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sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O povo por trás da democracia


Vivemos em um sistema político democrático e temos como base que a democracia é feita pelo povo e na democracia atual o povo tem o “poder” de decidir sua representatividade no meio político. Esse texto pretende mostrar quem seria esse povo ao qual o conceito de democracia se refere e se existe democracia para os invisíveis na sociedade. Vem para mostrar se a democracia é para todos, e quem está por trás da democracia e suas tomadas de decisões como povo.

A base para responder a esses questionamentos virá do paralelo entre o livro “Quarto de Despejo” de Carolina Maria de Jesus, mulher negra moradora de uma favela que se expandia na beira do rio Tietê no bairro do Canindé em São Paulo, que mostra a visão de dentro da favela, a esperança na democracia que muitas vezes se esgota, a revolta com o sistema político que não os representa, não os contempla, e o livro “A Democracia” de Renato Janine Ribeiro um professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo, que aborda a ideia de democracia, seu conceito, e quem seria o povo que elucida seu conceito e se ainda existe poder, já que democracia significa poder do povo. 

“A democracia” – Renato Janine e a Democracia Grega

Temos que democracia vem do grego (demos ou povo) e (kratos ou poder) que significa “democracia do povo”, o povo escolhe o grupo ou representante e também controla os passos que estão sendo tomados. E povos que não viviam sobre um regime democrático não eram livres aos olhos dos gregos. Nesse modelo (para muitos, ideal) de democracia grega – o de Atenas- vemos que somente alguns grupos participavam das tomadas de decisões que eram realizadas na praça, onde os grupos que não faziam parte e não podiam contribuir nas decisões políticas eram os escravos, mulheres, estrangeiros e menores de idade (esse ultimo ainda se mantém nos dias de hoje), mostrando que somente homens, ricos, e letrados podiam participar.

Renato em sua obra “A democracia” mostra que não temos como seguir o exemplo de Atenas, pois os gregos tinham tempo para se dedicar á tomada de decisões, priorizavam o ócio, e atualmente não temos esse deleite. Sem contar que direitos foram introduzidos na sociedade havendo novos subgrupos inseridos nas tomadas de decisões, mas não diretamente. Um ponto em que ele diferencia a democracia antiga com a moderna é que hoje quem comanda a política é a Economia, o que antes não era assim.

Segundo Renato Janine em seu livro, para ele, democracia é o que o que nos faz respeitar o bem comum, o que nos faz construir uma sociedade da qual esperamos nosso bem, pois num sistema democrático esperamos ter e ser mais. Renato vai mais longe dizendo que democracia é o regime da gente comum, de pessoas simples e anônimas.

Democracia Grega e Carolina Maria de Jesus em “Quarto de Despejo”

Pegando o modelo de Atenas temos que somente alguns grupos participavam da tomada de decisões na democracia vigente, o poder é do povo, porém é a sociedade alta quem decide quem é o povo por trás das decisões. E atrelando isso ao Livro de Carolina Maria de Jesus “Quarto de Despejo” temos que isso também ocorria na época em que ela vivia (1955-1960) onde ela dizia que a democracia é limitada a certos grupos, onde moradores de favelas, pessoas que passam fome, que não tem acesso à educação, ao emprego, que moram às margens, em sua maioria negra e que estão habituados à maldade humana, não tem acesso a essa participação direta de democracia, que por mais que façam parte dos números que mostram os eleitores, não são contemplados pelo regime democrático, não sendo perfil de povo que participa da tomada de decisões, pois são deixados de lado, marginalizados, não tendo sua voz escutada, não tendo suas necessidades supridas pelo regime que deveria representá-los.

Ou seja, tanto em Atenas quanto em 1955 ou em 2015, pobres, negros, e mulheres sempre estão à margem da representatividade política, sempre tem seus direitos negados, sempre são silenciados, distanciando-os de uma participação intensa e necessária na tomada de decisões que irão afetá-los. Isso nos mostra que mesmo com os avanços a sociedade ainda continua desigual, e quem sempre esteve no centro das atenções, no centro das decisões continuou no centro, e quem não faz parte desse grupo ficou às margens, recebendo somente “migalhas”, e que demoraram muito a serem conquistadas.

