Por Luciene Rego,
A cultura afro-brasileira é muito rica e está presente em todas as áreas de nosso país. Os africanos que foram escravizados e sequestrados de seus reinos, suas culturas e seus familiares, vindo ao Brasil como migrantes nus, trouxeram consigo sua memória. Ao contrário dos europeus e asiáticos que também fizeram parte da construção do nosso país, a estes povos foi negada a possibilidade de trazer consigo suas louças, seus objetos familiares, etc. Os africanos através de suas memórias contribuíram para a formação da história e da cultura brasileira.
A história eurocêntrica negou-os o direito a fazerem parte da cultura escrita, porém suas vozes não foram caladas, foram abafadas, mas não caladas. Através dos saberes religiosos, estes povos continuaram praticando seus rituais em solo brasileiro. Isso pode se notar em manifestações como o Candomblé, a Mina, o Ifá, o Terecô, a Umbanda.
O Candomblé foi essencial para a preservação da língua Yorubá no Brasil. Através dos rituais, esses povos continuaram repassando a seus descendentes a língua, a cultura e os saberes de uma das regiões que mais contribuíram para a cultura do nosso país, a atual Nigéria.
Ao Brasil, também vieram povos de origem muçulmana, como se pode comprovar em algumas pesquisas na área de sociolinguística e linguística histórica. Estes sujeitos influenciaram nossa língua e costumes.
Na região do Maranhão os povos africanos que ali chegaram trouxeram consigo o saber Daomeano, que possibilitou na manifestação religiosa hoje conhecida como Mina. No interior desse mesmo estado, o Terecô, ou Linha da Mata, uma mistura da Mina, com a Umbanda, o Catolicismo e o Candomblé, também se desenvolveu adquirindo características da cultura local, aliada a hibridização dessas manifestações religiosas.
A Umbanda, que também nasceu no Brasil, dentro de um Centro Espírita, apresenta elementos oriundos dos povos africanos, indígenas, católicos, ciganos e espíritas.
Essas manifestações religiosas contribuíram para a preservação das comidas de origem africana. O Candomblé, por meio das comidas de santo, foi um fator determinante para a preservação da culinária africana no Brasil.
Hoje, em nosso país, podemos encontrar marcas dos povos africanos em nossa língua, dança, música, comida, religiões, vestimentas, manifestações culturais, etc.
Na literatura e na política, temos escritores e escritoras negros(as) que atuavam desde o período escravagista. Essa literatura até hoje está sendo descoberta, apesar da tentativa em se apagá-la. A primeira negra escravizada que escreveu uma petição ao imperador em 1770, reclamando dos mal tratos que sofria em uma fazenda no interior do Piauí se chamava Esperança Garcia. A carta original se encontra em Portugal e trata-se da primeira reivindicação feita por uma mulher negra no Brasil.
Tivemos vários personagens descendentes de africanos que, ao longo da história do nosso país se destacaram, como: o grande guerreiro Zumbi dos Palmares, Ganga Zumba, Aqualtune, Dandara, Luís Gama, Machado de Assis, Castro Alves, Maria Firmina dos Reis, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Lima Barreto, Carolina de Jesus, Lourdes Teodoro, Cuti, Aleijadinho, Cidinha da Silva, Conceição Evaristo, Miriam Alves, Ana Maria Gonçalves, Milton Nascimento, Pixinguinha, Elza Soares, Alcione, Margareth Menezes, Gilberto Gil, Benedita da Silva, entre outros. No estado do Piauí temos Júlio Romao, grandes nomes como: Elio Ferreira, Salgado Maranhão, Ruimar Batista, Clóvis Moura, entre outros(as).
Infelizmente, até hoje muitos dos autores e autoras de obras literárias e personagens importantes de nossa história, descendentes dos africanos, não estão sendo estudados em nossos livros didáticos nem em nossas universidades. Nesse sentido, foi necessária a criação de uma lei que garantisse o estudo da história e cultura dos povos africanos no Ensino Básico, a lei 10.639, em 2003, a qual engloba a disciplina História.
Como se percebeu que a influência dos afrodescendentes e dos povos indígenas estavam presentes em todas as áreas, então essa lei foi reformulada e a partir de 2008, como lei 11.645 passou a atuar também nas áreas de educação artística e de literatura, além da História do Brasil.
