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quarta-feira, 10 de junho de 2015

O racismo não tem nada de belo


Se você ainda acredita que somos todos iguais em tudo e que o que importa é o sangue vermelho que corre abaixo de todas as pele, é bem provável que você esteja confortável no seu lugar de privilégio ou que você (negrx) esteja adoecido com as dores do racismo ao ponto de acreditar que não falar dele é a solução.

Eu publiquei uma foto no Facebook e fui vítima de uma série de ataques racistas. Muitos pensaram que tudo era resposta a alguma atitude minha ou que tinham alguma motivação pessoal. Não era. Mesmo se tudo isso se confirmasse não tem a menor importância. É racismo! Puro! Cruel! Escancarado!

Desde o dia 1º de maio de 2015, tenho recebido diversas manifestações de apoio por meio das mídias sociais, telefonemas e conversas informais. O volume de mensagens e comentários positivos se tornou imensurável. O respeito e o carinho das pessoas me fizeram mais forte nessa jornada.

O padrão da maioria dos textos era “Mas ela é linda”, “Como puderam fazer isso com uma moça bonita dessas?” ou “É inveja. Ela é linda”. Com o passar dos dias, os comentários acerca do racismo foram se transformando em um debate sobre ser ou não ser linda. Embora exista uma boa intenção e afeto da maioria das pessoas, essas palavras me deixaram especialmente inquieta e suscitaram questões dentro de mim.

A primeira questão foi perceber a perplexidade de algumas pessoas nos comentários de “mas ela é linda!”. Como se ser preta e linda fosse algo extraordinário e incomum. Uma contradição perturbadora. Um contrassenso até. Gente, não é verdade!

E aí me veio outro pensamento: E se eu não fosse “linda”? E se eu fosse uma mulher considerada feia? Neste caso tudo bem sofrer racismo? É como se ser feia significasse abrir um precedente para a opressão racista ou até mesmo merecer passar por este tipo de violência. Obviamente, isso é um absurdo! Ser entendida por alguns como uma mulher bonita, mesmo nesta sociedade com padrões eurocêntricos, não me faz imune ao racismo.

Houve aqueles que disseram que tudo era fruto de inveja. Pessoal, ao fazer um resgate breve da história é possível enumerar facilmente uma lista de violações às mulheres negras. Ser mulher negra é maravilhoso! Posso afirmar isso com a maior tranquilidade. Mas é bem improvável que alguém tenha inveja de ser uma mulher negra no Brasil. Este que é um país racista, excludente e machista que nos mata diariamente por meio da violência simbólica da não representação, da violência física, da violência psicológica, da violência sexual e tantas outras formas que não caberiam neste texto. É mais inacreditável ainda que a expressão dessa inveja seja reafirmar o conceito de que a mulher negra tem menor valor que qualquer outra pessoa e que assim a violência se faz justificada. Pera lá!

A repercussão dessa violência racial contra mim, uma mulher preta, escancarou a perversidade do pensamento racista ainda presente na sociedade brasileira. Diante da dimensão extrema dos termos descritos ali, houve quem acreditasse que minha conta era falsa, que tudo era parte uma estratégia de marketing de uma nova celebridade ou que os próprios racistas criaram o perfil para expressar ali suas práticas cruéis.

Pior que tudo isso, há quem ainda acredite que o saldo é positivo e que ser vítima de um crime na internet mudou a minha vida para melhor. Não há nem um pingo de alegria ou benesse em ser vítima de racismo. Não há proveito algum em ler e ver palavras e imagens racistas associadas à própria imagem.

Eu não cometi erro algum. Eu sou uma mulher preta e eu utilizei a minha conta pessoal no Facebook como eu tive vontade. O que escreveram – e ainda escrevem – na minha foto no Facebook reflete a ideologia racista acerca do corpo negro feminino e desconstrói o mito da democracia racial que persiste em deslegitimar a nossa luta.

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Cristiane Damacena tem 25 anos. É mulher, negra, favelada e guerreira.

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