse índice subiu para 146,5%. A vitimização negra, no período de 2002 a 2012, cresceu significativamente: 100,7%.
Mães de Maio

“Meu filho foi assassinado em 15 de maio de 2006. Ele se chamava Rogério. Tinha 29 anos e era gari. As últimas palavras dele para mim foram: ‘parabéns a você’. Eu faço aniversário no dia 10 de maio. (…) Após a morte dele, me debilitei. Fiquei 40 dias e 40 noites hospitalizada”, contou Débora Maria da Silva, fundadora e coordenadora do movimento Mães de Maio. Rogério foi uma das vítimas da onda de violência ocorrida em São Paulo em maio de 2006, que teve 564 assassinatos — 505 civis e 59 agentes policiais.

Os crimes de maio motivaram a criação da Semana Estadual das Pessoas Vítimas de Violência no Estado de São Paulo, entre 12 a 19 de maio, instituída em 2014 pela Lei nº 15.501/2014, por iniciativa do movimento Mães de Maio.

Em 2013, a Assembleia Legislativa de São Paulo apontou 12 de maio como Dia das Mães de Maio, e o movimento foi reconhecido na categoria Enfrentamento à Violência pelo 19º Prêmio de Direitos Humanos, concedido pela Secretaria de Direitos Humanos do governo brasileiro.

Débora uniu-se a outras mulheres na busca por justiça. “Fui atrás de outras mulheres. Elas vieram para a resistência. O movimento tem vários núcleos e está fazendo formação em outros países, a exemplo do Peru. Para os Estados Unidos, eu já fui duas vezes. Fizemos o julho negro. Nós não temos mais fronteira. O que nós temos é uma luta pela desmilitarização das Américas”, declarou.

A ativista é implacável ao reconhecer o racismo no assassinato de seu filho e a ação da discriminação racial em diferentes etapas da sua própria vida. “O Brasil é um país que não teve reparação. É um país que diz fazer reparação aos negros e aos indígenas matando. Não podemos aceitar. O racismo é estrutural, sim”, afirmou.
Adoecimento de mulheres negras

A articulação política impulsionada pela dor também é a história de Mônica Cunha, fundadora e coordenadora do movimento Moleque, criado em 2003 no Rio de Janeiro, e que também teve filhos assassinados.

“A maior parte dos adolescentes é criminalizada pelos atos infracionais, vivendo situações de aprisionamento. As mães, em geral, mulheres negras ficam improdutivas. Elas não têm condição de trabalhar”, declarou. “Algumas desenvolvem síndrome do pânico, depressão, câncer”, completou.

Da necessidade de fazer valer a lei, Mônica buscou outras mulheres e familiares para enfrentar a prática de violação de direitos. “É preciso que entendam que seus filhos não nascem segurando uma arma. O que a gente faz é fazer a formação para que a família, mesmo que tenha seu filho cumprindo medida socioeducativa, entenda que eles têm direitos e consiga ajudar. A gente só consegue mudar esse histórico com informação”.

Quatorze anos após a criação do movimento Moleque, Mônica expandiu sua capacidade de incidência política. Uma de suas frentes de atuação foi a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, ocorrida em 2015, além das interlocuções com a ONU Mulheres, a exemplo de reunião com a subsecretária-geral da ONU e diretora executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, durante a Rio 2016.

“O meu foco na Marcha das Mulheres Negras foi colocar o adoecimento das mulheres negras, porque estamos nos matando por nossos homens e filhos”, ressaltou ao citar algumas entidades como parceiras políticas, tais como a Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras, Criola, Geledés e Odara.

Atualmente, Mônica é assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. “Estar nesse lugar é bom para entender melhor, abrir outras portas e para mostrar para outros movimentos que nós existimos”.

Tal qual Débora, Mônica atribui ao racismo o assassinato da juventude negra e a impunidade dos crimes. “Essa história de bala perdida não existe. É bala achada. Quando o braço armado vai para dentro de uma favela, que tem escola, que tem comércio, não tem bala perdida. Agora, é fazer com que a sociedade entenda isso”.

O enfrentamento à impunidade é outra questão comum aos casos de prisões e assassinatos de pessoas negras. “O caso Rafael Braga é um exemplo de quando o Estado entra e nos desestrutura. A mãe dele se tornou alcoólatra. Ele não morreu, mas a situação dele é difícil. Isso com todas as provas e articulações de movimentos sociais, a gente não consegue tirar Rafael da prisão”, lembrou.

Fonte: ONU.

Meu primeiro abuso policial

O famoso “Mão na cabeça, vagabundo!” da primeira batida policial a gente nunca esquece. Assim como os minutos em que se tem uma arma mirada para a cabeça, às vezes com 11 ou 12 anos de idade, ficam na sua cabeça para sempre. MEU PRIMEIRO ABUSO POLICIAL é uma campanha da Revista Raça para debater a violência policial contra negros. Os minutos em que te revistam, que podem muitas vezes parecer horas, te marcarão para sempre.

