Foto: Ivara Esege
Escritora aclamada pela crítica internacional, a nigeriana pertence ao mundo cult, mas virou hit na internet depois de ter palestra ‘sampleada’ pela cantora Beyoncé.
Até poucos meses, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie era conhecida apenas por um público muito específico da literatura. Apesar de ter ganhado o Orange Prize por seu segundo romance, Meio Sol Amarelo, e colaborar periodicamente para a revista The New Yorker, a africana conquistou popularidade mundial depois de ter um trecho de sua palestra Todas deveríamos ser feministas “sampleado’’ por Beyoncé, em seu último disco. Entretanto, quando indagada sobre a cantora, ela se nega a comentar. Mas o fato é que, hoje, o cenário é outro para Chimamanda – bem diferente de 2008, quando teve passagem discreta pela Flip, em Paraty. Depois do ‘impulso’ da cantora pop, seu último livro, Americanah – a ser publicado no Brasil, no segundo semestre, pela Cia das Letras – saltou da posição 861 para 179 nas vendas na Amazon.
Radicada nos EUA, a escritora é militante contra o preconceito. O tema, inclusive, foi o fio condutor de uma outra conferência, ministrada por ela em 2009, intitulada O perigo da história única. O vídeo, que se espalhou pela rede, ganhou espaço nos debates online sobre estereótipos e visões restritas sobre a África: “Quis falar sobre como é importante não pensar que sabemos tudo sobre um lugar ou sobre alguém, quando, na realidade, apenas sabemos um pouco”. Outro tema pelo qual Chimamanda ganhou fãs – não por meio da literatura, mas pela internet – foi o feminismo.
Quando o assunto é diferença de gênero, a escritora repete, alto e bom som, alguns dos conceitos ditos na palestra que conquistou Beyoncé: “A mensagem da mídia, hoje, é ‘como manter um homem’, ‘como encontrar um homem’. Mesmo que você seja uma superprofissional ou tenha uma empresa, não está totalmente satisfeita de verdade até encontrar um homem. Essa é a mensagem. Com os homens é diferente”, afirma, defendendo um tipo de feminismo moderno: “Muitas vezes, quando falamos sobre ser feminista, as pessoas atribuem estereótipos muito negativos a essa palavra. Confundem feminismo com mulheres que odeiam os homens e acham que todas as relações entre homens e mulheres são opressoras”, afirma.
Ela vai além e também entra em questões políticas. Recentemente, declarou publicamente ser contra a lei antigay da Nigéria e, em seu livro Americanah, escreve sobre a eleição de Obama em 2008: “Acho ele brilhante, um dos melhores presidentes que os EUA já tiveram. Entrou no cargo com enorme quantidade de expectativas, que não eram realistas. Então, as pessoas que se dizem decepcionadas são as que sentiram que ele era Jesus Cristo e que iria transformar água em vinho”.
A seguir, os melhores momentos da conversa.
Como soube que a Beyoncé usaria uma amostra de sua conferência em sua música? Ela entrou em contato com você?
Não quero falar sobre Beyoncé.
Em sua palestra, que a cantora incluiu no disco novo, você fala sobre a criação de mulheres de uma maneira diferente – para que sejam mais independentes. Acredita que já estamos trilhando esse caminho?
Gostaria que isso fosse verdade, mas não é. Em todas as partes do mundo as mulheres ainda são julgadas de forma diferente em diversos assuntos. São as mulheres que valorizam mais o casamento, não os homens. São as mulheres que ainda valorizam o compromisso, não os homens.
Isso é algo generalizado?
Sim. A mensagem da mídia, hoje, é: “Como manter um homem”, “Como encontrar um homem”. E mesmo que você seja uma superprofissional ou tenha uma empresa, não está totalmente satisfeita de verdade até encontrar um homem. Essa é a mensagem. Com os homens é diferente. Então, as mulheres são criadas para achar que o casamento é muito importante. Os homens não. Isso é um problema.
Eu lhe retorno a pergunta que você propôs na palestra, quando diz “por que ensinamos as meninas a quererem se casar e não os homens?”
Bem… não sei. Acho que tem um aspecto um pouco cultural e, se voltarmos na história da humanidade, é história, é cultura e também é religião. Acho que a religião tem um papel importante nesse caso. Mas também acho que podemos desfazer isso. Não estou tão interessada em perguntar por que fazemos isso, mas em perguntar como podemos mudar isso.
Então, qual é o maior desafio para as mulheres hoje?
Há muitos desafios. Na Nigéria, por exemplo, as mulheres se escondem nas sombras do poder. Mesmo as que têm um cargo alto fingem quando estão em público. Elas ainda têm de entrar no jogo de como a sociedade espera que elas sejam. Se saem com o marido, têm de ser justas com ele, têm de dizer coisas como “oh, estou tão feliz que meu marido me permite”. Esse tipo de coisa. Seria muito bom se mais mulheres sentissem que não têm de se adequar a todas as expectativas culturais.
Sheryl Sandberg, CEO do Facebook, defende que, na medida em que mulheres conquistarem posições de poder, a tendência é a forma de trabalho (horário e método) mudar. Concorda?
As normas no ambiente de trabalho como são hoje foram feitas por homens, sob pressupostos de que as mulheres ficavam em casa e tomavam conta das crianças. E agora que as regras dos gêneros estão mudando. Só acho que mais países precisam repensar como podemos estruturar os horários de trabalho.
Acredita que o termo feminismo também sofre preconceito?
