Orun Aiyê – Divulgação
Natalia da Luz, Por dentro da África
Salvador – Na Bahia, que pode ser considerada a nossa pequena África, devido às múltiplas referências culturais do continente africano, nasceu o filme Òrun Aiyê, que conta como orixás do candomblé (religião de matriz africana) interagem para criar a Terra. Em iorubá, Òrun significa o mundo espiritual e Aiyê, o mundo físico. Juntos, eles coexistem e são mostrados, de forma didática, em uma animação de 12 minutos já premiada.
–Precisamos identificar nossa história, legado, cultura. Quando trabalhamos com animação, estamos mexendo com o subjetivo, com a criatividade. Quando o roteiro chegou até nós, esse legado nos tocou profundamente – contou, em entrevista ao Por dentro da África, Jamile Coelho, que dirigiu a obra ao lado de Cintia Maria.
Cintia (esquerda) e Jamile (direita) – Divulgação
Os orixás representados no stop motion (animação gerada a partir de uma sequência de fotos) são Olodumaré (ser supremo que estabeleceu a existência do universo), Orunmilá (que representa o conhecimento e sabedoria), Oduduwa (na animação, ele é irmão de Oxalá), Oxalá (orixá masculino associado à criação dos homens), Nanã (orixá que rege a justiça) e Exú (orixá que representa a comunicação e as ambiguidades presentes em todo homem).
Orun Aiyê – Divulgação
A obra, que levou o troféu de melhor filme no último Festival de Cinema Baiano, é narrada por Bira, um griot, considerado porta-voz de muitas comunidades em diferentes regiões da África. Bira foi representado pelo historiador Ubitaram Castro de Araújo, falecido em 2013.
Durante a produção, as baianas descobriram mais sobre suas origens e sentiram necessidade de contar essa história para outras pessoas. A produção, que levou 455 dias para ser finalizada, assumiu também um compromisso com a acessibilidade, já que a obra está disponível em 5 idiomas, libra e língua dos sinais.
-Ainda é preciso falar de candomblé, é preciso contar a história real para que crianças e jovens possam desconstruir conceitos que, por ventura, tenham assimilado. Ainda é preciso muita luta para que haja respeito com a religião. Escolhemos defender essa luta também por meio da animação – completou a também jornalista Jamile.
Orun Aiyê – Divulgação
As realizadoras acreditam que a apresentação dos orixás de forma lúdica ajuda a combater os estereótipos em relação às religiões de matriz africana, porque a animação consegue alcançar espaços que outras formas de militância não conseguem.
–Infelizmente, a intolerância religiosa, principalmente contra as religiões de matrizes africanas, ainda é muito recorrente. Desta forma, o filme se mostra como uma ferramenta de combate ao racismo e intolerância religiosa – destacou Jamile.
Orun Aiyê – Divulgação
Cintia, que participou de todo o processo ao lado de Jamile, lembra que o tema foi escolhido num encontro de colegas de faculdade. Ela contou ao Por dentro da África que Jamile viu as esculturas de Thyago Bezzera, o roteirista, e disse que queria fazer um filme com aquelas obras. Meses depois, Thyago enviou uma proposta de história para Jamile, e assim surgiu o filme!
-Durante o nosso percurso, tivemos muitos exemplos de pessoas que mudaram suas percepções sobre as religiões de matrizes africanas. Recebemos muitas mensagens de incentivo de protestantes e quando exibimos o filme em colégios, geralmente, existe um debate intenso sobre racismo e intolerância religiosa – lembrou a diretora.
Inveja, ciúme, preconceito, igualdade de gênero e coragem são alguns dos temas tratados na animação, que usa recursos gráficos e tecnologia para incentivar a reflexão e empatia.
Orun Aiyê – Divulgação
Sucesso há quase duas décadas, o filme Kiriku fala muito sobre respeito e a vida em comunidade. A animação de Michel Ocelot, baseada em referências e aspectos culturais da África Ocidental, foi traduzida para muitas línguas e inspirou espetáculos em todo o mundo.
–Acreditamos no poder da arte como catalisadora e promotora de transformações sociais. As pessoas mais jovens estão mais suscetíveis e abertas a novos conceitos. Como disse Nelson Mandela, “se as pessoas podem aprender a odiar, também podem aprender a amar” – citou Cintia.
No filme, Carlinhos Brown interpreta Oxalá – Divulgação
O filme estreou em janeiro deste ano, mas antes disso, no ano passado, foi premiado na categoria Novos Talentos do Festival Brasil Stop Motion, maior encontro do gênero na América Latina, que recebeu centenas de produções de mais de 40 países.
-A pré-estreia foi um grande sucesso em Salvador. O filme superou todas as nossas expectativas, tanto em participação em festivais importantes como em relação ao sucesso de público para um curta. Neste momento, sabemos que tem alguns pesquisadores escrevendo livros didáticos sobre o nosso filme– ressaltou a dupla.
Parte da equipe do filme – Orun Aiyê – Divulgação
O maior desejo das diretoras é fazer o filme chegar às escolas. A lei 10.639, que determina o ensino de história afro-brasileira, é uma das formas para abrir essa porta, no sentido de exibir o filme nas escolas públicas e privadas como mais uma ferramenta de combate ao racismo e intolerância religiosa.
Para ampliar o protagonismo de novos cineastas afro-brasileiros na produção audiovisual baiana, Jamile e Cintia, que já começaram a produção do segundo filme, criaram o Núcleo Baiano de Animação em Stop Motion, que ajuda a promover o empoderamento social, geração de renda, cidadania e fortalecimento identitário de jovens negros e negras de Salvador.
-Estamos realizando oficinas de animação em stop motion em 8 terreiros e trabalhando para que “Òrun Àiyé” vire uma série e estimule essa troca entre as pessoas.
Orun Aiyê – Divulgação
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