Outra perspectiva é que o fato de somente uma parcela da população poder participar das tomadas de decisões o restante acaba ficando à mercê das decisões dessa parcela, o que provém de um sistema desigual visto até mesmo no modelo Ateniense, onde os que participavam tinham tempo e acesso á informações, sendo que os demais não, e isso gera manipulação desse grupo com informação para os que não possuem, rola falsas promessas, mentiras para conquistar a simpatia de todos e isso é visto no livro de Carolina onde ela afirma que um político diz em seus discursos que está do lado do povo, que pretende melhorar as condições de vida, e pede voto, promete congelar os preços ele já está eleito, já tem voto garantido nas urnas, mas depois se divorciam do povo, olhando para ele com os olhos semicerrados, com orgulho, que fere o povo, mostrando as falsas promessas que, em meio ao desespero, as pessoas acreditam e acabam dando seu voto de confiança, mas que depois enxergam a verdadeira natureza do candidato que nunca mais volta à favela.

Renato Janine e Carolina Maria de Jesus – Democracia teoria x prática

Renato relata em seu livro que a política de hoje é tão falsa, tão distante das pessoas que elas perdem o empenho por ela, ou seja, que a política de hoje é tão suja, que muitos não acreditam mais que ela seja eficaz. E Carolina relata em seu livro que por muitas vezes perdeu a fé na democracia, dizendo que a democracia está perdendo seus adeptos e no Brasil (no momento em que ela vivia) estava enfraquecendo e tudo que é fraco um dia morre. E diz mais, diz que o custo de vida faz com que o operário perca a simpatia pela democracia, pois como disse o senhor Jacó, o sapateiro citado em seu livro, era melhor que viesse o comunismo, por que o que fabrica não da para suprir as despesas, o que mostra o desespero, pois antes quem aprovava o comunismo eram os operários, mas agora até os patrões.

Não se pode falar de Democracia sem tocar no assunto de direitos sociais, e no Brasil esses são os mais fracos, como pode ser visto no livro do Renato, e infelizmente nem todos possuem suas necessidades básicas atendidas, e as falsas promessas feitas durante as eleições recaem sobre essas necessidades. E para Carolina quem dirige é quem tem capacidade, quem tem dó e amizade ao povo, porém quem governa o país é quem tem dinheiro e quem não conhece a fome, as aflições do pobre e se a maioria se revoltar o que iria fazer a minoria? Carolina diz que está ao lado do pobre que é braço desnutrido.

Tudo isso mostra que os pobres são preteridos, que os pobres não recebem nenhum tipo de políticas públicas, nem de segurança, nem alimentícios, nem de saúde e muito menos de moradia, e mostra o temor que muitos que estão privilegiados na sociedade têm dos pobres se revoltarem e revindicarem aquilo que eles têm direito, e que não ter suas necessidades básicas leva á criminalidade, leva á conflitos sociais, o que revela a falha do Estado e seu regime democrático em contemplar o povo e lhes garantir seus direitos sociais e igualdade.

Temos que para Renato, a democracia é o governo do invisível, dos simples, e através da visão de Carolina consegue-se enxergar que na prática não é assim que a democracia funciona. Fazendo um paralelo entre democracia grega, a visão passada de democracia por Renato e olhando a história de vida de Carolina, encontramos que nossa democracia atual não está muito longe da democracia grega, porém com alguns grupos que tiveram direitos á voto, porém continuam sem representatividade, continuam sendo manipulados pela mídia por falta de informação, continuam sendo marginalizados e as decisões tomadas pela democracia não chegam até eles ou são totalmente deturpadas do que antes tinha sido prometido, e o que nos mostra que a vida de Carolina serve de contraexemplo á ideia de democracia posta por Renato, pois não é uma democracia feita pelos simples, pelos invisíveis, anônimos.

A democracia é muito mais do que voto, é ter o retorno dos seus representantes, é ter seus direitos garantidos e realizados, mas que isso não chega até as margens. Renato acredita que não tem como se ver democracia sem pensar nos pobres, e seus desejos de ter e ser mais do que são, por isso a democracia não pode ser apenas uma forma constituinte e jurídica, ela precisa pensar no componente social, embora tenha separado a política do social, e talvez seja por isso que temos esse cenário que se encontra Carolina.

Então chegamos á conclusão que o povo por trás da democracia não somos nós, pobres, mulheres, negros, e sim, os ricos, burguês, e em maioria, homens. Que muitos de nós continuam a mercê das tomadas de decisões deles, pois são eles quem estão no poder, que muitos de nós não tem suas necessidades básicas conquistadas, devido á esse subgrupo como Renato nomeia a população atual que está dividida em subgrupos que estão interligados entre si, onde um subjulga o outro e o crescimento de um depende do decrescimento do outro. Na democracia é o que faz respeitar o bem comum, e construir uma sociedade da qual visamos o bem, e esperamos ser mais e ter mais, segundo Renato, porém como fazer isso se na prática se a maioria de nós está em desvantagens?