Por Hamalli,
O caso de Rafael Braga nos chama a atenção para uma realidade que os negros conhecem muito bem. Segundo uma pesquisa do Datafolha, 86% dos homens negros de São Paulo já foram parados pela polícia. Entre os mais jovens, a taxa pode chegar a 91%. Outra pesquisa recente realizada pela Universidade de São Carlos aponta que 61% das vítimas da polícia militar são negras, 97% são homens e 77% têm de 15 a 29 anos. A Polícia Militar de São Paulo é a que mais mata e tem cor: 79% dos policiais são brancos.

Quando estes abusos acontecem, não tem para quem e aonde recorrer. Por isso lançamos a campanha MEU PRIMEIRO ABUSO POLICIAL: para poder expor e compartilhar experiências por mais doloridas que sejam. Os abusos acontecem diariamente: entre artistas e outros famosos que entrevistamos, todos que encontraram a polícia no meio do caminho tem uma história e uma cicatriz que não vamos esquecer. Como Rafael, temos em comum apenas cor da pele, que descendente de anos abuso do Estado brasileiro.

O quanto ainda teremos que sofrer? Nossa pele não é crime! MEU PRIMEIRO ABUSO POLICIAL: Conte, compartilhe e denuncie os diversos atentados contra nós!



Fonte: Revista Raça.

Após sofrer racismo na escola, Kheris Rogers de 10 anos cria linha de roupas empoderadora


Você precisa conhecer Kheris Rogers, uma menina de 10 anos que começou uma linha de roupas após receber toda a espécie de bullying ataques racistas na escola por ter a pele “escura demais”.

Tudo começou quando sua irmã Taylor Pollard, de 22 anos, quis fazê-la sentir melhor postando fotos de Kheris no Twitter com a legenda: “minha irmã tema apenas 10 anos, mas já é realeza #FlexinInHerComplexion”. É claro que o tweet viralizou e mais de 83 mil pessoas curtiram a foto.

Isso não só fez Kheris se sentir melhor, mas também a encorajou a criar sua própria linha de roupas, a Flexin’ In My Complexion. “Eu sofri muito bullying, como na primeira série, que eu estava na escola e tinha apenas outras 4 crianças negras. As outras crianças costumavam me atacar porque eles não estavam acostumados com o meu tom de pele. Houve um incidente na escola com uma professora. Nós tínhamos que desenhar a nós mesmos e ela deu um giz preto para esse grupo, em vez de um marrom. Eu fiquei muito triste”, conta.




Fonte: Geledes

terça-feira, 30 de maio de 2017

Estamos vendo de fora, porque estamos de fora



A perfeição da língua falada todo dia capta a naturalização e a banalização da propina no meio político e empresarial. “Ô Florisvaldo, leva esse milhão nesse endereço aqui.” Desculpem-me, mas estou encantado com a fórmula, do coloquial mais trivial, utilizada pelo operador da JBS que aparece depondo nos vídeos em que se afundam todos.


Por Edson Lopes Cardoso,
Sabe aquela língua de todo dia, mas parecendo vir de fora do mundo em que se estava na procuradoria? Fala-se em propina grossa para os mandatários da nação, coisa pra durar vinte anos, e, súbito, precisa-se de um portador para levar algum dinheiro num certo endereço. O portador estava ali, à mão: “Ô Florisvaldo, leva esse milhão…”

A moldura é quase doméstica, uma tarefa urgente qualquer, o portador de confiança autorizado a circular na vizinhança: “Ô Florisvaldo, leva esse milhão no endereço que Temer indicou”.

É o dinheiro público, deveríamos nos sentir de algum modo próximo dele, mas as cifras mirabolantes se sucedem, muito além da experiência da maioria, como uma dimensão constitutiva de um mundo irreal.

Milhões, muitos milhões, bilhões e bilhões e bilhões. Nessa perspectiva, os trocados, aliás bem minguados, de nossa resistência cotidiana fortalecem um campo de impossibilidades, são limites praticamente intransponíveis.

Os cúmplices também não se querem semelhantes. Os políticos se reduzem a indivíduos permanentemente envolvidos em falcatruas, são seres desprezíveis aos olhos mesmos dos corruptores, que passam de assediadores a assediados.

Eles meio que se vitimizam em suas delações, surpreendem-se e se chocam com a voracidade dos políticos. A degradação do político profissional anda numa escala nunca vista, reclamam os corruptores. Que tal essa?

A maioria da população se inquieta, mas continua buscando simplesmente sobreviver. Colho numa carta publicada no jornal “Estado de S Paulo” (21.05.2017) a imagem gasta da escravidão que encobre nossa impotência: “Nessa disputa suja o povo brasileiro acabou refém, sem ter quem o liberte do cativeiro em que se encontra”.

