Em 21 de março de 1988, discurso do presidente Sarney abria oficialmente as comemorações do Centenário da Abolição. Creio mesmo que tenha sido a primeira alusão histórica, no palácio do Planalto, “à militância dos movimentos negros”.
Na Câmara dos Deputados, desde 1984, Abdias do Nascimento já havia sido porta-voz da reação à comissão de “figuras notáveis”, articuladas pelo ministro da Justiça, Abi-Ackel, e presidida por Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança.
Abdias, preocupado com a ausência de negros e a presença de notáveis meramente decorativos, indagava da tribuna da Câmara: “a Comissão vai comemorar a libertação dos escravos, ou comemorar a instituição escravocrata?”
Na Câmara dos Deputados, desde 1984, Abdias do Nascimento já havia sido porta-voz da reação à comissão de “figuras notáveis”, articuladas pelo ministro da Justiça, Abi-Ackel, e presidida por Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança.
Abdias, preocupado com a ausência de negros e a presença de notáveis meramente decorativos, indagava da tribuna da Câmara: “a Comissão vai comemorar a libertação dos escravos, ou comemorar a instituição escravocrata?”
A coisa começou mal e depois desandou de vez. O discurso de Sarney, com apelos ao congraçamento, à unidade e à integração, recheado de afirmações bem eloquentes sobre “nossa democracia racial”, mordia e assoprava, acautelando-se diante da onda de protestos que se avolumava:
“Não cabe ao Estado brasileiro conduzir as comemorações do Centenário da Abolição da Escravatura como se detivesse ele a chave de interpretação da nossa história.”
O Estado, lembrava Sarney, é o dono da chave do cofre e vai apoiar as iniciativas da sociedade e da militância: “E por isso estou abrindo um crédito especial para as comemorações”.
Sarney acenou com algum dinheiro e “espaço institucional”, anunciou a criação de uma Fundação, “que se chamará de Fundação Palmares” ( ardilosamente encostaram por um breve momento a princesa Isabel) e vaticinou que essa fundação apoiaria “as inteligências, as lideranças e as consciências que se formarem na raça negra no Brasil para que, dentro de poucos anos, nós tenhamos formado no país um contingente (...) que possa atuar em todos os setores (...).”
“Não cabe ao Estado brasileiro conduzir as comemorações do Centenário da Abolição da Escravatura como se detivesse ele a chave de interpretação da nossa história.”
O Estado, lembrava Sarney, é o dono da chave do cofre e vai apoiar as iniciativas da sociedade e da militância: “E por isso estou abrindo um crédito especial para as comemorações”.
Sarney acenou com algum dinheiro e “espaço institucional”, anunciou a criação de uma Fundação, “que se chamará de Fundação Palmares” ( ardilosamente encostaram por um breve momento a princesa Isabel) e vaticinou que essa fundação apoiaria “as inteligências, as lideranças e as consciências que se formarem na raça negra no Brasil para que, dentro de poucos anos, nós tenhamos formado no país um contingente (...) que possa atuar em todos os setores (...).”
Agora que o jogo acabou, decorridos trinta anos, ninguém nem sabe o nome do atual presidente da Fundação Palmares, nem imagina que ele tenha atuação relevante em “algum setor” da vida nacional. Em 1988, Sarney propunha um pacto, diante das evidências nacionais do protesto negro. Toma lá, dá cá.
“É assim que desejamos que a abolição seja comemorada. Com uma prestação de contas na ordem da comunhão humana. E com um avanço a mais na ordem das altas decisões históricas. Fraternalmente. Como deve ser. Lado a lado. De mãos dadas, com os olhos no futuro.”
As forças que propunham o pacto sem nenhum futuro tinham tido o cuidado de neutralizar a proposta de Abdias que, desde 1983, queria instalar uma Comissão do Negro na Câmara dos Deputados. Abdias não pensava apenas nos cinco primeiros meses de 1988, mas mirava “a década do centenário da abolição da escravatura”, outra coisa bem diferente. A Comissão do Ministério da Justiça, de 1984, visava confrontar essa iniciativa.
A Comissão do Negro defendida por Abdias queria meter o bedelho em “todos os assuntos relacionados ao negro” e se propunha a “receber e investigar denúncias de atentados aos direitos humanos e civis dos brasileiros de ascendência africana” e “propor medidas legislativas atinentes ao resgate da história, respeito à identidade étnica e cultural, interesses da educação, treinamento profissional, emprego, segurança, moradia e saúde das populações negras no Brasil”.
A proposta de Comissão do Negro vai estacionar e morrer na Mesa da Câmara. Os fiadores do pacto explícito apresentado por Sarney foram o ministro da Cultura, Celso Furtado, e Carlos Moura, “um dos líderes mais dinâmicos da comunidade negra” (sic), ambos citados no discurso presidencial.
Na retaguarda de Sarney estava o general que chefiava o Centro de Comunicação Social do Exército, o qual vinha alertando para graves sinais de perturbações da lei e da ordem, em especial uma muito temida “releitura da história”, agitada por baderneiros e baderneiras de um Movimento Negro que não faltaria, por dinheiro nenhum, a seus compromissos e recusaria todas as restrições impostas de fora.
“É assim que desejamos que a abolição seja comemorada. Com uma prestação de contas na ordem da comunhão humana. E com um avanço a mais na ordem das altas decisões históricas. Fraternalmente. Como deve ser. Lado a lado. De mãos dadas, com os olhos no futuro.”
As forças que propunham o pacto sem nenhum futuro tinham tido o cuidado de neutralizar a proposta de Abdias que, desde 1983, queria instalar uma Comissão do Negro na Câmara dos Deputados. Abdias não pensava apenas nos cinco primeiros meses de 1988, mas mirava “a década do centenário da abolição da escravatura”, outra coisa bem diferente. A Comissão do Ministério da Justiça, de 1984, visava confrontar essa iniciativa.
A Comissão do Negro defendida por Abdias queria meter o bedelho em “todos os assuntos relacionados ao negro” e se propunha a “receber e investigar denúncias de atentados aos direitos humanos e civis dos brasileiros de ascendência africana” e “propor medidas legislativas atinentes ao resgate da história, respeito à identidade étnica e cultural, interesses da educação, treinamento profissional, emprego, segurança, moradia e saúde das populações negras no Brasil”.
A proposta de Comissão do Negro vai estacionar e morrer na Mesa da Câmara. Os fiadores do pacto explícito apresentado por Sarney foram o ministro da Cultura, Celso Furtado, e Carlos Moura, “um dos líderes mais dinâmicos da comunidade negra” (sic), ambos citados no discurso presidencial.
Na retaguarda de Sarney estava o general que chefiava o Centro de Comunicação Social do Exército, o qual vinha alertando para graves sinais de perturbações da lei e da ordem, em especial uma muito temida “releitura da história”, agitada por baderneiros e baderneiras de um Movimento Negro que não faltaria, por dinheiro nenhum, a seus compromissos e recusaria todas as restrições impostas de fora.
Foi um momento inesquecível, vocês nem queiram saber.
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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo
Fonte: bradonegro
Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo
Fonte: bradonegro
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