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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Socializadas para competir ou Sobre uma sociedade que não ama as mulheres negras


Por Viviana Santiago e Viviane Santiago,
O mundo não ama as mulheres negras. A sociedade não ama as mulheres negras. Os homens e não amam as mulheres negras.

Enquanto mulheres vivemos em uma sociedade que nos violenta, que nos oprime.

A cada ano milhares de mulheres negras são assassinadas em todo o mundo, 5572 mulheres foram assassinadas no Brasil de 2009 a 2011, desse total, 61% eram mulheres negras (e esse número aumenta a cada ano), são maioria também nos casos de violência doméstica. Ainda somos nós as mulheres as que lideramos os piores indicadores sociais: menor taxa de empregabilidade, menor nível de acesso à justiça, menores salários. Temos invisibilizada a nossa existência: Desde uma língua que invisibiliza a presença da mulher no mundo (reduzindo toda a espécie humana ao masculino) até a construção de uma história que promove o apagamento de nossa presença enquanto sujeitas.

É essa nossa vida de mulher negra não é nada fácil, e se torna sempre mais difícil uma vez que a nós se sobrepõe além do machismo o racismo.

Toda vez que penso em nossa vida de mulheres negras, penso que vivemos uma batalha, somos colocadas na condição de alvo, do adversário, do outro lado, o lado atacado constantemente numa guerra impiedosa e desigual;

Pensando nessa batalha eu identifico o lado que ataca: numa batalha de longa duração, o machismo e o racismo utilizam-se das estruturas e dinâmicas sociais e atacam as mulheres negras constantemente. Ao pensar o lado das mulheres negras eu me inquieto, porque apesar de perceber que somos nós as mulheres negras o lado a quem se persegue e sobre quem se decidiu o não-valor para sua existência, eu não estou muito segura se somos nós as mulheres negras, todas juntas, um só lado. E isso me faz pensar na maneira como somos socializadas

Quando as menininhas se arrumam para as festinhas, quando ganham um novo brinquedo ou um estojo de canetinhas, sempre escutam de suas famílias que todas as outras menininhas sentirão muita inveja dela.

Quando as meninas adolescentes estão se organizando para arrumar os projetos de feira de ciências , sempre ouvirão alguém perguntar se não é melhor colocar um menino no grupo, pra ele poder ajudar a resolver os problemas que possam pintar…

Quando adultas, diante dos amores partidos, sempre ouvimos que a culpa é da mulher, que não cuidou da relação ou que se intrometeu e destruiu a relação de alguém.

Ou seja desde muito cedo recebemos uma importante noção que permeará todas as nossas atitudes na vida: A noção de que mulheres são invejosas, incompetentes, trapaceiras e desleais.

Recebemos essa informação desde tão cedo, e a internalizamos tão no início de nossa vida que não nos damos conta do quanto ela se capilariza para dentro do que somos, pensamos e fazemos.

Quando chego a essa conclusão, penso então que já entendo o porquê da minha inquietação que me leva a questionar se nós as mulheres negras, somos um só lado.

Talvez ainda não sejamos de fato um lado porque muitas vezes olhamos umas para as outras mas não nos vemos como parte de um mesmo lado. Pensamos que a outra mulher negra nos ameaça e não identificamos que é a sociedade machista e racista quem de fato ameaça (e violenta, e mata…) a cada uma de nós mulheres negras.

Talvez não sejamos um lado porque muitas vezes nos acostumamos a ser a cota de presença negra na maioria dos espaços, aprendemos que não há espaço para todas nós e então boicotamos umas às outras.

A maneira como fomos socializadas por vezes nos torna incapazes de perceber que uma mulher negra num lugar de destaque representa a todas as mulheres negras, e porquê não conseguimos perceber dessa maneira, por vezes começamos a detonar a mulher negra (às vezes abertamente as vezes com estratégias sutis) com o propósito único de ocupar o seu lugar, porque não conseguimos respeitar a caminhada daquela mulher negra que ali está e nem perceber que nessa caminhada, caminham junto com ela, todas as que vieram antes dela.

Temos alguns desafios.

O primeiro desafio é aceitarmos que como diria Bell Hooks só existimos (e eu acrescentaria só resistimos) porque temos umas as outras. Partamos desse fato. A nossa sobrevivência enquanto mulheres negras depende disso.

O segundo desafio é buscar novos repertórios: Para nós, as mulheres negras, significa re-visitar as nossas vivências e as nossas noções sobre a outra mulher negra e significar tudo isso. Para com as meninas negras, significa o nosso papel ativo para a construção de novas maneiras para educá-las: ao invés de evocar a inveja porque não ensinar que outras meninas ficaram felizes com nossa felicidade. Por que não dizer às meninas que podem procurar o suporte de meninas mais velhas para ajudar a resolver seus problemas, carregar coisas pesadas? Por que não começamos a dizer a nós mesmas e umas às outras que nem sempre os amores são para sempre e que quando uma relação acaba a pessoa com quem temos algo a conversar é aquela com quem mantínhamos uma relação? (ao invés de propormos cruzadas e perseguições contra as outras envolvidas)

E por fim, acredito que nosso último e mais difícil desafio é o de podermos olhar para a outra mulher negra e percebermos que quando ela sobe um degrau, todas as mulheres negras sobem com ela. Que nós possamos deixar de lado a escrota lógica do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, que possamos desenvolver a capacidade de ficar felizes com as conquistas da mulher negra que está do nosso lado, ainda que a nossa própria conquista ainda não tenha chegado; sem inveja; fomos programadas para ativar a inveja numa situação dessa, ativemos a felicidade! Esse é o segredo: Quando formos capazes de perceber que a conquista da outra mulher negra é a conquista de todas as mulheres negras, saberemos que a nossa conquista já chegou.

Amemos umas às outras. A sociedade pode não amar as mulheres negras, o mundo pode não amar as mulheres negras. Mas se nos amarmos umas às outras, nós sobreviveremos, resistiremos e venceremos. Invertamos a lógica da nossa socialização, deixemos a competição de lado. Busquemos novos repertórios: que seja a felicidade, o cuidado e a partilha, a essência da nossa prática e postura de mulher negra no mundo.

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Viviana Santiago/Viviane Santiago

Vi e Vita são mulheres negras, irmãs, filhas, mães e netas, brasileiras, nordestinas e sobreviventes.

Imagem destacada: Blog Nicks Flick Picks

Negra, mulher, nordestina, pedagoga, mãe de João Marcos.

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