É sempre a imagem da escravidão, com a projeção da princesa libertadora. Uma metáfora que encanta as redes sociais (“Temer revoga a lei Áurea”). Na mesma edição do Estadão, leio que a mecanização quase total da lavoura de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo está acabando com os cortadores braçais, boias-frias.

Lembrei-me da frase de abertura de uma campanha que está no ar do agronegócio/rede globo, uma novíssima premissa histórica: “Desde o Brasil colonial, a cana ajuda a movimentar nossa economia”. O anúncio julga poder separar a cana de seu contexto político e social. A cana adquire autonomia e se distancia, no passado, da instituição da escravidão e dos seres escravizados que plantavam, colhiam, faziam a moagem, o melado, o açúcar. No presente as colheitadeiras vão fazendo o trabalho dos cortadores manuais, “o agro é tech”.

As imagens do anúncio, no entanto, ilustrações do século XIX de Henry Koster e Hercules Florence, este via Benedito Calixto, dizem outra coisa e há desenhos de negros escravizados, na labuta do engenho. O anúncio dura 50 segundos, tudo é muito rápido. Prevejo um futuro próximo em que aquelas figuras escuras dos desenhos de Koster e Florence serão incompreensíveis para a sensibilidade moderna forjada no “agro é tech”.

Se pensarmos numa perspectiva ampla, de aniquilação completa, o apagamento do passado é primordial. O “agro é tudo” demonstra sua ousadia numa releitura ideológica em que se constrói uma superioridade avassaladora.


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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo
















Fonte: Brado Negro.

Pobre Pará


Por Lúcio Flávio Pinto,
A maior preocupação do secretário de segurança pública do Pará, general Jeannot Jansen, na primeira declaração que fez sobre o conflito em Pau D’Arco, foi ressaltar que a polícia – civil e militar – não cumpria mandado de reintegração de posse. Ou seja: não ia desalojar os ocupantes da fazenda Santa Lúcia, como acontecera em duas situações anteriores.

Desta vez, a polícia cumpriria mandados judiciais de prisão contra quatro pessoas, que teriam participado do assassinato de um vigilante da fazenda, ocorrido um mês antes, e de busca e apreensão de armas e documentos. Na explicação do secretário, a presunção era de que a operação resultara da constatação de que o alvo eram delinquentes comuns e não posseiros.

A versão oficial é coerente com essa tese. De 25 a 30 homens receberam a força policial com tiros, aproveitando-se para essa iniciativa, do fato de estarem numa área conhecida e a partir de uma trincheira que pudessem ter montado. Tinham arsenal para essa decisão: 11 armas de grosso calibre, incluindo espingardas, fuzil e uma potente pistola Glock.

Quem já acompanhou esse tipo de situação, sabe que o tiroteio costuma se generalizar. É quase impossível que só haja baixa de um lado – e do lado que estava melhor posicionado no que os combatentes chamam de teatro de operações.

Essa expectativa, ao contrário do que proclamou o delegado licenciado e deputado federal Éder Mauro (do PSD), na sua reação corporativa e parcial, não significa que se deseje a morte ou ferimento de policiais. É hipótese coerente com a versão (cuja falsidade cada vez mais se revela) da secretaria de segurança pública.

Se a tropa foi vítima dos primeiros disparos ao entrar na área é porque foi surpreendida por essa reação. Até encontrar um lugar adequado para retrucar ao ataque, inevitavelmente teria sofrido alguma baixa, mesmo que sem vítima fatal. O tiroteio pesado deixaria marcas claras do combate, o que, nas vistorias posteriores ao local, não foi percebido.

Mas se os policiais só atiraram porque foram alvejados antes, sua maior preocupação seria preservar a integridade do local para usá-lo como prova da sua versão, logo posta em questão ou imediatamente desacreditada. No entanto, a expedição retirou os cadáveres, arrecadou as armas e limpou o ambiente, prejudicando – ou até inviabilizando – o trabalho dos peritos.

Novamente na sua manifestação utilitária, para ganhar a pronta aprovação dos seus pares e das pessoas que encaram o problema por uma ótica simplista e radical, o deputado Éder Mauro desdenha esse argumento. Disse que a ação foi humanitária. Afinal, os policiais não iam deixar os cadáveres expostos.

A gravidade do acontecimento, com 10 mortes só de um lado (e, talvez, mais oito feridos que escaparam do tiroteio pelo mato), reforçaria o cumprimento do dever profissional dos policiais de preservar a cena do crime, com os corpos dilacerados pelas balas, o sangue espalhado e, sobretudo, a prova definitiva de que houve mesmo um combate e não uma matança deliberada, planejada, cumprida para atender uma das partes do conflito fundiário.

Suscitar essa hipótese, de sólida consistência, não significa levar ao absurdo a defesa dos direitos humanos, como se apenas uma das partes, a falsamente (ou verdadeiramente) mais fraca, enquanto a outra, a dos policiais e fazendeiros, é totalmente ignorada.