Por fim, deixo essa reflexão de Carolina, onde ela acredita que de seu subgrupo poderiam sair às transformações necessárias na sociedade, porém, teriam que ser à força, ela até parafraseia que Juscelino Kubitschek é um sabiá que vive em uma gaiola de ouro, mas que é pra ter cuidado com os gatos por que eles tem fome e os gatos são os favelados. Ou seja, a mudança terá que sair de nós, as transformações virão de nós, e precisaremos estar juntos e fortes para conquistar espaço e tudo àquilo que nos foi negado desde o princípio.

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Imagem destacada: Geso Silva

Scarlett Rodrigues da Cunha, estudante de Políticas Públicas e Relações Internacionais na Ufabc. Mulher negra, militante e feminista. Uma das administradoras do Coletivo Chute, e do grupo Deusas Negras e integrante do Coletivo Negro Vozes (ufabc).

Apresentação do rapper Flávio Renegado no “Criança Esperança”


A apresentação mais comentada da edição 2015 do “Criança Esperança” pertenceu ao rapper Flávio Renegado.

Por Leandro Sarubo,
A letra de “Mundo Moderno”, composta especialmente para o evento, chamou atenção nas redes sociais pela sequência “Insultos mil: tição, macaco, criolo, complete a lista /
Enquanto a KKK bate panela na paulista”.

Abaixo, o vídeo com a participação:


Fonte: Portal Vox.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Alunos cotistas da UnB provam mérito e põem abaixo mitos de críticos

A função das cotas raciais é deixar de existir assim que a discriminação reduzir ou acabar. O papel da sociedade é trabalhar para que isso aconteça o mais rápido possível" Natália Machado, antropóloga, aluna cotista

Não fossem as cotas raciais, a Universidade de Brasília (UnB) teria 71,5% menos negros no quadro de estudantes na última década. Quem esteve no seminário “10 Anos de Cotas na UnB: memória e reflexão” considera o número representativo. Para eles, é a prova de que a política afirmativa da instituição deu certo e vem incluindo uma parcela discriminada e excluída do ensino superior. Além disso, os bons resultados apresentados pelos cotistas põem abaixo alguns mitos levantados pelos críticos da ação. Entre eles, havia questionamentos sobre a queda do nível da universidade com o ingresso de estudantes por meio de cotas. O tempo provou, no entanto, que o desempenho deles, comparado ao do sistema universal, não teve diferença significativa. Em 2009, chegou a ser superior. A média do índice de rendimento acadêmico (IRA) ficou em 3,1 para os cotistas, enquanto os demais estudantes alcançaram 2,9.


A função das cotas raciais é deixar de existir assim que a discriminação reduzir ou acabar. O papel da sociedade é trabalhar para que isso aconteça o mais rápido possível" Natália Machado, antropóloga, aluna cotista

A partir deste mês, a instituição aprofunda o trabalho de avaliação dos resultados para decidir sobre a continuidade do sistema. Em 6 de junho de 2003, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) aprovou a reserva de vagas na UnB. O plano estipulou 10 anos para a duração da política. Como a primeira turma com alunos cotistas ingressou no segundo semestre de 2004, o prazo vence no fim do primeiro semestre do próximo ano. Portanto, chegou a hora de a universidade pensar sobre a manutenção da reserva de vagas. Uma comissão nomeada pelo reitor deve começar a se reunir para estudar propostas sobre o tema. Possíveis mudanças vão vigorar a partir do segundo processo seletivo de 2014.

Socializadas para competir ou Sobre uma sociedade que não ama as mulheres negras


Por Viviana Santiago e Viviane Santiago,
O mundo não ama as mulheres negras. A sociedade não ama as mulheres negras. Os homens e não amam as mulheres negras.

Enquanto mulheres vivemos em uma sociedade que nos violenta, que nos oprime.

A cada ano milhares de mulheres negras são assassinadas em todo o mundo, 5572 mulheres foram assassinadas no Brasil de 2009 a 2011, desse total, 61% eram mulheres negras (e esse número aumenta a cada ano), são maioria também nos casos de violência doméstica. Ainda somos nós as mulheres as que lideramos os piores indicadores sociais: menor taxa de empregabilidade, menor nível de acesso à justiça, menores salários. Temos invisibilizada a nossa existência: Desde uma língua que invisibiliza a presença da mulher no mundo (reduzindo toda a espécie humana ao masculino) até a construção de uma história que promove o apagamento de nossa presença enquanto sujeitas.

É essa nossa vida de mulher negra não é nada fácil, e se torna sempre mais difícil uma vez que a nós se sobrepõe além do machismo o racismo.

