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quarta-feira, 31 de julho de 2019

Está na hora de o Brasil cair na realidade

Ocupado com ofensas, mentiras e absurdos, o presidente ignora a mudança climática. Uma das desvantagens do sistema presidencialista é uma só pessoa poder definir a agenda de todo um país. E se ela é um psicopata?

Por Philipp Lichterbeck , na DW
Ultimamente tenho um certo receio de olhar as notícias. Quase diariamente se ouve mais uma crueldade, um comentário infantil, uma mentira ou uma ameaça do presidente Jair Bolsonaro ou de um de seus ministros. É desesperador, é frustrante, é de sentir vergonha alheia. É também de dar medo.

O trágico é que estamos vivendo um momento-chave da história. Se a humanidade não agir depressa e coletivamente, dentro de não muito tempo viveremos uma reviravolta inimaginável. O mundo como existe hoje se transformará dramaticamente.

Quem diz isso não são teóricos da conspiração, mas sim instituições científicas de todo o mundo. É consenso entre os especialistas: a mudança climática global está chegando! A questão é só com que força vai se abater. Ela é a maior ameaça a nossa segurança. A situação é de emergência.

É claro que a mudança climática também atingirá o Brasil. No entanto, a maioria dos brasileiros age como se vivesse em outro planeta. Os especialistas dizem que as condições meteóricas extremas vão se agravar no Brasil. Ficará mais quente e mais seco, vai haver mais secas e carência d’água. Também as tempestades fortes e chuvas apocalípticas aumentarão; graves inundações serão cada vez mais frequentes. Tudo isso já se faz sentir, de forma incipiente.

Nas democracias ocidentais, o consenso é que se atingiu um ponto crítico, e seria necessário agir de forma rápida e decidida. Consenso, com duas grandes exceções: os Estados Unidos e o Brasil. Lá, quem governa é a vulgar nova direita, que declarou a mudança climática uma invenção da esquerda.

De que o presidente do Brasil se ocupou nas últimas duas semanas? Uma seleção aleatória:

– Ele elogia o trabalho infantil.

– Ele nega a fome no Brasil.

– Ele ofende o Nordeste.

– Ele não conhece os dados das repartições governamentais sobre o desmatamento da Amazônia. Quando é informado sobre eles, diz que são falsos.

– Ele quer tornar seu filho embaixador nos Estados Unidos, “porque pretendo beneficiar filho meu, sim”.

– Ele distribui “abraços héteros”.

– Ele divulga o Instagram da esposa para ter “alguma recompensa hoje em casa”.

– Ele ameaça o jornalista de renome mundial Glenn Greenwald de “pegar cana no Brasil”.

– Ele tacha de “idiotas” as perguntas sobre o uso de verbas públicas no casamento de seu filho.

– Ele anuncia que quer explorar as terras indígenas protegidas pela Constituição.

– Ele ataca da pior maneira possível o presidente da OAB e sua família.

– Ele corta os cabelos ao vivo.

Com seu sadismo, sua infantilidade, sua fanfarronice, sua preguiça intelectual e suas mentiras, Bolsonaro domina o discurso no dia a dia do Brasil. Uma das muitas desvantagens dos sistemas presidencialistas do continente americano é uma só pessoa poder definir a agenda de todo um país. Pois: e se essa pessoa não bater muito bem da bola?

O ser humano é um animal altruísta, que deve seu sucesso no planeta, acima de tudo, à cooperação. Provavelmente, todos os leitores concordam com essa frase. Portanto, a grande questão é: por que somos cada vez mais governados por psicopatas?

Uma sociedade é sempre bem-sucedida quando reconhece desafios, procura soluções e as implementa – essa sempre é uma enorme chance de progresso e crescimento. A mudança climática é um desses desafios, ela exige que raciocinemos diferente. Faz parte da tragédia de nossa época as duas maiores e mais populosas nações das Américas serem governadas por homens condicionados pelo velho raciocínio, respectivamente, raciocínio nenhum. Eles vivem em mundos paralelos, onde a mudança climática não acontece.

Em sua obra Colapso, o biólogo e evolucionista americano Jared Diamond enumera alguns fatores importantes que contribuíram para o ocaso de sociedades, na história. Entre eles: ignorância diante de problemas existenciais como carência d’água ou desflorestamento; fanatismo religioso ou político; conflitos internos graves; líderes com mais interesse na manutenção de poder no curto prazo do que em mudanças de longo prazo. Soa familiar?

O Brasil é o quinto maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, atrás apenas de China, EUA, Rússia e Índia. Cerca de 75% das emissões do Brasil estão associadas a usos da terra, como agropecuária e sobretudo desmatamento. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento avança rapidamente em 2019. A devastação das florestas cresceu 54% entre janeiro e julho, em relação ao mesmo período em 2018.

O governo do Brasil não quer reconhecer isso. Jair Bolsonaro prefere chamar os dados de “mentiras”. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, diz: “Não podemos cair nessa histeria.” O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirma que a Amazônia tem “desmatamento relativo zero” e faz propaganda no Twitter para a montadora americana Chevrolet.

Na mudança climática, a questão não são as asneiras e vaidades de Jair Bolsonaro ou Donald Trump. Os interesses especiais dos seus ministros. Ou esquerda ou direita. A questão somos todos nós.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.

Imagem: Christopher Ulrich, O Tolo

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