Por Luzia de Kassia Rocha de Souza – Renade*
A presença da vingança na aplicabilidade da justiça perpassa o caráter educacional que a medida socioeducativa deve ter. As unidades de internação que abrigam os/as adolescentes não se diferem em nada daquelas destinadas aos adultos do sistema carcerário. É gritante a divergência entre o que preconizam os diversos acordos, convenções, decretos, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a prática. Verifica-se que as instalações físicas são inadequadas, pois há superlotação, as condições são insalubres e faltam espaços adequados para escolarização, lazer, profissionalização e saúde.
A precarização dos serviços se dá de forma encadeada: é insuficiente o número de varas especializadas, promotorias, defensorias especializadas e quadros técnicos; faltam conhecimentos sobre os princípios que regem toda a trajetória do/a adolescente a quem é designada a autoria de um ato infracional; além de não existir Projeto Político Pedagógico nas Unidades e nos Programas Socioeducativos. Isso resulta na descontinuidade das ações e também na baixa efetividade na apuração de responsabilidades dos agentes públicos, em casos de violação de direitos dos adolescentes. Situação que exige medidas urgentes, pois há graves denúncias de castigo, maus tratos, abuso sexual, tortura e, até mesmo, de homicídio.
Nesse sentido, a proposta de redução da idade penal, geralmente fundamentada na redução da violência e da impunidade, revela-se imediatista, isolada, simplista e presumidamente falida, porque desconsidera a complexidade do contexto histórico no qual se insere a questão. A referida proposta não possui também amparo legal, pois a afirmação da idade penal faz parte dos direitos e das garantias fundamentais de natureza individual, sendo, portanto, irrevogável.
Os defensores dessa proposta, erroneamente, costumam afirmar que o/a adolescente não é responsabilizado/a quando comete ato infracional. Eles fundamentam seus argumentos tomando a parte pelo todo, ao se referirem somente àqueles/as adolescentes que praticaram crimes bárbaros. Assim sendo, desconsideram-se o contexto histórico, os verdadeiros índices e as leis destinadas à execução das medidas socioeducativas.
Destaque-se que o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, prevêem a execução de medidas socioeducativas (SINASE, art. 1º, §
1º) com base na Constituição Federal e ECA, e em normativas internacionais das quais o Brasil é signatário. Ou seja, trata-se de uma construção coletiva, respaldada na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Cabe destacar que o SINASE define que os chamados Planos de Atendimento Socioeducativo devem ser elaborados e desenvolvidos de maneira eminentemente interdisciplinar, em rede, prevendo abordagens múltiplas junto aos/as adolescentes e suas famílias, de modo que sejam respeitadas peculiaridades e “necessidades pedagógicas” de cada um. Conforme o SINASE, tais abordagens deverão ser executadas pelos diversos setores da administração, com ênfase para aqueles responsáveis pela educação, saúde, assistência social, trabalho/profissionalização, cultura, esporte e lazer.
Contudo, no que diz respeito à construção destes de Planos, ao desenvolvimento de estratégias pautadas em educação e expansão social do sujeito, os Estados brasileiros, em contextos diferentes apresentam as mesmas dificuldades, pois refletem um país atrasado, em falência quanto à capacidade técnica e desestruturado enquanto aparelho estatal. Portanto, a articulação em torno da redução da idade penal revela uma fragilidade do Estado no que diz respeito a métodos eficazes que assegurem de fato a segurança pública.
O que foi exposto evidencia que a discussão sobre a idade penal deve dar especial atenção ao sistema penitenciário. Para isso, alguns questionamentos são relevantes, por exemplo: seu modelo de gestão garante êxito? Ele garante de fato a redução da violência? A sociedade recebe instruções claras e fundamentadas para se posicionar a respeito da possível redução da idade penal? Ou será que a redução da idade penal revela uma forma de vingança, ou seja, uma maneira de punir por meio da utilização do tempo do/a adolescente autor/a de ato infracional? Essa vingança, fundamentada na volúpia do castigo, é realmente eficaz para a construção de uma cultura de paz?
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Luzia de Kassia Rocha de Souza – Assistente Social do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA Glória de Ivone, Palmas – TO e membro da Renade – Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei.
Email: formacao@renade.org
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Fonte: negrobelchior
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