Toda vez que penso em nossa vida de mulheres negras, penso que vivemos uma batalha, somos colocadas na condição de alvo, do adversário, do outro lado, o lado atacado constantemente numa guerra impiedosa e desigual;

Pensando nessa batalha eu identifico o lado que ataca: numa batalha de longa duração, o machismo e o racismo utilizam-se das estruturas e dinâmicas sociais e atacam as mulheres negras constantemente. Ao pensar o lado das mulheres negras eu me inquieto, porque apesar de perceber que somos nós as mulheres negras o lado a quem se persegue e sobre quem se decidiu o não-valor para sua existência, eu não estou muito segura se somos nós as mulheres negras, todas juntas, um só lado. E isso me faz pensar na maneira como somos socializadas

Quando as menininhas se arrumam para as festinhas, quando ganham um novo brinquedo ou um estojo de canetinhas, sempre escutam de suas famílias que todas as outras menininhas sentirão muita inveja dela.

Quando as meninas adolescentes estão se organizando para arrumar os projetos de feira de ciências , sempre ouvirão alguém perguntar se não é melhor colocar um menino no grupo, pra ele poder ajudar a resolver os problemas que possam pintar…

Quando adultas, diante dos amores partidos, sempre ouvimos que a culpa é da mulher, que não cuidou da relação ou que se intrometeu e destruiu a relação de alguém.

Ou seja desde muito cedo recebemos uma importante noção que permeará todas as nossas atitudes na vida: A noção de que mulheres são invejosas, incompetentes, trapaceiras e desleais.

Recebemos essa informação desde tão cedo, e a internalizamos tão no início de nossa vida que não nos damos conta do quanto ela se capilariza para dentro do que somos, pensamos e fazemos.

Quando chego a essa conclusão, penso então que já entendo o porquê da minha inquietação que me leva a questionar se nós as mulheres negras, somos um só lado.

Talvez ainda não sejamos de fato um lado porque muitas vezes olhamos umas para as outras mas não nos vemos como parte de um mesmo lado. Pensamos que a outra mulher negra nos ameaça e não identificamos que é a sociedade machista e racista quem de fato ameaça (e violenta, e mata…) a cada uma de nós mulheres negras.

Talvez não sejamos um lado porque muitas vezes nos acostumamos a ser a cota de presença negra na maioria dos espaços, aprendemos que não há espaço para todas nós e então boicotamos umas às outras.

A maneira como fomos socializadas por vezes nos torna incapazes de perceber que uma mulher negra num lugar de destaque representa a todas as mulheres negras, e porquê não conseguimos perceber dessa maneira, por vezes começamos a detonar a mulher negra (às vezes abertamente as vezes com estratégias sutis) com o propósito único de ocupar o seu lugar, porque não conseguimos respeitar a caminhada daquela mulher negra que ali está e nem perceber que nessa caminhada, caminham junto com ela, todas as que vieram antes dela.

Temos alguns desafios.

O primeiro desafio é aceitarmos que como diria Bell Hooks só existimos (e eu acrescentaria só resistimos) porque temos umas as outras. Partamos desse fato. A nossa sobrevivência enquanto mulheres negras depende disso.

O segundo desafio é buscar novos repertórios: Para nós, as mulheres negras, significa re-visitar as nossas vivências e as nossas noções sobre a outra mulher negra e significar tudo isso. Para com as meninas negras, significa o nosso papel ativo para a construção de novas maneiras para educá-las: ao invés de evocar a inveja porque não ensinar que outras meninas ficaram felizes com nossa felicidade. Por que não dizer às meninas que podem procurar o suporte de meninas mais velhas para ajudar a resolver seus problemas, carregar coisas pesadas? Por que não começamos a dizer a nós mesmas e umas às outras que nem sempre os amores são para sempre e que quando uma relação acaba a pessoa com quem temos algo a conversar é aquela com quem mantínhamos uma relação? (ao invés de propormos cruzadas e perseguições contra as outras envolvidas)

E por fim, acredito que nosso último e mais difícil desafio é o de podermos olhar para a outra mulher negra e percebermos que quando ela sobe um degrau, todas as mulheres negras sobem com ela. Que nós possamos deixar de lado a escrota lógica do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, que possamos desenvolver a capacidade de ficar felizes com as conquistas da mulher negra que está do nosso lado, ainda que a nossa própria conquista ainda não tenha chegado; sem inveja; fomos programadas para ativar a inveja numa situação dessa, ativemos a felicidade! Esse é o segredo: Quando formos capazes de perceber que a conquista da outra mulher negra é a conquista de todas as mulheres negras, saberemos que a nossa conquista já chegou.

Amemos umas às outras. A sociedade pode não amar as mulheres negras, o mundo pode não amar as mulheres negras. Mas se nos amarmos umas às outras, nós sobreviveremos, resistiremos e venceremos. Invertamos a lógica da nossa socialização, deixemos a competição de lado. Busquemos novos repertórios: que seja a felicidade, o cuidado e a partilha, a essência da nossa prática e postura de mulher negra no mundo.