O maniqueísmo se mostra deturpador em mais este exemplo. Se houve um momento em que o conflito era claramente entre duas partes, a dos donos (por justo título ou mera grilagem) da terra e os posseiros, que só dispunham do seu trabalho para exercer seus direitos, hoje esse dualismo desapareceu.

É tal o fracasso do governo como órgão regulador de litígio, acompanhante dos fatos e repressor de ilícitos que os atores em cena se diversificaram muito. Em meio a posseiros há pistoleiros, grileiros, desmatadores, intermediários de fazendeiros e um universo humano que se desenvolveu sobre a incompetência da administração pública.

Ainda assim, o caso de Pau D’Arco tem uma violência e um nítido sentido de parcialidade que torna difícil – se não impossível – absorver as explicações do governo, formuladas – mais uma vez – com incompetência pelo abúlico secretário de segurança pública.

A figura inexpressiva do general Jansen parece só se manter diante da criminosa omissão do governador Simão Jatene. Mais uma vez, diante de novo escândalo, que devolve o Pará ao pior noticiário nacional e internacional, o governador sumiu.

Nesses momentos, o tucano parece renunciar à condição de comandante-em-chefe da força policial, que só exerce em momentos festivos, com hinos, dobrados e medalhas. O Pará que trate suas dores por si próprio, dentre as quais matanças como esta, 21 anos depois de Eldorado dos Carajás, é o atestado da continuidade de uma marca que tanto mal lhe faz: a selvageria.

Hierarquias Reprodutivas (1): Mulheres Grávidas Encarceradas, menos Adriana

Foto extraída do site: http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2015/11/gravida_presa-300x181.jpg

por Emanuelle Goes *

Eu preparo uma canção
Em que minha mãe se reconheça
Todas as mães se reconheçam
Carlos Drumond de Andrade

Por conta da prisão de Adriana Ancelmo e da sua soltura, ficando em prisão domiciliar, a pauta sobre grávidas encarceradas ganhou certa visibilidade nas grandes mídias. No entanto, esta é mais uma das pautas que o movimento de mulheres negras vem apresentando há um tempo, pauta dentro da agenda dos direitos humanos, direitos reprodutivos e justiça reprodutiva.

A partir da reflexão de Laura D. Mattar e Simone G. Diniz (2012) que defendem a ideia de que “há hierarquias reprodutivas, e que elas indicam como algumas maternidades são mais, ou menos, legítimas e aceitas socialmente do que outras – impactando o exercício de direitos humanos pelas mulheres”, podemos traçar como as violações de direitos acontecem com as grávidas no sistema prisional.

Por que só Adriana ou mulheres com o perfil semelhante ao dela podem ter assegurado o exercício dos direitos humanos e constitucionais em sua plenitude? Porque há uma ideologia sobre a maternidade e/ou a reprodução, que é pautada pela estrutura sexista, racista e classista, modelo este que marginaliza e discrimina.

Nos últimos anos, o encarceramento de mulheres cresceu 570%, sendo que duas em cada três presas são negras. O sistema carcerário feminino é composto em sua maioria de mulheres negras e pobres. (CRIOLA, 2016)

Dentro do sistema prisional, são as mulheres negras que encontram mais dificuldades de acesso a seu direito de defesa e demais direitos estabelecidos nas leis. O tratamento desigual, o encarceramento desproporcional e as seguidas violações de direitos humanos, incluindo o direito à saúde, nas prisões brasileiras produzem situações trágicas.

Em 2015, um caso de violação total de direitos aconteceu no Estado do Rio de Janeiro, quando uma mulher encarcerada na penitenciária feminina Talavera Bruce, foi obrigada a fazer o próprio parto dentro de uma solitária, apesar dos gritos de socorro de outras presas da cela ao lado, a gestante saiu do local com o bebê, já nos braços, porém ainda ligado ao cordão umbilical.

Na mesma unidade, para onde são encaminhadas as presas grávidas, uma interna entrou em trabalho de parto, mas a ambulância não chegou a tempo e ela acabou dando à luz no local. Em razão da falta de estrutura, o bebê faleceu.

O sistema desumaniza as grávidas, a gravidez e suas crianças que já nascem privadas de liberdade, contrariando a constituição que reserva a liberdade como princípio fundamental, as crianças ali já nascem com a sua cidadania ceifada.

Segundo a pesquisa “Saúde materno-infantil nas prisões”, liderada pela professora Maria do Carmo Leal, no estudo 80% das participantes eram negras, 67,2% jovens. O acesso à assistência pré-natal foi inadequado para 36% das mães, durante o período de hospitalização 15% referiram ter sofrido algum tipo de violência (verbal, psicológica ou física), apenas 15% das mães consideraram o atendimento recebido excelente e o uso de algemas na internação para o parto foi relatado por mais de um terço das mulheres (Leal et al., 2016).

