Com quatro anos pela frente até que a Rússia sedie a Copa do Mundo.
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“Nós iluminamos o futebol”, anuncia a estatal russa Gazprom em sua onipresente chamada de TV para os jogos da Liga dos Campeões na Rússia – resultado de um acordo de patrocínio caríssimo com a Uefa. A animação colorida foca em um grande estádio lotado de fãs extasiados, mas nada disso não vai acontecer.
A Uefa decretou que a Arena Khímki, nos arredores de Moscou, permaneça vazia, com o objetivo de punir o CSKA pelo comportamento racista e violência dos seus torcedores durante a derrota para o AS Roma no mês passado.
O jogo contra o Manchester City é o segundo jogo do CSKA com estádio vazio na atual temporada. O primeiro, contra o Bayern de Munique no início de outubro, foi uma experiência estranha, e o silêncio era pontuado apenas pelos jornalistas mexendo em seus teclados. Vez ou outra escutava-se ainda o protesto de torcedores do lado de fora do estádio – uma sensação um tanto fantasmagórica.
Muitos fãs do esporte na Rússia e em outros lugares do mundo estão revoltados. Por que, perguntam eles, milhares de torcedores do Clube CSKA que respeitam as leis devem ser punidos porque alguns agitavam bandeiras de extrema-direita e atacaram a polícia italiana? O clube deveria ter a oportunidade de resolver isso com sua própria torcida, não? O único problema é que o CSKA já teve chances de fazer isso – e nenhuma das iniciativas foi capaz de resolver o problema.
Essa maré de problemas começou quando seus torcedores provocaram Yaya Toure, do Manchester City FC, com gritos de “macaco” há um ano, e o clube foi forçado a fechar parte da arquibancada de seu estádio no jogo seguinte da Liga dos Campeões. Esta partida felizmente aconteceu sem incidentes, mas o mesmo não pode ser dito da viagem do clube à República Tcheca. No estádio do Viktoria Plzen, um grupo de torcedores do CSKA enfeitaram o seu setor com banners de extrema direita, em um aparente protesto à primeira decisão da Uefa, e claramente desafiaram a organização europeia: “Vocês não podem continuar castigando o nosso clube”. Porém, a Uefa não só podia, como obrigou o clube a jogar uma partida – o recente encontro desta temporada com o Bayern – em um estádio completamente vazio.
Como se não fosse o bastante, no primeiro jogo europeu do clube nesta temporada, contra o Roma, os torcedores conquistaram para o CSKA a maior punição antirracismo imposta a um clube da Liga dos Campeões: três jogos em casa em estádios vazios, e dois jogos fora de casa sem a presença de torcedores do CSKA.
A punição parece dura para a maioria dos fãs, mas, na verdade, o que mais a Uefa poderia fazer? Três ofensas em menos de um ano não são um mero acaso – essas manifestações sugerem um mal enraizado no CSKA. Também é uma ironia para o clube que até recentemente tinha um dos melhores registros na Rússia em termos de tolerância. A maioria dos seus torcedores sempre adoraram os jogadores negros do passado e do presente, como o atacante brasileiro Vagner Love ou o marfinense Seydou Doumbia.
Há problemas ainda com a própria gestão do CSKA. O clube não emitiu qualquer declaração explícita condenando a minoria de torcedores “fora do controle”; em vez disso, concentrou-se em entrar com um recurso contra a mais recente proibição da Uefa. No ano passado, os administradores responderam às acusações de gritos de “macaco” divulgando citações em nome de Doumbia, segundo as quais o jogador negava qualquer atitude racista. O único problema é que o próprio Doumbia não confirmou as declarações do gênero.
Com quatro anos pela frente até que a Rússia sedie a Copa do Mundo, os incidentes racistas são muito mais frequentes no futebol nacional do que na maioria das outras grandes ligas europeias. Às vezes, os episódios passam simplesmente impunes, mas, recentemente, a Federação Russa de Futebol começou a reprimi-los – o que é um bom começo. Infelizmente, algumas das punições propostas deixaram mensagens confusas. No mês passado, o zagueiro congolês Christopher Samba, do Dínamo Moscou, ficou tão aborrecido com os gritos de “macaco” dos torcedores do Torpedo que foi incapaz de continuar jogando. A federação definiu que o Torpedo jogasse com o estádio parcialmente vazio no mês seguinte, mas também proibiu Samba de participar de duas partidas por casa de um “gesto desagradável” direcionado aos agressores.
Isso não quer dizer que não há nenhum sinal de esperança. A longa lista de crimes e punições do CSKA despertou um movimento antirracismo entre os seus torcedores nas últimas semanas. O resultado, por enquanto, só existe on-line – um grupo no Facebook com cerca de 1.600 pessoas. Mas a iniciativa mostra-se promissora, cooperando, juntamente com o respeitado grupo Futebol Contra o Racismo na Europa, contra o que os administradores classificam como o “mal” do racismo.
Esses ativistas também destacam o que veem como padrões duplos na cobertura do racismo. Eles alegam que os incidentes na Rússia são abordados em mais detalhe na imprensa ocidental do que os acontecimentos em outros países, especialmente a Ucrânia. Embora seja importante olhar para esses fatos – alguns incidentes racistas envolvendo torcedores do clube ucraniano Dnipro Dnipropetrovsk foram quase ignorados – os fanáticos por futebol na Rússia precisam reconhecer que a realização da Copa do Mundo em 2018 coloca o país no centro das atenções como nunca antes.
Para realmente brilhar no Mundial daqui a quatro anos, a Rússia não necessita apenas de uma equipe de peso. Precisa também de torcedores qualificados.
Fonte: Gazeta Russa
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