A escritora feminista e professora bell hooks; 1988
Por Maria Clara Araujo,
Nas primeiras páginas de “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade” da bell hooks, uma nova ótica sobre educação foi posta para mim. Possibilidades, novas visões e questionamentos necessários tomaram conta de uma caloura em Pedagogia. Afinal, eu entro na Universidade Federal de Pernambuco questionando-me: afinal, o que é educação? O que pretendemos ao “educar”? Educar quem e para o interesse de quem?
Se “para os negros, o lecionar – o educar – era fundamentalmente político, pois tinha raízes na luta antirracista” (pg. 10) na época onde a segregação existia. Em um Brasil tido “misturado” e “para/de todos”, dos 3 até os 17 anos, ano que conclui o ensino médio, não tive uma professora negra que pudesse pontuar uma visão política em sala de aula. Em sua grande maioria, meus professores eram brancos mais interessados que eu decorasse o conteúdo dado, do que, de fato, aprendesse algo. De uma forma que, perfeitamente, ficava explícito o que hooks diz entender como “a diferença entre a educação como prática da liberdade e a educação que só trabalha para reforçar a dominação” (pg. 12). Entretanto, essas mulheres sempre fizeram parte da minha construção no âmbito escolar. Elas sempre estavam ao meu redor, conversando comigo e rindo entre uma aula e outra. Afinal, eu as encontrava fora das salas de aulas, porque elas limpavam, lavavam, cozinhavam e organizavam a escola. Majoritariamente, elas estavam nos cargos terceirizados. O que não as impedia de inúmeras vezes verem algum tipo de agressão que acontecia comigo e reclamassem com os envolvidos. Elas entendiam que o papel de ensinar respeito devia ser de todos. E foram com elas, as terceirizadas da escola, que eu aprendi minha primeira lição sobre o que, de fato, é educar. Uma vez visto que todas as direções de escolas que passei, tiveram comportamento similar frente o que era não só feito em minha pele, como a cicatriz após uma porta bater em meu rosto propositalmente, como no meu peito apertado, ao ter que colocar os pés naquele ambiente sabendo do que seria submetida.
Quando chego na graduação, logo em meu primeiro período, o quadro de uma vida foi mudado: estava eu tendo aula com uma professora negra e sobre relações étnico raciais na educação. O que me levou a cursar Pedagogia, foi uma sede de começar a esmiuçar que formas nossas práticas pedagógicas estão sendo construídas, de modo que eu pudesse questionar as opressões que estavam sendo reproduzidas nelas. Essa cadeira me deu a certeza que minha escolha de curso estava certa. Dar de cara com uma bagagem teórica negra, falando sobre negros a partir de um ponto de vista que se afastava do imaginário social deturpado propagado em nossa sociedade, foi/é de extrema importância para o ato de lecionar que futuramente estarei desempenhando. Afinal, me mostrou que eu poderia trilhar um caminho diferente dos professores omissos que assistiam eu e outras crianças/adolescentes serem violentados e não só fingiam ignorar, como também não colocavam aquilo em discussão.
A construção de uma educação que nos liberte, que saiba reconhecer a necessidade de trabalharmos a diferença dentro da sala de aula, descentralizando condutas, raças e religiões da posição de “certas” e/ou “normativas”, nos fará abrir um novo horizonte para alunos que, até então, não tiveram seu senso crítico aguçados, devido uma trajetória educacional engessada. Uma educação que não é libertária continua vendo os alunos como “consumidores passivos” (pg. 26), assim ignorando a potência de se criar uma rede comunitária de aprendizado, tendo o ato de lecionar desempenhado de maneira horizontal, podendo ser efetivo quando procuramos algo para além do velho ato de “depositar” normas em nossa sala de aula e se omitir perante agressões aos que não estão dentro delas.
Visualizar que as relações de poder interferem na educação, de modo que o status quo é reproduzido em nossas práticas pedagógicas, permitirá que problematizações acerca desse lecionar sejam feitas. Se a educação como prática de liberdade não é o interesse de uma estrutura que não tem funcionado e continua penalizando grupos e/ou populações, com quem a “estrutura” se importa? Se não estamos ajudando nossos alunos a enxergar a sociedade a partir de uma ótica cultural diversa, de entender as identidades e a produção da diferença, como algo natural, o que estamos ajudando a fazer a manutenção? É pensando assim, em criarmos contextos concretos que problematizem a questão “educação e poder”, que hooks cita Chandra Mohanty, em seu ensaio “On Race and Voice: Challenges for Liberation Education”:
“A RESISTÊNCIA RESIDE NA INTERAÇÃO CONSCIENTE COM OS DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES DOMINANTES E NORMATIVOS E NA CRIAÇÃO ATIVA DE ESPAÇOS DE OPOSIÇÕES ANALÍTICOS E CULTURAIS. EVIDENTEMENTE, UMA RESISTÊNCIA ALEATÓRIA E ISOLADA NÃO É TÃO EFICAZ QUANTO AQUELA MOBILIZADA POR MEIO DA PRÁTICA POLITIZADA E SISTÊMICA DE ENSINAR E APRENDER. DESCOBRIR CONHECIMENTOS SUBJUGADOS E TOMAR POSSE DELES É UM DOS MEIOS PELOS QUAIS AS HISTÓRIAS ALTERNATIVAS PODEM SER RESGATADAS. MAS, PARA TRANSFORMAR RADICALMENTE AS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS, ESSES CONHECIMENTOS TÊM DE SER COMPREENDIDOS E DEFINIDOS PEDAGOGICAMENTE NÃO SÓ COMO QUESTÃO ACADÊMICA, MAS COMO QUESTÃO DE ESTRATÉGIA E PRÁTICA.”
A educação deve libertar.
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-Bibliografia:
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade / bell hooks; tradução de Marcelo Brandão Cipolla – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.
Futura pedagoga e afrotransfeminista. Meu nome se tornou uma alusão à minha transparência em relação aos meus sentimentos. Pisciana, sinto como se eu fosse um mar misterioso e difícil de se velejar.
Fonte: Blogueirasnegras
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