Nem a 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, nem o Festival do Rio e nem o 42º Festival de Cinema de Gramado.
O curta-metragem O Dia de Jerusa, dirigido pela baiana e negra Viviane Ferreira, e protagonizado pelas atrizes, também negras, Léa Garcia (ilustríssima) e Débora Marçal, não foi selecionado para os festivais nacionais de cinema realizados neste ano.
Por MARIANA QUEEN NWABASILI,
No entanto, o reconhecimento estrangeiro surpreende: a obra foi uma das que integrou a programação do “Short Film Corner” (mostra de curtas-metragens) da 7ª edição do Festival de Cannes, ocorrida em maio deste ano na França.
Debate na USP
Em um debate realizado neste mês na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Viviane mencionou que entre as justificativas da recusa de filme pelos festivais brasileiros estava o estranhamento – ou seria descabimento? – com o fato de o elenco ser composto totalmente por atores negros.
– O cinema que me disponho a fazer perpassa minhas observações e vivencias cotidianas, então é o cinema que eu sinto em minha pele, que reflito no brilho dos fios de meu cabelo. Mas, no Brasil, existe um cenário de total agressão às subjetividades negras. Por isso, não podemos parar de produzir nunca, e os diretores e diretoras negros vêm resistindo. O dia que abandonarmos nossas histórias, nossa estética e subjetividades, significa que o racismo venceu, diz Viviane em entrevista para este blog.
Léa Garcia no curta que o Brasil rejeitou, mas Cannes abraçou – Foto: Laura Carvalho
Elenco negro
A escolha da diretora pela representatividade exclusivamente negra na tela, bem como pelo roteiro, também tem relação com a proposta da produtora do filme. A Odun Formação e Produção trabalha com produções (cinema, teatro, dança e música) e formações (oficinas, palestras, cursos) sobre bens culturais, priorizando temas relacionados à cultura afrobrasileira.
Com 20 minutos de duração, O Dias de Jerusa se coloca como uma homenagem à tradição oral negra transmitida pelos relatos dos mais velhos. A história expõe a memória ancestral de Jerusa (Léa Garcia), uma senhora moradora de um sobrado no bairro do Bexiga em São Paulo. Ao fazer uma entrevista para uma pesquisa de opinião, concedida a Silvia (Débora Marçal), sobre o uso do sabão em pó, Jerusa passa a expor lembranças de toda uma vida.
Se no Brasil o enredo e o elenco não agradaram, no exterior o que agradou foi justamente o foco sobre uma história ocorrida com a moradora negra em meio um bairro muito habitado por negros – como tantos no Brasil, de periferias a quilombos.
Ajuda em Cannes
Mas nem tudo foi festa em Cannes. Ao jornal A Tarde, um dos poucos veículos que registrou o feito, a diretora Viviane contou que para se manter durante o festival teve a ajuda de diversas instituições e amigos.
Ela diz ainda que produtora Odun continuará a enviar o filme para outros festivais internacionais e nacionais que acontecem até março de 2015. Negociações com canais de TV também estão entre os planos.
— Fui para Cannes com a tranquilidade de que não é o holofote do glamour que me impulsiona a fazer cinema, mas consciente de que ele é essa impulsão é importante para jogarmos luz na realidade desigual que a indústria audiovisual submete cineastas negros brasileiros.
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*MARIANA QUEEN NWABASILI é repórter de Educação do R7. É formada em jornalismo pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP (Universidade de São Paulo). Colunista convidada, escreve no R7 Cultura todo quarto sábado do mês. A opinião dos colunistas convidados não reflete, necessariamente, a opinião do R7.
Fonte: R7
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