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Viviana Santiago/Viviane Santiago

Vi e Vita são mulheres negras, irmãs, filhas, mães e netas, brasileiras, nordestinas e sobreviventes.

Imagem destacada: Blog Nicks Flick Picks

Negra, mulher, nordestina, pedagoga, mãe de João Marcos.

Existe princesa negra? Fábula de Vó Ita, um curta sobre racismo e representatividade na infância


Quando Gisele chegou do colégio, sua avó Ita percebeu que havia algo errado. Um desenho feito pela menina revelou o que estava acontecendo: Gisele era vítima de racismo. A ilustração mostrava colegas zombando de seu cabelo crespo. Para ajudar a neta a superar o problema, Ita cria uma história fantástica. Nasce assim Fábula de Vó Ita.

Por CAIO COSTA,
Na história criada por Ita, Gisa, uma menina negra, sente-se isolada em um reino onde ninguém se parece com ela. Cansada de sofrer discriminação, ela procura uma bruxa para modificar seu visual, mas é justamente por causa de seus cabelos – que se alteram conforme suas emoções – que ela é reconhecida por sua mãe, a rainha Andrea, que há anos procurava a filha perdida.

Apesar de ficcional, o enredo do filme de Joyce Prado e Thallita Oshiro remete à realidade de muitas crianças negras no Brasil. Uma das próprias criadoras, Joyce, 28, viveu episódios semelhantes na infância. “Quando estava, no pré [pré-escola], o termo era ‘macaca’”, conta Joyce. “Infelizmente temos que ensinar para crianças de 5 anos que elas não têm que se importar com a visão de seus colegas de classe. Não deveria ser assim”, completa.

Assista:

A identificação dos atores com a história também é grande e surgiu ainda antes das filmagens. “Fiquei impressionada no teste de elenco, tivemos 30 crianças, e as mães adoravam porque quando vão fazer teste pra publicidade ou novela as crianças são colocadas para figuração, não têm papel como personagem, não têm voz. Temos um elenco formado por atores negros que têm voz ativa”, conta Joyce.

No caso de Tekka, atriz mirim de 8 anos que vive a protagonista Gisele, a ligação é ainda mais forte. “Tem uma frase da Gisele que é ‘mas, vó, não tem princesa assim[negra]‘. Perguntei para a Tekka o que ela pensava quando dizia isso, ela falou: Eu sei que eu sou uma princesa, mas todos querem dizer que não sou, e começou a chorar”, conta Joyce.

Outro caso marcante envolveu a filha de Gabee Conceição, que interpreta a mãe de Gisele. “A filha da Gabee chegou um dia em casa dizendo que não queria mais ser negra. Com 4 anos, ela sentia uma falta muito grande de se ver representada, de não ver uma princesa negra nas histórias. A mãe falou da Tiana, da Princesa e o Sapo, mas a filha lembrou que a Tiana não era uma princesa, era uma mulher que tinha casado com um príncipe. A princesa que vendiam pra ela não era uma princesa de verdade. Quando ela viu a mãe vestida no teste de figurino, saiu contando na escola que a mãe era uma rainha negra”, conta Joyce.

Representatividade
A questão da representatividade é central em A Fábula de Vó Ita. O curta venceu o edital Carmem Santos Cinema de Mulheres, destinado a obras de cineastas mulheres. Além das diretoras Joyce Prado e Thallita Oshiro – que também assina o roteiro –, direções de arte, fotografia, som e até as ilustrações do filme são de responsabilidade de mulheres.

A verba recebida no edital, de R$30 mil, no entanto, não foi suficiente para realizar o curta da maneira planejada. Toda parte da fábula é feita em animação, misturando aspectos de bordado e pintura, o que elevou os custos. Para viabilizar a produção, elas recorreram ao financiamento coletivo e precisam arrecadar R$ 10 mil.

Mais perguntas para Joyce Prado:

Catarse: Como você vê a questão da representatividade no cinema nos últimos anos e, em especial, nas produções destinadas ao público infantojuvenil?

Joyce Prado: Acho que existe um movimento no audioviasual tanto de realizadores negros quanto de realizadoras mulheres. Estou nesses dois. A gente começa a contestar o que é a nossa representação em imagem e discurso, e a gente busca trazer esses questionamentos para as crianças.

C: Como veio a ideia de usar o financiamento coletivo?
JP: Quando falávamos do projeto para as pessoas, elas gostavam. Essa reação positiva fez a gente sentir que podia ser um caminho, já muitas pessoas se interessavam pela proposta.