Entretanto, percebe-se que até hoje não houve um investimento na formação continuada dos professores que irão ministrar essas aulas, bem como nos livros didáticos, doravante se faz necessária a implementação de projetos e cursos que façam essa formação, a fim de capacitar os professores a trazerem para a sala de aula os saberes ora calados e/ou apagados, com um ponto de vista não eurocentrado, valorizando a cultura e a história desse povo.
O racismo é um dos resquícios da escravidão que continua imbricado em nossa sociedade. Ele se manifesta de forma implícita e explícita em nossa cultura. Está nos livros didáticos, quando estudamos a história europeia excluindo a história africana e indígena, bem como nas palavras e gestos dos professores que tratam com diferença seus/suas alunos/as negros/as e não negros/as.
Até hoje se aprende que o cabelo crespo é ruim e o cabelo branco é bom. As crianças e adolescentes negros/as recebem apelidos racistas e inferiorizantes na escola. Esses apelidos na maioria das vezes se referem a sua cor e/ou seu cabelo.
A pessoa branca ou de pele clara ainda é tida como superior ou de ‘’boa aparência’’, enquanto a pessoa negra e a pessoa indígena se veem ridicularizadas, inferiorizadas, preteridas em vagas de empregos e vítima até de racismo institucional. À maioria das(os) negras(os) brasileiros restam os empregos mais braçais, enquanto a(os) brancas(os), ou de pele mais clara, todos os demais.
Felizmente, a cada dia que passa, essa situação vem mudando devida a criação de leis que combatem o racismo e/ou preconceito e a conscientização das populações negra e indígena acerca dele.
As cotas raciais são um grande avanço na inclusão do sujeito negro nas universidades e instituições brasileiras. Esta são medidas paliativas de reparação dos danos morais e sociais sofridos pelos/as negros/as desde a colonização, escravização e exclusão na sociedade brasileira. Elas são necessárias, neste momento, pois podemos perceber que a maioria da população está ocupando os menores postos de trabalho e ainda está presente em pequena quantidade nos cargos mais importantes ou tidos como superiores.
Vale ressaltar que os Movimentos Negros e suas lutas foram o alicerce para a mudança nas leis que regem nosso país, bem como na mentalidade de nosso povo. Através desses movimentos, os negros puderam conquistar mais visibilidade na mídia e na sociedade.
Diante do exposto, conclui-se que em um país, onde a maioria da população é descendente dos povos africanos e indígenas, ainda há muito a ser feito para o reconhecimento destes povos como sujeitos de direitos iguais. A implementação dessas leis de combate ao racismo/preconceito, a inserção e o reconhecimento destes povos na história, literatura, arte e todas as áreas é apenas um começo para a mudança da mentalidade brasileira.
É necessário que façamos nossa parte, como professoras(es), capacitando-nos intelectualmente e preparando assim nossas(os) alunas(os) para um mundo onde as(os) negras(os) e povos indígenas sejam vistos como iguais aos de pele clara e /ou brancos.
Eu sou mulher, negra, piauiense e professora. Luto por um lugar melhor onde todas(os) tenham direitos e oportunidades iguais. Nós mulheres negras ainda somos as que mais sofrem violências sexuais e assassinatos. Os homens negros, principalmente os jovens, são os que mais morrem vitimas de violência policial e do tráfico. Nossa população ainda é maioria nos presídios e nas favelas. É preciso mudar isso! Vamos à luta!!!! Equidade de raça e gênero!!! É por isso que nós lutamos!!!!
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Imagem destacada: Blog Quarta dos Tambores
Graduanda em Letras Português-Francês na Universidade Federal do Piauí. Colaboradora do Projeto de Pesquisa Teseu o labirinto e seu nome. Integra o Núcleo de Pesquisa Sobre Africanidade e Afrodescendência – Ifaradá. Professora da Atividade de Extensão VALF (Vivons avec la langue Française) e SWDL (Sollen wir Deutsch Lernen), cursos de extensão desenvolvidos na Universidade Federal do Piauí.
Fonte: Blogueirasnegras
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