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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lia de Itamaracá: após 'Bacurau', Rainha da Ciranda lança primeiro disco em quase dez anos


  Lia de Itamaracá, a rainha da ciranda 
Foto: Leo Martins / Agência O Globo
por Luccas Oliveira,
RIO — Em cartaz nos cinemas, “Bacurau” abre com o cortejo fúnebre de Dona Carmelita, a matriarca da fictícia cidade pernambucana que dá nome ao filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A despeito da morbidez de sua personagem, porém, Lia de Itamaracá está gritando aos quatro cantos (e através de diferentes manifestações artísticas) a vivacidade de seus 75 anos — quase 20 a menos que Carmelita.

Neste ultimo domingo, às 21h30, a mais célebre cirandeira do país finaliza uma curta temporada no Rio com uma roda de dança ao ar livre, gratuita, no Museu de Arte do Rio (MAR), que encerra a edição deste ano da Feira Literária das Periferias (Flup). Antes, ela se apresentou no Circo Voador (quinta-feira, com o Jongo da Serrinha, pela Virada Sustentável) e participou, no dia seguinte, de um bate-papo sobre o livro-reportagem “Lia de Itamaracá”, biografia lançada em julho em parceria com o jornalista conterrâneo Marcelo Henrique Andrade.

— O livro repassa toda a minha trajetória, desde os tempos de escola, na Ilha de Itamaracá. Sou a única de 18 irmãos que decidiu trabalhar com música. Desde pequena, por gostar de ouvir o povo cantar, meu sonho era ser cantora também. Agora, são mais de 60 anos dedicados à música, sem parar. Quem está no mar não enjoa — conta Lia, que nasceu Maria Madalena Correia do Nascimento, na pequena ilha da Região Metropolitana de Recife, onde sempre morou. — A praia é o lugar onde eu me inspiro. Tudo vem dali. A música vem dali, o balanço do mar me traz as melodias, as letras, a dança...

Patrimônio Vivo de Pernambuco, a artista carrega com orgulho, por onde passa, a bandeira da ciranda — ofício que lhe rendeu diversas homenagens, como os versos “Eu sou Lia da beira do mar/ Morena queimada do sal e do sol/ Da Ilha de Itamaracá”, compostos por Paulinho da Viola na canção “Eu sou Lia”. A atual turnê, “Ciranda de ritmos”, na qual passeia por diversos ritmos populares da música pernambucana, como o coco e o maracatu, rodou o Brasil por anos e chegou à Europa (“os europeus apoiam e amam a ciranda, mas quem ama mais sou eu”), até se encerrar neste mês.
 
  
Lia de Itamaracá: estrela de ‘Bacurau’, headliner de festival, atração de encerramento da Flup, Doutora Honoris Causa pela UFPE, biografada e novo disco em quase dez anos 
Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Agora, Lia se prepara para um novo capítulo. No próximo dia 8, chega às plataformas digitais “Ciranda sem fim” (Natura Musical) , quarto álbum da discografia da cirandeira e o primeiro desde “Ciranda de ritmos” (2010). O trabalho de onze faixas é produzido pelos também pernambucanos DJ Dolores e Ana Garcia, e traz não só uma brincante de ciranda mas também uma cantora que se aventura por novos ritmos, como o bolero e o brega, e faz uma fusão entre tradição e contemporaneidade. Entre os compositores, nomes atuais, como Ava Rocha, Iara Renó, Alessandra Leão e Chico César, e de tempos passados, como o cantor brega mineiro José Ribeiro.

  — Eu tive que compor uns boleros e músicas românticas para uma série de TV, e ali percebi que seria legal ter a Lia cantando essas canções. Ela tem o poder de tornar qualquer música muito verdadeira. O processo me lembrou muito o que o (produtor americano) Rick Rubin fez com o Johnny Cash no final da carreira, que dava corpo a qualquer tipo de música que cantava — comenta o DJ Dolores, que vai assinar também a direção do novo show, com estreia marcada para o dia 16 de novembro, no festival Coquetel Molotov, em Recife, onde Lia será uma das headliners.

Lia diz ter se sentido confortável ao dar voz para outros ritmos, mas avisa:
— Não vou deixar de ser cirandeira nunca! Mas cantei também outras coisas pensando em agradar o público, quero que todo mundo goste.

Disco, turnê, filme, livro... Num 2019 incansável e arretado, Lia ainda foi homenageada pelo bloco O Galo da Madrugada, em Recife, e condecorada Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). — Demorou, mas quando apareceu eu disse “manda que eu quero”! — brinca a agora doutora, sobre as honrarias. — Temos que manter viva e valorizar a ciranda, as tradições nordestinas, os mestres que temos. Eu mesma digo: se alguém quer fazer alguma coisa por mim, que faça viva, porque depois que eu morrer, não quero mais, não. Não é porque eu quero ser a rainha da cocada preta, mas quem está com o mastro da ciranda sou eu. É pesado, mas é gostoso e eu me orgulho de carregar. 
 
Fonte: oglobo

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