por Felipe da Silva,
Um dia após o Natal os jornais noticiaram que quatro jovens foram cruelmente agredidos por policiais militares no Rio de Janeiro na comunidade de Santo Amaro, no Catete, na madrugada do dia 25 de dezembro. Com socos e torturas das mais variadas os jovens alegam que tiveram o saco escrotal queimado com faca quente e ainda foram obrigados a praticar sexo oral uns nos outros enquanto um Policial filmava a cena. “Abordaram a gente de forma agressiva, esquentaram a faca e cortaram a gente. Queimaram o cabelo dele (jovem de 17), obrigaram dois amigos a fazerem um vídeo explícito. Gravaram rindo e xingando. Falaram que quando pegarem a gente na rua de novo vão matar. Tudo porque a gente estava sem capacete na moto. Eles alegaram que estavam com raiva por estarem de serviço no Natal”, contou o rapaz de 23 anos em matéria veiculada no portal de notícias IG: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2015-12-26/jovens-acusam-policiais-militares-de-tortura-e-abuso-sexual-na-noite-de-natal.html.
As informações indicam que os policias foram afastados, estão presos preventivamente, e as investigações estão sendo feitas. Será preciso aguardar para ver em que medida este caso é, ou não, verdadeiro e o que será feito na responsabilização dos envolvidos e na proteção e reparação às vítimas e testemunhas. Mais um capítulo de uma tragédia anunciada.
Tal episódio chama-nos a atenção menos pelas suas peculiaridades em si e mais pela sua característica estrutural e sistemática. É a repetição de fatos como este e o ensurdecedor silêncio quanto a estas violências que nos faz pensar sobre que tipo de polícia vimos formando no país. Não é a polícia sozinha que inventa estas práticas, pelo contrário, é o conjunto da sociedade que cria as condições para que esta cultura policial seja formada. Como nos ensina Hannah Arendt, mais do que debater culpa trata-se de refletir sobre responsabilidade, pessoal e coletiva, e sobre as suas consequências políticas.
As polícias brasileiras têm merecido o título de polícia mais violeta do mundo. Portanto, a lacônica frase "vamos apurar o ocorrido, encontrar e punir os responsáveis" soa insuficiente, perversa e pernóstica numa sociedade em que todos e todas são responsáveis pela licença para matar que hoje é conferida às forças policiais.
O descaso chegou ao limite. Não é a polícia sozinha que está em jogo mas todo o sistema de relações sociais que cria e reproduz os imaginários de violência e mantém nas mãos da polícia o trabalho sujo de bater, torturar e matar negros.
As saídas não estão fora de nós. Em casos como o do Rio de Janeiro as perguntas que me parecem mais relevantes estão associadas às formas pelas quais fomos criando estas rasuras na noção de direito à vida e criando instituições estruturalmente violentas e discriminatórias como as forças policiais que hoje existem no País.
Mudar as perguntas é fundamental para sair do lugar e este talvez seja um bom exercício político e intelectual para o ano de 2016. Afinal, não podemos ficar por mais tempo perdidos nos labirintos de privilégios da branquitude e ignorando o fato de que no Brasil mata-se negros como se matam baratas.
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Felipe da Silva Freitas é mestre em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e membro do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia (GPCRIM UEFS)
Fonte: bradonegro
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