C: Vemos no Catarse um uso frequente do financiamento coletivo para viabilizar projetos questionadores, alguns focados no público infantil como “Uma história quase parecida”, “A princesa e a Costureira”. Como você vê o crowdfunding nessa luta por mais representatividade e na criação em geral?

JP: Dentro do financiamento coletivo existe uma liberdade maior de narrativa. Editais, tanto estaduais como federais, costumam ser conservadores. No financiamento coletivo há uma dinâmica mais livre, acho que isso traz essa recorrência de narrativas com propostas que tratam de homossexualidade, de representativdade de mulheres negras. É uma criação nas telas que começa a contestar a sociedade machista e até mesmo de consumo. Quando a gente fala em colaboração de pessoas que gosta de um projeto, a gente tá indo para um outro eixo. Não é Rouanet ou Proac, em que você depende de empresas se interessando pelo seu projeto. Quando não há necessidade de convencer uma empreesa, você tem uma liberdade criativa maior, até mesmo de contestar a posição deles [empresários] em relação a esses temas. Estamos construindo um outro eixo de produção cultural através do financiamento coletivo.

Fonte: Catarse.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

VI Ciclo Nacional Conversas Negras



Programada para acontecer nos dias 27 e 28 de agosto, no auditório Antônio Carlos Magalhães, no Senado Federal, a 6º edição do Ciclo Nacional Conversas Negras, com o tema Agosto Negro ou o que a História Oficial Ainda Não Conta: O Silêncio Plural Sobre o Racismo no Brasil, contará com participação da Secretaria de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Semidh).

Breve histórico das(os) negras(os) no Brasil


A cultura afro-brasileira é muito rica e está presente em todas as áreas de nosso país. Os africanos que foram escravizados e sequestrados de seus reinos, suas culturas e seus familiares, vindo ao Brasil como migrantes nus, trouxeram consigo sua memória. Ao contrário dos europeus e asiáticos que também fizeram parte da construção do nosso país, a estes povos foi negada a possibilidade de trazer consigo suas louças, seus objetos familiares, etc. Os africanos através de suas memórias contribuíram para a formação da história e da cultura brasileira.

A história eurocêntrica negou-os o direito a fazerem parte da cultura escrita, porém suas vozes não foram caladas, foram abafadas, mas não caladas. Através dos saberes religiosos, estes povos continuaram praticando seus rituais em solo brasileiro. Isso pode se notar em manifestações como o Candomblé, a Mina, o Ifá, o Terecô, a Umbanda.

O Candomblé foi essencial para a preservação da língua Yorubá no Brasil. Através dos rituais, esses povos continuaram repassando a seus descendentes a língua, a cultura e os saberes de uma das regiões que mais contribuíram para a cultura do nosso país, a atual Nigéria.

Ao Brasil, também vieram povos de origem muçulmana, como se pode comprovar em algumas pesquisas na área de sociolinguística e linguística histórica. Estes sujeitos influenciaram nossa língua e costumes.

Na região do Maranhão os povos africanos que ali chegaram trouxeram consigo o saber Daomeano, que possibilitou na manifestação religiosa hoje conhecida como Mina. No interior desse mesmo estado, o Terecô, ou Linha da Mata, uma mistura da Mina, com a Umbanda, o Catolicismo e o Candomblé, também se desenvolveu adquirindo características da cultura local, aliada a hibridização dessas manifestações religiosas.

A Umbanda, que também nasceu no Brasil, dentro de um Centro Espírita, apresenta elementos oriundos dos povos africanos, indígenas, católicos, ciganos e espíritas.

Essas manifestações religiosas contribuíram para a preservação das comidas de origem africana. O Candomblé, por meio das comidas de santo, foi um fator determinante para a preservação da culinária africana no Brasil.

Hoje, em nosso país, podemos encontrar marcas dos povos africanos em nossa língua, dança, música, comida, religiões, vestimentas, manifestações culturais, etc.

Na literatura e na política, temos escritores e escritoras negros(as) que atuavam desde o período escravagista. Essa literatura até hoje está sendo descoberta, apesar da tentativa em se apagá-la. A primeira negra escravizada que escreveu uma petição ao imperador em 1770, reclamando dos mal tratos que sofria em uma fazenda no interior do Piauí se chamava Esperança Garcia. A carta original se encontra em Portugal e trata-se da primeira reivindicação feita por uma mulher negra no Brasil.

