Por Igor Carvalho,
Somente fronteiras burocráticas separam os 43 estudantes mexicanos sequestrados pelo Estado em Ayotizinpa dos milhares de brasileiros negros e pobres assassinados diariamente pelo Estado através de suas polícias. De Cabula ao Capão, da Rocinha a Pedrinhas.
As mesmas demarcações territoriais afastam o coletivo “Madres de Plaza de Mayo” das “Mães de Maio”. Se a primeira busca os corpos e a memória dos milhares de argentinos e argentinas desaparecidos durante a ditadura militar, a segunda quer justiça pelos 493 assassinados cometidos pelo estado de São Paulo em 2006.
A ascensão econômica e social através do futebol é uma bola quicando nas quebradas de Cuzco, Cochabamba, Salta, Belém, Medellín, Maldonado, Guayaquil, Maracay e Guarambaré, sem distinções, separadas apenas por uma linha torta no mapa.
A fluidez destas demarcações geográficas se desfazem como água na música de Tiarajú Pablo. Em seu novo disco, “Latinoamerisamba”, o sociólogo e músico atravessa a Pátria Grande fazendo uma homenagem aos seus ritmos e poetas.
Em “A periferia não dormiu”, Tiarajú traz para sua música o grito dos movimentos organizados das quebradas do país e a inquietude que nunca os deixou dormir diante das injustiças sociais, apesar do “gigante” das elites que se autoproclamou acordado em 2013 e quis fazer parecer que todos estavam dormindo.
Em seu disco, Tiarajú lembra do “cume do morro, onde o negro gritou e deu início à luta do povo” [“Mirante”] e exalta a Brasilândia [“No Morro da Brasilândia”], um dos mais tradicionais bairros paulistanos, reduto importante do samba da capital paulista. Dessa forma, o cantor crava tua obra na periferia histórica, buscando a ancestralidade de seu povo, de luta e libertação através da arte.
Nascido e criado na zona leste de São Paulo, na enorme Itaquera, Tiarajú empresta a voz para cantar a Buenos Aires de teu pai em “Ciudad de lós mil rostos”, a única canção do disco não escrita pelo cantor. A cidade portenha ainda é referenciada em “Mãe menina.”
O passeio pela Pátria Grande continua. Intercalando músicas em espanhol e português, samba e trova cubana, Tiarajú vai apresentando seu passaporte criativo, que é tem livre trânsito no imaginário latino-americano do artista que já visitou diversos países do continente.
Sem pudor diante de um Brasil que ainda mira sua parabólica na arte europeia e estadunidense, o cantor enfileira referências subjetivas e diretas no palco, de Martinho da Vila e Zeca Pagodinho, passando por Mercedes Sosa, Victor Jara Pablo Milanés, Silvio Rodrigues, Ali Primeira, entre outros. Todos parecem abençoar o voo livre daquele que ousa desafiar as fronteiras geográficas, assim como um dia fizeram “Raíces de América”, “Tarancón” e “Taiguara”.
Pablo Milanés e Silvio Rodriguez, criadores da nova trova cubana, na passagem dos anos 1960 para, são alvo de uma música especial, que carrega o nome da dupla. À Cuba, Tiarajú rende outra homenagem, em “Samba da Unidade Latinoamericana”.
Que os ritmos e os sotaques deste “Latinoamerisamba” derrubem as fronteiras, se não físicas, ao menos de nosso imaginário. Que a aproximação de nossos povos, oprimidos e colonizados, seja um dia possível, e que o grito da periferia [nunca adormecida] seja de vitória pela unidade latinoamericana.
Fonte: Negrobelchior
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