A pesquisa foi realizada nos presídios de todas as capitais brasileiras e regiões metropolitanas e mostra que 65% das gestantes condenadas poderiam cumprir prisão domiciliar, por ter cometido crimes de menor poder ofensivo, como porte de drogas e pequenos furtos, e serem presas provisórias.

As experiências vivenciadas na maternidade ou na reprodução são demarcadas por desigualdades sociais, raciais, de gênero e classe, sendo assim não é possível transportar experiências de mulheres que fazem parte deste modelo ideal de maternidade, o que o Estado faz é garantir que Adriana e seu bebê exerça os direitos constitucionais e humanos em sua plenitude.


Pelo direito à saúde das mulheres encarceradas


Ação Civil Pública que obriga o Estado do Rio de Janeiro a garantir atendimento médico nos presídios femininos. A ação foi movida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. A saúde é um direito garantido pela Constituição Federal. No entanto, no sistema prisional do Rio de Janeiro, o desrespeito a esse direito é tão forte que nem mesmo detentas grávidas em trabalho de parto recebem assistência. Saúde é um direito universal.

São violações sistemáticas de direitos que contrariam e descumprem normas nacionais e internacionais, tais como o artigo 196 da Constituição Federal que afirma: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A ação exige:
● Respeito à Constituição Federal, às leis e normas que garantem o direito à saúde das mulheres privadas de liberdade
● O urgente enfrentamento ao racismo, ao sexismo e as discriminações de classe social institucionalizados no sistema de justiça e no sistema prisional
● A garantia do acesso à saúde para todas mulheres privadas de liberdade!

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Referências
MATTAR, L.D.; DINIZ, C.S.G. Reproductive hierarchies: motherhood and inequalities in women’s exercising of human rights. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.16, n.40, p.107-19, jan./mar. 2012.

LEAL, M.C. et al. Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2016, vol.21, n.7, pp.2061-2070.

CRIOLA. Pelo direito à saúde das mulheres encarceradas! - http://www.alyne.org.br/content/pelo-direito-saude-das-mulheres-encarceradas 

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** Doutoranda em Saúde Pública (ISC/UFBA), Blogueira, Enfermeira, Coordenadora do Programa de Saúde do Odara Instituto da Mulher Negra.

Hub das Pretas promove encontro de mulheres jovens negras em Brasília


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Sankofa é um
símbolo Adinkra em formato de pássaro de duas cabeças. Segundo a mitologia de Gana e região da África ocidental, simboliza uma volta ao passado para resignificar o presente. O pássaro tem uma cabeça voltada para o passado e outra cabeça voltada para o futuro. Uma inspiração perfeita para as atividades promovida pelo Hub das Pretas, que faz parte do projeto ‘Mulheres Jovens Negras Fortalecidas na Luta contra o Racismo e o Sexismo’. A ideia toda do projeto é justamente compreender as demandas de outrora para dialogar com o presente, como um espaço de articulação para aquilombar, ou seja, organizar mulheres negras de forma política. Sankofa!


Do Inesc
E vamos aquilombar em Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal, alem do espaço virtual, com a criação de uma rede de cyberativistas negras. Neste fim de semana, é a vez das jovens mulheres negras de Brasília, com a realização do I Encontro Popular de Mulheres Jovens Negras do Distrito Federal e Entorno, um evento autogestionado pelas jovens do Hub das Pretas. O encontro terá a participação da historiadora e professora da Universidade de Brasília (UnB) Joelma Rodrigues e da jornalista Rachel Quintiliano.

Joelma participará de uma roda de conversa sobre ‘mulherismo africana’ e Rachel fará uma oficina sobre trajetórias de vida com as participantes do Hub. Entre uma história de vida e outra, serão realizadas diversas atividades como corporeidade em diáspora, usar o movimento do corpo negro de forma política, religando com sua ancestralidade, slampoetry e lambe, massoterapia, costura e outras oficinas ministradas pelas jovens do projeto.

O evento contará com cobertura online pelo perfil do Hub das Pretas no Twitter —> acompanhe aqui!

“Queremos empretecer e afrocentrar as informações, dentro e fora das novas tecnologias, criando soluções locais e nacionais, frente à violação de direitos das mulheres jovens negras em Brasília”, explica Layla Maryzandra, educadora do Inesc e militante do Fórum de Juventude Negra do DF e Entorno – Fojune.

No Distrito Federal e entorno, o projeto é coordenado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e conta com a articulação de 15 coletivos para fortalecer práticas inovadoras de fazer política e incidir contra o racismo e o sexismo que afeta as mulheres negras.

As outras organizações que participam do projeto são Criola, Fase e Ibase, no Rio de Janeiro; Polis, Oxfam Brasil e Ação Educativa, em São Paulo; e Fase, em Recife.