Sim. Muitas vezes, quando falamos sobre ser feminista, as pessoas atribuem estereótipos negativos. Confundem feminismo com mulheres que odeiam os homens e acham que todas as relações entre homens e mulheres são opressoras. Isso não é feminismo, realmente. É um radicalismo. Entretanto, acho que está mudando. Na década de 1970, as mulheres estavam muito mais dispostas a se rotularem como feministas. Isso mudou nos anos 90 e espero que seja melhor nos próximos dez anos, que mais mulheres e homens pensem sobre essa palavra.
No seu último romance, Americanah, você aborda o tema do cabelo para as mulheres como sendo uma questão não apenas estética, mas política.
O cabelo, muitas vezes, não é apenas cabelo. Certamente, julgamos as pessoas com base na aparência. E, para as mulheres, o cabelo tem esse caráter. Veja, por exemplo, a questão da coloração. Algumas escolhem não tingir o cabelo e essa atitude é interpretada como se ela estivesse rejeitando ideais convencionais de beleza, ou talvez ela “só seja muito orgânica e goste de ioga”. Mas, para as mulheres negras, é diferente.
Como?
Nós somos as únicas mulheres no mundo que gastam muito tempo e dinheiro para fazer com que o cabelo tenha uma aparência completamente diferente da original. Isso é o resultado de muitas coisas, entre elas a colonização e o imperialismo. Mas, acima de tudo, a sensação de que você não está no centro das coisas. Então, há essas jovens africanas que crescem sem olhar uma foto sequer de pessoas que se pareçam com elas. Interiorizamos ideais de que nosso cabelo é, de alguma forma, feio.
Não acha que isso está mudando no mundo?
Quanto mais mantemos o cabelo natural, mais as pessoas leem todos os tipos de significados para isso. Já me disseram, por exemplo, que, por não colocar produtos químicos em meu cabelo, estou levantando uma bandeira. Na verdade, gosto do meu cabelo do jeito que ele é. É tão convencional a ideia de que você tem de fazer alguma coisa no seu cabelo que, quando você escolhe não fazer, isso acaba se tornando uma bandeira.
Sua conferência O perigo da história única teve mais de 5 milhões de visualizações na internet. O que você quer dizer quando fala em “história única”?
Falo sobre uma visão única. Quis falar sobre como é importante não pensar que sabemos tudo sobre um lugar ou sobre alguém, quando, na realidade, apenas sabemos um pouco.
Acredita que é possível ter uma “história única” sobre nós mesmos?
Isso é bem interessante, na verdade. Acredito que podemos ter uma visão única sobre os outros. Em geral, as pessoas têm conhecimento sobre suas próprias complexidades.
Em sua palestra, você fala sobre os estereótipos que as pessoas têm da Nigéria. Qual era a sua “história única” do Brasil, antes de visitar o País?
Ah… o futebol, não é? Eu sou nigeriana, e o futebol é quase uma religião aqui. Mesmo que você não goste, é muito provável que saiba sobre o assunto. Mas devo dizer que, na verdade, estou brincando, porque fui ao Brasil duas vezes e sei que é um país muito complexo. Acho que uma das “histórias únicas”, ou estereótipos sobre o Brasil, é a que fala sobre como a raça realmente não importa – e há essa mistura incrível de pessoas. Então, estou muito interessada em como a raça se manifesta no Brasil, porque não acredito nessa versão da história.
O Brasil tem uma semelhança com a Nigéria, que é o sincretismo religioso, tema que você trata no livro Hibisco Roxo. Chegou a sentir essas semelhanças quando visitou o País?
Sim, com certeza. Lembro-me de estar dirigindo do aeroporto do Rio de Janeiro para a Flip e pensar em como o Brasil se parece com a Nigéria. Mas as estradas no Brasil são melhores (risos).
Você já afirmou que gosta muito de escrever sobre as emoções humanas. Como desenvolve o tema quando está diante do computador?
Não tenho muita certeza sobre o quanto de minha escrita é inteiramente consciente. Mas, em geral, estou muito interessada nas pessoas. Gosto de observar e entender o que significa ser humano. Estou interessada nas emoções humanas, porque acho que elas guiam muito do que fazemos.
Em Americanah, um dos personagens acompanha as eleições de Barack Obama. Como uma nigeriana que mora nos Estados Unidos, o que acha do presidente?
Acho ele brilhante, um dos melhores presidentes que os EUA já tiveram. Ele entrou no cargo com uma enorme quantidade de expectativas, que não eram realistas. Então, as pessoas que se dizem decepcionadas são aquelas que sentiram que ele era Jesus Cristo e iria transformar água em vinho. Mas ele não é, e acho que tem feito o bastante. E também o admiro profundamente como pensador e escritor. Se você ler o primeiro livro de Obama, seu livro de memórias, A Origem dos Meus Sonhos… acho que é muito bem escrito, mas também mostra que tipo de mente e, principalmente, sua imaginação. Creio que pessoas assim deveriam estar em cargos públicos.
E quanto à primeira-dama?
Adoro a Michelle!
Quando veio ao Brasil para participar da Flip, você leu uma pequena parte de Autobiography of My Mother, da romancista Jamaica Kincaid, como seu trecho de livro favorito. Se fosse escolher agora, qual seria?
Acho que escolheria Michael Ondaatje, porque estou lendo ele novamente. E sempre amei seu trabalho. Amo seus livros. Estou cada vez mais interessada em escrever esse tipo de coisa, acho que é muito inspirador.
Nessa mesma ocasião, você justificou sua escolha dizendo que era um livro poético e sensual. É ainda esse tipo de literatura que lhe interessa?
Sou interessada em todos os tipos de literatura. Da mesma maneira que adoro ler livros poéticos e sensuais, gosto muito de uma literatura que não tenha nada disso.
Já tem alguma ideia para seu próximo livro?
Tenho, sim, mas sou muito supersticiosa. Então, não vou lhe contar.