A maioria das mulheres em situação de abortamento inseguro são jovens negras com menor renda e escolaridade e estão sozinhas. De acordo com o de Fusco, Andreoni e Silva (2008) estudo entre aquelas mulheres com aborto provocado, 51% estavam sozinhas (solteiras ou separadas) e 86,4% referiram não contar com apoio do respectivo parceiro na resolução de suas gestações.
A participação do parceiro é importante no processo de decisão das mulheres pela interrupção da gravidez, no entanto as mulheres, principalmente em relações com vínculos não estabelecidos, preferem não revelar a gravidez e o possível aborto, por acreditarem que não receberão apoio emocional e/ou financeiro deles. Muitos parceiros, por outro lado, ao saber da gravidez, sugerem o aborto ou simplesmente somem e deixam as mulheres seguirem sozinhas na decisão (KALCKMANN E PINTO, 2010).
Assim, a situação socioeconômica ou o fato de estarem sozinhas são motivações relevantes para as mulheres recorrerem ao aborto. Segundo a Pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, esses fatores foram citados por 61% das entrevistadas. A pesquisa ainda mostrou como a decisão pelo aborto recai sobre a mulher, pois 65% delas decidiram sozinhas e apenas em 8% dos casos envolveu ambos (mulheres e seus parceiros) (FARIA, 2013).
Os homens tem baixa participação na trajetória reprodutiva do casal, ficando quase sempre sobre a responsabilidade da mulher o planejamento reprodutivo, como por exemplo na escolha do método contraceptivo, sobretudo o método que não envolva a sua participação (que é o caso da camisinha masculina), pois as questões relacionadas ao planejamento reprodutivo do casal são apoiadas pelo imaginário social que é uma atribuição unicamente das mulheres.
“A compreensão dos processos históricos que em nossa sociedade transformaram a reprodução num atributo quase que exclusivamente feminino, tendo construído as representações sobre o masculino como algo que se opõe, quanto à compreensão dos fatores que nas últimas décadas tem atuado no sentido de modificar o perfil masculino tradicional” (MINELLA, 2005).
As assimetrias de gênero são evidentes ao se analisar as escolhas reprodutivas, pois muitas vezes as mulheres não se sentem donas do seu próprio corpo, assim como as decisões sobre a gravidez podem ser contrárias aos seus próprios desejos. As condições socioeconômicas, juntamente com as desigualdades de gênero, contribuem para a tomada de decisão sobre interrupção da gravidez, pois a falta de recursos financeiros interfere diretamente na própria decisão (KALCKMANN; PINTO, 2010).
O tipo de relação afetivo-sexual influencia a participação do parceiro na decisão do aborto. Quando a gravidez é fruto de uma relação sexual ocasional, um sexo casual, ou com um “ficante”, as mulheres decidem sozinhas pelo aborto, já a decisão consensual pode ser observada em relacionamentos estáveis (HEILBORN et al; 2012).
As relações raciais e o racismo também modelam a decisão pelo aborto. Um estudo realizado em dois bairros de periferia das zonas sul e leste da cidade de São Paulo, que entrevistou homens negros e brancos e mulheres negras e brancas, constatou que os homens brancos:
“Citam dificuldades sociais que relacionamentos com mulheres negras trariam às suas vidas, principalmente quanto à vida familiar, levando-os, muitas vezes, a não assumir a parceira negra, nem mesmo reconhecer um filho com elas” (KALCKMANN; PINTO, 2010).
Neste sentido, entendemos que as são mulheres negras, de baixa escolaridade e jovens que mais passam pelo processo do abortamento sozinhas, sem o auxílio ou apoio de uma amiga, familiar ou profissional da saúde, estando mais expostas ao risco de morbimortalidade materna e à violência obstétrica nos serviços de saúde.
As mulheres negras e em situação de pobreza são as que mais realizam aborto em locais com pouca ou nenhuma higiene, insalubres e sem supervisão médica e ainda utilizam métodos agressivos como sondas para provocar o aborto. O abortamento clandestino é na maioria das vezes inseguro e eleva as taxas de complicações pós-aborto expressas em internações hospitalares e a mortalidade materna por conta do aborto mal sucedido.
“Boa sorte” e uma sentença de morte
Foi o apoio recebido por Caroline de Souza Carneiro, de 28 anos antes de seguir para realização de um aborto inseguro e que teve como conseqüência a morte precoce de Caroline, ela teve sua vida ceifada pela criminalização do aborto, pela sua legalização restrita que desconsidera as mulheres sujeitas de direitos e agenciadoras de suas vidas. A vida de Carolina foi interrompida por conta da ausência do seu companheiro que a sua contribuição foi desejar “boa sorte”.
As mulheres são violadas no livre exercício dos direitos reprodutivos no campo das políticas de saúde e no campo relacional. A participação do parceiro na gravidez e no desfecho do aborto, tanto na decisão quanto na participação na procura do serviço, reduz as violações dos direitos reprodutivos das mulheres e de sua autonomia.
Referências:
- BRASIL. Pesquisa nacional de saúde 2013: Ciclos de vida. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2015.
- FUSCO, C. L. B.; ANDREONI, S.; SILVA, R. DE S. E. Epidemiologia do aborto inseguro em uma população em situação de pobreza Favela Inajar de Souza, São Paulo. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 11, n. 1, p. 78–88, mar. 2008.
- KALCKMANN, S.; PINTO, E. A. Aborto: livre escolha? BIS. Boletim do Instituto de Saúde (Impresso), v. 12, n. 2, p. 185–191, 2010.
- HERINGER, R. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, p. S57–S65, 2002.
- FARIA, N. Entre a autonomia e a criminalização: a realidade do aborto no Brasil. In: Mulheres Brasileiras e Gênero Nos Espaços Público e Privado – Uma Década de Mudanças na Op. Pública. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013.
- MINELLA, L. S. Gênero e contracepção: uma perspectiva sociológica. [s.l: s.n.].
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*Emanuelle Aduni GóesBlogueira, Enfermeira, Coordenadora do Programa de Saúde das Mulheres Negras – Odara Instituto da Mulher Negra, Doutoranda em Saúde Pública (ISC/UFBA). (emanuellegoes@gmail.com)
Fonte: Cientistas Feministas, População negra e saúde.
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