A próxima etapa do projeto é de irradiação, ou seja, criação de estratégias de ação para impactar positivamente a realidade das jovens negras do DF. A longo prazo, o projeto tem como objetivo inspirar e influenciar uma nova geração de líderanças negras femininas que estão empenhadas em combater as causas e os efeitos da discriminação racial e de gênero no Brasil.

Hub, que na linguagem do campo da inovação digital quer dizer espaços/articulações/redes de produção e irradiação de informação (criações, metodologias, produtos etc), foi o formato escolhido para articular os coletivos de forma mais fluida e livre, para que as jovens do projeto possam propor temas para diálogo e pautas políticas de acordo com suas vocações e urgências, como a inclusão econômica. Assuntos como “a solidão da mulher negra” ou “apropriação cultural” também se fazem presentes, na medida em que é usada uma metodologia de educação popular com abordagem afrocentrada para trazer a perspectiva das jovens para o processo de construção.

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Em janeiro, o Hub das Pretas recebeu Silvana Bahia, mestre em Cultura e Territorialidades, comunicadora social e coordenadora do Olabi Makerspace, empresa social com foco em incentivar o uso de novas (e velhas) tecnologias para mudança social.

“A vinda da Silvana, abriu um leque de questões em relação a segurança digital, mas o que me chamou a atenção foi perceber que mulher negra e tecnologia não são palavras rivais, ela não apenas acessa a tecnologia como usuária, mas a mulher negra é agente de transformação dentro da tecnologia. É mais uma vez a gente quebrando toda forma de estereótipo ligada a nós”, afirma Layla.

Silvana aproveitou a oportunidade ainda para contar um pouco de sua experiência profissional e ativista às participantes do Hub das Pretas. Explicou como facilitou as oficinas de empoderamento feminino em novas tecnologias durante a Maratona Rodada Hacker, e falou um pouco sobre seu trabalho na coordenação do plano de comunicação do filme KBELA e sua colaboração para a plataforma Afroflix.

Direitos, cidadania e empoderamento

A violação de direitos das mulheres negras tem sido o fio que articula reflexões sobre direitos, cidadania e empoderamento. Em 2015, o Mapa da Violência revelou que, a despeito das melhorias sociais das últimas duas décadas em diversas áreas, os índices de violência contra as mulheres negras havia crescido, 54% entre 2003 (1.864 homicídios) e 2013 (2.875). Enquanto isso, no mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013.

O racismo é uma das barreiras à participação social e política: as mulheres são metade da população brasileira e sua presença no Parlamento não ultrapassa 2%. Se por um lado muitas jovens chegam à universidade por meio de políticas afirmativas, por outro há dificuldades e obstáculos para chegar ao mercado de trabalho – e o racismo tem papel significativo nisso. As mulheres negras também têm seus direitos violados na Saúde: 60% das mães mortas durante partos no SUS são mulheres negras, segundo dados do Dossiê Mulheres Negra, publicado pela Ong Criola.

“As violações de direitos são múltiplas porque o racismo é estruturante das desigualdades no Brasil. O que as jovens trazem para as rodas de conversas são histórias que infelizmente dão vida às estatísticas sobre as mulheres negras no país. Mas elas também trazem em suas falas resistência, estratégias de se colocar no mundo, uma visão política de vanguarda… e muito afeto. ”, afirma Carmela Zigoni, Assessora Política do Inesc e coordenadora do projeto em Brasília.

“Eu sou um oceano negro, vasto e irriquieto,
Indo e vindo contra as marés, eu me levanto.
Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me levanto”.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

O Negro no atual momento Político

O Brasil foi sacudido nos últimos dias por um verdadeiro tsunami político, com todos os ingredientes típicos de um filme de suspense. Espiões, gravações escandalosas, delações “premiadíssimas”, malas recheadas de dinheiro, prisões e pedidos de impeachment à mão cheia. Tudo isto, envolvendo deputados, senadores, empresários e até mesmo o presidente da república de plantão.


Por Zulu Araujo Do Revista Raça,
Diante de fatos tão graves, onde o país inteiro se escandaliza, discute, opina e se mobiliza para encontrar uma saída, chamou-me a atenção um fato corriqueiro, porém cruel, do cenário político brasileiro – a ausência quase que absoluta da comunidade negra neste campo da cidadania. É duro admitir, mas com raríssimas exceções, o fato concreto é que a presença da comunidade negra ou das suas demandas em momentos decisivos da nossa história política é nenhuma ou inexpressiva.

Tanto isto é verdade que até o presente momento nenhuma liderança, grupo ou corporação negra logrou participar, ser ouvida ou apresentar propostas relevantes, que contribuíssem para o enfrentamento desse imbróglio político, pelo qual o país está passando.

