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terça-feira, 11 de agosto de 2015

Disco “Latinoamerisamba”, de Tiarajú Pablo, escancara fragilidade de fronteiras latinas



Por Igor Carvalho,
Somente fronteiras burocráticas separam os 43 estudantes mexicanos sequestrados pelo Estado em Ayotizinpa dos milhares de brasileiros negros e pobres assassinados diariamente pelo Estado através de suas polícias. De Cabula ao Capão, da Rocinha a Pedrinhas.

As mesmas demarcações territoriais afastam o coletivo “Madres de Plaza de Mayo” das “Mães de Maio”. Se a primeira busca os corpos e a memória dos milhares de argentinos e argentinas desaparecidos durante a ditadura militar, a segunda quer justiça pelos 493 assassinados cometidos pelo estado de São Paulo em 2006.

A ascensão econômica e social através do futebol é uma bola quicando nas quebradas de Cuzco, Cochabamba, Salta, Belém, Medellín, Maldonado, Guayaquil, Maracay e Guarambaré, sem distinções, separadas apenas por uma linha torta no mapa.

A fluidez destas demarcações geográficas se desfazem como água na música de Tiarajú Pablo. Em seu novo disco, “Latinoamerisamba”, o sociólogo e músico atravessa a Pátria Grande fazendo uma homenagem aos seus ritmos e poetas.

Em “A periferia não dormiu”, Tiarajú traz para sua música o grito dos movimentos organizados das quebradas do país e a inquietude que nunca os deixou dormir diante das injustiças sociais, apesar do “gigante” das elites que se autoproclamou acordado em 2013 e quis fazer parecer que todos estavam dormindo.

Em seu disco, Tiarajú lembra do “cume do morro, onde o negro gritou e deu início à luta do povo” [“Mirante”] e exalta a Brasilândia [“No Morro da Brasilândia”], um dos mais tradicionais bairros paulistanos, reduto importante do samba da capital paulista. Dessa forma, o cantor crava tua obra na periferia histórica, buscando a ancestralidade de seu povo, de luta e libertação através da arte.

Nascido e criado na zona leste de São Paulo, na enorme Itaquera, Tiarajú empresta a voz para cantar a Buenos Aires de teu pai em “Ciudad de lós mil rostos”, a única canção do disco não escrita pelo cantor. A cidade portenha ainda é referenciada em “Mãe menina.”

O passeio pela Pátria Grande continua. Intercalando músicas em espanhol e português, samba e trova cubana, Tiarajú vai apresentando seu passaporte criativo, que é tem livre trânsito no imaginário latino-americano do artista que já visitou diversos países do continente.

Sem pudor diante de um Brasil que ainda mira sua parabólica na arte europeia e estadunidense, o cantor enfileira referências subjetivas e diretas no palco, de Martinho da Vila e Zeca Pagodinho, passando por Mercedes Sosa, Victor Jara Pablo Milanés, Silvio Rodrigues, Ali Primeira, entre outros. Todos parecem abençoar o voo livre daquele que ousa desafiar as fronteiras geográficas, assim como um dia fizeram “Raíces de América”, “Tarancón” e “Taiguara”.

Pablo Milanés e Silvio Rodriguez, criadores da nova trova cubana, na passagem dos anos 1960 para, são alvo de uma música especial, que carrega o nome da dupla. À Cuba, Tiarajú rende outra homenagem, em “Samba da Unidade Latinoamericana”.

Que os ritmos e os sotaques deste “Latinoamerisamba” derrubem as fronteiras, se não físicas, ao menos de nosso imaginário. Que a aproximação de nossos povos, oprimidos e colonizados, seja um dia possível, e que o grito da periferia [nunca adormecida] seja de vitória pela unidade latinoamericana.


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