Tivemos vários personagens descendentes de africanos que, ao longo da história do nosso país se destacaram, como: o grande guerreiro Zumbi dos Palmares, Ganga Zumba, Aqualtune, Dandara, Luís Gama, Machado de Assis, Castro Alves, Maria Firmina dos Reis, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Lima Barreto, Carolina de Jesus, Lourdes Teodoro, Cuti, Aleijadinho, Cidinha da Silva, Conceição Evaristo, Miriam Alves, Ana Maria Gonçalves, Milton Nascimento, Pixinguinha, Elza Soares, Alcione, Margareth Menezes, Gilberto Gil, Benedita da Silva, entre outros. No estado do Piauí temos Júlio Romao, grandes nomes como: Elio Ferreira, Salgado Maranhão, Ruimar Batista, Clóvis Moura, entre outros(as).

Infelizmente, até hoje muitos dos autores e autoras de obras literárias e personagens importantes de nossa história, descendentes dos africanos, não estão sendo estudados em nossos livros didáticos nem em nossas universidades. Nesse sentido, foi necessária a criação de uma lei que garantisse o estudo da história e cultura dos povos africanos no Ensino Básico, a lei 10.639, em 2003, a qual engloba a disciplina História.

Como se percebeu que a influência dos afrodescendentes e dos povos indígenas estavam presentes em todas as áreas, então essa lei foi reformulada e a partir de 2008, como lei 11.645 passou a atuar também nas áreas de educação artística e de literatura, além da História do Brasil.

Entretanto, percebe-se que até hoje não houve um investimento na formação continuada dos professores que irão ministrar essas aulas, bem como nos livros didáticos, doravante se faz necessária a implementação de projetos e cursos que façam essa formação, a fim de capacitar os professores a trazerem para a sala de aula os saberes ora calados e/ou apagados, com um ponto de vista não eurocentrado, valorizando a cultura e a história desse povo.

O racismo é um dos resquícios da escravidão que continua imbricado em nossa sociedade. Ele se manifesta de forma implícita e explícita em nossa cultura. Está nos livros didáticos, quando estudamos a história europeia excluindo a história africana e indígena, bem como nas palavras e gestos dos professores que tratam com diferença seus/suas alunos/as negros/as e não negros/as.

Até hoje se aprende que o cabelo crespo é ruim e o cabelo branco é bom. As crianças e adolescentes negros/as recebem apelidos racistas e inferiorizantes na escola. Esses apelidos na maioria das vezes se referem a sua cor e/ou seu cabelo.

A pessoa branca ou de pele clara ainda é tida como superior ou de ‘’boa aparência’’, enquanto a pessoa negra e a pessoa indígena se veem ridicularizadas, inferiorizadas, preteridas em vagas de empregos e vítima até de racismo institucional. À maioria das(os) negras(os) brasileiros restam os empregos mais braçais, enquanto a(os) brancas(os), ou de pele mais clara, todos os demais.

Felizmente, a cada dia que passa, essa situação vem mudando devida a criação de leis que combatem o racismo e/ou preconceito e a conscientização das populações negra e indígena acerca dele.

As cotas raciais são um grande avanço na inclusão do sujeito negro nas universidades e instituições brasileiras. Esta são medidas paliativas de reparação dos danos morais e sociais sofridos pelos/as negros/as desde a colonização, escravização e exclusão na sociedade brasileira. Elas são necessárias, neste momento, pois podemos perceber que a maioria da população está ocupando os menores postos de trabalho e ainda está presente em pequena quantidade nos cargos mais importantes ou tidos como superiores.

Vale ressaltar que os Movimentos Negros e suas lutas foram o alicerce para a mudança nas leis que regem nosso país, bem como na mentalidade de nosso povo. Através desses movimentos, os negros puderam conquistar mais visibilidade na mídia e na sociedade.

Diante do exposto, conclui-se que em um país, onde a maioria da população é descendente dos povos africanos e indígenas, ainda há muito a ser feito para o reconhecimento destes povos como sujeitos de direitos iguais. A implementação dessas leis de combate ao racismo/preconceito, a inserção e o reconhecimento destes povos na história, literatura, arte e todas as áreas é apenas um começo para a mudança da mentalidade brasileira.

É necessário que façamos nossa parte, como professoras(es), capacitando-nos intelectualmente e preparando assim nossas(os) alunas(os) para um mundo onde as(os) negras(os) e povos indígenas sejam vistos como iguais aos de pele clara e /ou brancos.

Eu sou mulher, negra, piauiense e professora. Luto por um lugar melhor onde todas(os) tenham direitos e oportunidades iguais. Nós mulheres negras ainda somos as que mais sofrem violências sexuais e assassinatos. Os homens negros, principalmente os jovens, são os que mais morrem vitimas de violência policial e do tráfico. Nossa população ainda é maioria nos presídios e nas favelas. É preciso mudar isso! Vamos à luta!!!! Equidade de raça e gênero!!! É por isso que nós lutamos!!!!

