Por NOSSO COLETIVO NEGRO,
Com bastante angústia recebemos as notícias de dois homens negros presos nús em barras de ferro no Rio de Janeiro. O caso mais repercutido foi o do adolescente de 15 anos, em situação de rua, que ao supostamente ser pego roubando no bairro do Flamengo (área nobre da cidade), foi espancado, despido e acorrentado pelo pescoço a um poste em praça pública enquanto aguardava chegada da polícia ao local. O segundo caso aconteceu em 2010, no também nobre bairro de Botafogo, mas apenas veio à tona essa semana pela discussão que o primeiro caso gerou.
Sabemos que, como estes, muitos casos de tortura e morte envolvem vítimas negras, jovens, vulnerabilizadas socialmente pelo racismo que as nega desde cedo o acesso aos seus direitos e garantidas fundamentais.
Infelizmente, a morte, violência e desaparecimento de pessoas negras têm sido notícias recorrentes. Somos, de fato, um país que promove um genocídio de sua juventude de cor escura, cabelos crespos, lábios e narizes não afilados.
Esses crimes cotidianos não contam apenas com a negligência das autoridades que não investigam tais crimes – e que muitas vezes são os autores diretos, como nos casos de violência policial – mas também, contam com a anuência da grande mídia. Esta, por sua vez, quando não omite tais crimes, os repercute com elevado teor sensacionalista e irresponsável, enquadrando as vítimas como suspeitas ou criminosas e, conseqüentemente, merecedoras da violência que sofreram.
Somos um país que sentencia os suspeitos pretos e pobres à execução sumária e instantânea. A mera desconfiança de ato criminoso, sem necessidade de comprovação ou direito à ampla defesa, é suficiente para que policiais e populares julguem, sentenciem e executem as penas que melhor lhes convir para aquela situação. Certos da impunidade e da irrelevância material e simbólica desses corpos pretos, os atuais “justiceiros” aumentam as estatísticas de desaparecimentos e assassinatos de pessoas negras no país.
Entendemos que a cultura de violência não é apenas disseminada nas periferias, mas principalmente alardeada pelas elites formadoras de opinião para os demais setores da sociedade que, amedrontada, demanda proteção contra os ditos suspeitos – homem, jovem, negro, pobre, morador de periferia. Em nome disso, a proteção do “cidadão de bem” legitima todo e qualquer tipo de violência contra os suspeitos que, com sorte, chegam a julgamento no sistema de justiça.
Sem dúvida, esses dois pelourinhos públicos noticiados essa semana – embora tenhamos certeza que são muito mais – representam toda a humilhação e desumanização a que um jovem negro pode ser sumariamente submetido no Brasil, tolhendo-nos o direito à cidadania e à justiça.
Reiteramos que mesmo que tais jovens tenham infringido a lei, as leis brasileiras proíbem todo e qualquer tipo de tortura (Lei nº 9455/97). Da mesma forma, não existe pena de morte no Brasil e ninguém, seja cidadão ou agente policial, tem direito de julgar e sentenciar qualquer crime, devendo o suspeito ser encaminhado para o sistema de justiça para as devidas providências legais, com respeito ao seu direito de ampla defesa e julgamento justo.
Tais crimes praticados contra esses jovens são um soco no estômago das comunidades negras e periféricas, das mães que diariamente esperam que seus filhos voltem para casa, das que já os perderam para a violência urbana e das comunidades pobres que são constantemente marcadas e estigmatizadas por mais uma perda em seu seio. São violências simbólicas e coletivas imensuráveis.
Assim, nessa nota:
- Exigimos a investigação de tais crimes, a coibição da ação de “justiceiros” das ruas do país e a punição dos culpados;
- Exigimos a punição e retratação das emissoras de televisão (SBT, Record e Bandeirantes) que tem exibido apologia à violência em sua programação e apoio a ações como essa;
- Exigimos medidas efetivas de acesso à justiça nas esferas Estaduais e Federal;
- Exigimos a aprovação do Projeto de Lei n° 4471/2012, que tramita na Câmara dos Deputados e visa obrigar a investigação criminal das mortes registradas por Auto de Resistência, medida sabidamente usada para encobrir execuções feitas por policiais criminosos no mau cumprimento de suas funções;
- Exigimos que o tema "Políticas para população em situação de rua" entre definitivamente na agenda política do Governo, implementando não apenas políticas públicas, mas também promovendo ações educativas permanentes dirigidas a sociedade em geral, com vistas a romper o preconceito e os estigmas sociais.
- Exigimos a implementação do Decreto nº 7053/2009, que institui Política Nacional para a População em Situação de Rua. Ressaltamos aqui a necessidade de maior atenção às pessoas em situação de rua através de políticas públicas que ampliem e reorganizem a estrutura de funcionamentos das instituições de albergamento, além da garantia das ações para de inclusão socioeconômica dessa população.
Nos recusamos a aceitar essa pena de morte paralela e criminosa que sentencia os corpos negros no país! Não nos calaremos diante do racismo e do desrespeito aos direitos humanos do povo preto e pobre!
Nenhum comentário:
Postar um comentário