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terça-feira, 1 de março de 2016

Preconceito, Discriminação e Intolerância no Brasil


É muito comum, no Brasil, se estabelecer confusão entre os termos racismo, discriminação e preconceito.

por Ricardo Antonio Andreucci,
O termo “racismo”, geralmente, expressa o conjunto de teorias e crenças que pregam uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente inseparável da história humana.

A “discriminação”, por sua vez, expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas.

Já o “preconceito” indica opinião ou sentimento, favorável ou desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.

Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito é que levam à discriminação, num contexto mais amplo de intolerância.

A Lei n. 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial, no art. 1º, parágrafo único, definiu alguns termos relacionados ao assunto, a saber:

“I – Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;
II – Desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
III – Desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
IV – População negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;
V – Políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; e
VI – Ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades”.

No âmbito penal, a Lei n. 7.716/89 estabeleceu punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões.

Raça pode ser definida como cada um dos grupos em que se subdividem algumas espécies animais (no caso específico da lei – o homem), cujos caracteres diferenciais se conservam através das gerações (p. ex., raça branca, amarela, negra).

Cor indica a coloração da pele em geral (branca, preta, vermelha, amarela, parda).

Etnia significa coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir. Há quem inclua fatores de natureza política no conceito de etnia (p. ex., índios, árabes, judeus etc.).

Religião é a crença ou culto praticado por um grupo social, ou ainda a manifestação de crença por meio de doutrinas e rituais próprios (p. ex., católica, protestante, espírita, muçulmana, islamita etc.).

Procedência nacional significa o lugar de origem da pessoa, a nação da qual provém, o lugar de onde procede o indivíduo (p. ex., italiano, japonês, português, árabe, argentino etc.), incluindo, a nosso ver, a procedência interna do País (p. ex., nordestino, baiano, cearense, carioca, gaúcho, mineiro, paulista etc.).

A Lei n. 1.390/51, denominada “Lei Afonso Arinos”, em homenagem ao ilustre deputado federal mineiro Afonso Arinos de Melo Franco, seu autor, teve o mérito de ser a primeira lei brasileira a criminalizar atos resultantes de preconceito de raça e cor.

Posteriormente, a referida lei sofreu sensível alteração pela Lei n. 7.437/85, que aumentou a abrangência das normas penais, prevendo, além do preconceito de raça e cor, também o preconceito de sexo e estado civil, diploma esse que ainda se encontra em pleno vigor.

Portanto, as condutas resultantes de preconceito ou discriminação por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional se encontram previstas na Lei n. 7.716/89 como crimes, enquanto as condutas resultantes de preconceito ou discriminação por sexo (masculino/feminino) e estado civil se encontram na Lei n. 7.437/85 previstas como contravenções penais.

Deve ser ressaltado que não são previstas como crime ou contravenção, no Brasil, as condutas resultantes de preconceito ou discriminação por opção ou orientação sexual. Assim, no Brasil, a homofobia não é tipificada como crime.

A Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014, por seu turno, definiu o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS.

Essa lei estabeleceu como crime, punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de AIDSs, em razão da sua condição de portador ou de doente:

I – recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;
II – negar emprego ou trabalho;
III – exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;
IV – segregar no ambiente de trabalho ou escolar;
V – divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI – recusar ou retardar atendimento de saúde.

É verdade que a intolerância racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando fronteiras temporais ou territoriais, merecendo ser destacado excerto de ensaio intitulado “Nuestra América”, de José Luiz Gómez-Martínez[1], sobre a época do descobrimento e colonização das Américas:
“No hay odio de razas, porque no hay razas. Los pensadores canijos, los pensadores de lámparas, enhebran y recalientan las razas de librería, que el viajero justo y el observador cordial buscan en vano en la justicia de la naturaleza, donde resalta, en el amor victorioso y el apetito turbulento, la identidad universal del hombre. El alma emana, igual y eterna, de los cuerpos diversos en forma y en color. Peca contra la humanidad el que fomente y propague la oposición y el odio de las razas. Pero en el amasijo de los pueblos se condensan, en la cercanía de otros pueblos diversos, caracteres peculiares y activos, de ideas y de hábitos, de ensanche y adquisición, de vanidad y de avaricia, que del estado latente de preocupaciones nacionales pudieran, en un período de desorden interno o de precipitación del carácter acumulado del país, trocarse en amenaza grave para las tierras vecinas, aisladas y débiles, que el país fuerte declara perecederas e inferiores. Pensar es servir. Ni ha de suponerse, por antipatía de aldea, una maldad ingénita y fatal al pueblo rubio del continente, porque no habla nuestro idioma, ni ve la casa como nosotros la vemos, ni se nos parece en sus lacras políticas, que son diferentes de las nuestras; ni tiene en mucho a los hombres biliosos y trigueños, ni mira caritativo, desde su eminencia aún mal segura, a los que, con menos favor de la historia, suben a tramos heroicos la vía de las repúblicas; ni se han de esconder los datos patentes del problema que puede resolverse, para la paz de los siglos, con el estudio oportuno y la unión tácita y urgente del alma continental. ¡Porque ya suena el himno unánime; la generación actual lleva a cuestas, por el camino abonado por los padres sublimes, la América trabajadora; del Bravo a Magallanes, sentado en el lomo del cóndor, regó el Gran Semí, por las naciones románticas del continente y por las islas dolorosas del mar, la semilla de la América nueva!”
Constata-se, portanto, que o racismo, a discriminação, o preconceito e a intolerância racial são fenômenos antigos e mundiais, não restritos apenas a países ou regiões do globo, apresentando implicações transnacionais e intertemporais de acentuada importância, principalmente como agentes catalisadores de inúmeros conflitos e guerras, que tanto sofrimento e desespero têm propiciado à população mundial. O Brasil, pelo menos no aspecto legal, caminha para a erradicação da discriminação e da intolerância em função da raça, da cor, da etnia, da religião, da origem, da procedência nacional, do estado civil, do sexo e condição de portador de HIV ou doente de AIDS, não obstante ainda ocorram, principalmente nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais, lamentáveis demonstrações de desrespeito à diversidade humana.

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Notas e Referências:
[1] La Revista Ilustrada de Nueva York. 10.1.1891

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