Procurei, vasculhei, indaguei e não consegui encontrar nenhuma liderança política negra que estivesse discutindo ou participando, na condição de protagonista de qualquer dos processos que estão em debate no campo da política brasileira – renúncia, impeachment, eleição indireta ou direta.

Isto é revelador, de um lado, do quanto o Brasil é excludente e concentrador quando se trata das decisões políticas estratégicas e de outro o quanto a comunidade negra está ausente e despreparada para discutir os rumos do país. E olhe que o mês de maio deveria ser ao menos um momento simbólico para a nossa luta. Dia 11 é celebrada a morte de Bob Marley, Dia 13 a Abolição da Escravatura e Dia 25 o Dia da África.

Fiz um esforço enorme para tentar preencher esta lacuna e o resultado foi desalentador. Por mais que nos esforcemos, não há, em verdade, nenhuma presença política séria da comunidade negra ou de suas lideranças, na discussão, formulação ou decisão, neste momento tão crucial do nosso país. Na verdade, somos uma força lateral e periférica, com muita retórica e pouca ação. E por isto mesmo, facilmente manipulável.

E olha que não faltam razões nem motivos para nos preocuparmos. Várias das vitórias tão duramente conquistadas no caminho da promoção da igualdade racial e social em nosso país estão em risco. Tanto no campo econômico, cultural, educacional, religioso ou político, o que temos são as forças conservadoras buscando anulá-las a qualquer custo. E com certeza, materializando-se este retrocesso que se avizinha, as primeiras e principais vítimas serão os negros.


Este retrato duro, porém verdadeiro, é revelador também do quanto precisamos avançar na compreensão da luta política, das articulações e alianças que temos que produzir permanentemente para assegurar nossas conquistas. Em que pese o trabalho incessante que parte desta comunidade tem travado, ao longo da nossa história, para serem protagonistas do seu destino, a realidade é que ainda estamos distante dessa compreensão.

Mais do que nunca, faz-se necessário a elaboração de uma agenda política mínima, que possa ser discutida e acordada entre as lideranças do movimento negro e apresentadas as forças políticas da sociedade, como parte da nossa contribuição para que as liberdades e as conquistas democráticas, sejam não só consolidadas, como ampliadas.

Fonte: Geledes

A RECEITA DE LIMA



Por Edson Lopes Cardoso,
Quais as repercussões do noticiário sobre corrupção de políticos e de empresários entre os negros? Saber que o Setor de Propinas da Odebrecht movimentou, em menos de dez anos, R$10, 6 bilhões, quantia superior ao PIB de muitos países, muda exatamente o quê na percepção das relações de dominação?

Estamos, ao que parece, mesmo considerando o nevoeiro ideológico que envolve o noticiário, mais ou menos conscientes de que essas cifras parciais são espoliações do fundo público. Nosso fardo, aquele depositado pelo racismo em nossos ombros, ficou mais leve? O que vamos reconsiderar? O que devemos, de posse dessas informações, invalidar?

Sabendo que nossa pobreza não é fruto do destino, nem da escravidão, tampouco decorre da cor da pele, vamos agora interpelar os empresários e banqueiros que se apropriam, com a cumplicidade de políticos de todas as legendas, do dinheiro que deveria financiar políticas públicas em nosso benefício?

O real é efetivamente real agora? E podemos seguir adiante sem responsabilizar essa cambada pelo processo extremamente árduo e doloroso que marginaliza mulheres e homens negros e dizima nossa juventude?

Essa clara oposição de interesses poderia contribuir para ampliar a consciência política dos negros? De modo inquestionável, o que resta à maioria é desemprego, degradação, violência. As calçadas e as valas estão cada vez mais cheias de corpos negros.

Os mais favorecidos, os mais ricos, como se justificam? Como continuarão a justificar seus privilégios e o controle privado da administração pública? O noticiário sobre corrupção deixa margem de manobra suficiente, para que os dominadores possam assegurar a continuidade da extorsão e da pilhagem. Quem duvida disso?

A exposição, pelos meios de comunicação e pela fala pomposa do judiciário, das entranhas de alguns processos de dominação é sempre matizada e muito esperta. O pano de fundo são, além da prisão de Lula, as reformas ( previdenciária, trabalhista, etc), que devem ser aprovadas pelos mesmos políticos desmoralizados. O cachorro chamado Vereador, lembram de Nicéia Pitta?

No jogo político institucional, ouvimos a súplica da ministra Luislinda Valois: “Sua benção, meu padrinho”. Parece que é tudo que temos ali. Você pertence a um grupo social considerado descartável desde o fim do escravismo e se vê, de repente, personagem, ainda que secundário, de uma cerimônia no Palácio do Planalto. Eu penso que ela estava muito propícia a aceitar o óbvio: quem não tem padrinho, morre pagão.

Posso apenas dizer que isso, o que entendemos como expressão da dominação, é aceito por muita gente nossa. Se você não se dispõe a construir, coletiva e politicamente, seu futuro, e não contempla mesmo essa possibilidade, a ideia do padrinho ganha espaço e conquista muitas cabeças.

Confrontamo-nos, em muitos contextos, com esse dilema: tomamos a benção ao padrinho nosso protetor, porque não acreditamos em nós e na política, ou, como disse Lima Barreto, no final de “Clara dos Anjos”, seu último romance, unimo-nos a nossos iguais e vamos enfrentar todos os que se opõem a nossa elevação social.

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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo

Fonte: Bradonegro

O racismo dos seguranças de uma escola em Brasília, por Hony Riquison

Foto: Tiago Zenero/PNUD Brasil

Era uma festa beneficente de uma escola dita progressista, que fica no Plano Piloto – a região central de Brasília.


A música estava ótima, eu dançava Criolo…

Até seis seguranças chegarem de forma agressiva, sem pedir licença nem dizer o que estava acontecendo, e ostensivamente mandarem que eu me calasse quando questionei o motivo da abordagem brusca.

Dois deles me revistaram. Encontraram em minha pochete dois celulares. Digitei a senha no meu e minha amiga no dela.

Tentamos dizer que esse era o pior método e que estávamos assustados. A única resposta era a ordem ríspida de que permanecêssemos em silêncio.

Ao fim da inspeção, como muitas pessoas observaram o acontecimento, um dos seguranças tentou se redimir com a seguinte frase: “Desculpe, senhor, mas você tem as características do bandido”.

Tentei dançar e esquecer, falando internamente que aquele procedimento era habitual e que não passava de um mal-entendido. Mas não funcionou. Fomos embora constrangidos e humilhados. Não havia mais diversão possível.

Buscar quem cometeu os furtos pela aparência é racismo. É absurdo. Uma demonstração escancarada de que mesmo aquele ambiente, dito alternativo, não é para todxs.

O que aconteceu no espaço da Escola Vivendo e Aprendendo não pode ser tratado como normal. Os seguranças contratados pela escola para a festa nos diferenciaram do público branco predominante e colocaram o negro “no seu lugar”.

Em meu Facebook a escola pediu desculpas, disse que debate racismo manifestou intenção de um encontro – que ainda não foi marcado, porque informaram que me contatariam “no chat”, o que até agora não ocorreu – “para entender o caso e tomar as providências necessárias”. Aguardo.

Ontem registrei a ocorrência do crime na DECRIN – Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência, e espero que seja devidamente investigado. A impunidade só estimula que o racismo siga ocorrendo. Também tomarei outras providências judiciais. É isso que todas as vítimas de racismo devem fazer.

O mundo que queremos mudar não é formado por uma única classe, cor e por moradores do Plano Piloto.

Fonte: Geledes

Mãe Beata de Iemanjá, ialorixá, escritora e militante social, morre aos 86 anos


No Extra,
Morreu neste ultimo sábado a ialorixá, escritora e militante de Direitos Humanos Beatriz Moreira da Costa, a Mãe Beata de Iemanjá, aos 86 anos. A família não divulgou a causa da morte. No próximo dia 7, Mãe Beata iria receber a Medalha Tiradentes da Alerj, através de um projeto do deputado Marcelo Freixo (PSOL). O parlamentar disse que a cerimônia de entregada medalha vai ser mantida.

— Ela é um símbolo muito forte para a história da cidade, enquanto mulher e liderança religiosa. A gente quer aquilo que ela representou: o encontro da diferença, da superação. Que suas lições fiquem para um Rio melhor — assinalou Freixo.

Nascida em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, a sacerdotisa chegou ao Rio de Janeiro em 1969 e escolheu a cidade para viver e criar os quatro filhos. Além do terreiro de candomblé Ilê Omi Oju Arô, fundado há 32 anos no bairro Miguel Couto, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a ialorixá era militante social. Desenvolveu e participou de atividades de combate à intolerância religiosa, à discriminação racial e de gênero, à violência contra a mulher, de prevenção das DSTs/HIV/Aids e câncer de mama, e de defesa do meio ambiente.

Seu terreiro foi Ponto de Cultura com oficinas de dança, música, artes e geração de renda. Lá, a sacerdotisa tinha planos de construir uma biblioteca. Mãe Beata também era presidente da Ong Criola (organização de mulheres negras que atua contra o racismo e o sexismo) e integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – CEDIM e conselheira do Projeto Ató Ire – Saúde dos Terreiros e também da Ong Viva Rio.

Escreveu os livros “Caroço de dendê: a sabedoria dos terreiros”, “Histórias que minha avó contava”, “Tradição e Religiosidade”, “O Livro da Saúde das Mulheres Negras”. O sepultamento será às 16h45 deste sábado no Cemitério de Nova Iguaçu.

Foto: Facebook

Mãe Beata de Iemanjá, Foto: Roberto Moreyra/ Agência O Globo, 03/05/2017