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Imagem destacada: Blog Quarta dos Tambores

Graduanda em Letras Português-Francês na Universidade Federal do Piauí. Colaboradora do Projeto de Pesquisa Teseu o labirinto e seu nome. Integra o Núcleo de Pesquisa Sobre Africanidade e Afrodescendência – Ifaradá. Professora da Atividade de Extensão VALF (Vivons avec la langue Française) e SWDL (Sollen wir Deutsch Lernen), cursos de extensão desenvolvidos na Universidade Federal do Piauí.


Curta em stop motion traz mito da criação do universo contado por Orixás


Produtora baiana reuniu artistas e técnicos especializados para a produção do filme de 12 minutos

por Òrun Àiyé Filme,
Com mais de 25 mil clicks, o mito da criação do universo será contado pela técnica do stop motion no curta ÒRUN ÀIYÉ, uma realização da Estandarte Produções, produtora baiana que reuniu um time de renomados profissionais para dar vida à animação inédita, que está sendo produzida em Salvador/Camaçari.

O curta traz a trajetória do pai de todos os deuses, Oxalá, para cumprir sua missão junto a outras divindades, em uma envolvente narração de 12 minutos, carregada de simbolismos da cultura afrobrasileira. A animação é inclusiva e, por meio de recursos como audiodescrição, subtitulação e janela de Libras, estará disponível para o público surdo e cego, além de estar em mais cinco línguas – português, inglês, francês, espanhol e yorubá.

Para as diretoras da obra, as cineastas Jamile Coelho e Cintia Maria, a animação será um instrumento de educação, combate ao racismo e à intolerância religiosa em meio às crianças e jovens. “Esse material paradidático permitirá às crianças e jovens a ampliação da noção de cultura negra trazida da África para o Brasil, proporcionando uma educação que reconheça e valorize a diversidade, comprometida com as origens do povo brasileiro”, afirma Jamile Coelho. A religiosidade afro-brasileira será abordada a partir da contação de histórias, tendo a figura do historiador Ubiratan Castro de Araújo (1948-2013) como o griôt – narrador das lendas envolvendo deuses africanos como Olodumaré, Oxalá, Orunmilá, Ododuwa, Nanã e Exu.


Há cinco anos, a Estandarte Produções atua na criação e gestão de projetos culturais e pedagógicos, a exemplo de oficinas artísticas, mostras e festivais, debates, intercâmbios, publicações, audiovisuais (cds, dvds, videoclip, documentários e curta-metragens), envolvendo profissionais de formações variadas, como música, teatro, comunicação, administração e artes visuais. No currículo já tem projetos como o premiado A Cartomante, dirigido por Adriano Big e vencedor do Festival de Cinema Baiano em Ilhéus (2012), nas categorias Melhor Diretor e Melhor Atriz e a animação em stop motion Talvez Futuro, exibido no maior festival da categoria em toda América Latina – o 1º Festival Internacional de Stop Motion do Brasil (Recife/PE), em 2011.


Produção – Na produção do curta, nomes renomados como o doutor em Música pela UFRJ, Guilherme Maia na direção musical, Cenografia do premiado Léo Furtado e Mônica Terra Lima, o músico e produtor musical, André T. na mixagem e desenho de som, animação (2D) do renomado Mateus Di Mambro, painéis do grafiteiro Eder Muniz (Calangos) e bonecos do artista plástico, Leonardo Muela (Minhocas). A animação conta com recursos do Edital de Apoio para Curta-metragem – Curta-afirmativo: Protagonismo da Juventude Negra na Produção Audiovisual, parceria entre a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura e a Fundação Palmares lançada em 2013, além do Edital de Patrocínio 2014 da Companhia de Gás da Bahia (Bahiagás).

Depoimentos sobre ÒRUN ÀIYÉ: 

Caó Cruz Alves é um renomado diretor, cartunista e animador.

“Existe uma política de editais que sempre contempla a animação. Todavia, o principal problema na Bahia é a mão de obra. Infelizmente não temos qualificação profissional para atender a demanda mínima do mercado, por isso é necessário termos cursos, oficinas, mostras e festivais para formação de novos animadores”.

Lindinalva Barbosa é educadora, mestre em Estudos de Linguagens/Uneb e omorixá Oyá do Terreiro do Cobre (Salvador).

“A gente vive hoje um dilema muito grande, que é de como vamos implementar a Lei 10.639 e a 11.645, que são dispositivos legais que prevê a implementação de fato a história da cultura africana, afro-brasileira e indígena na educação das pessoas. A Lei existe, mas só vai acontecer de fato se nós fizemos ações e gestões nesse sentido. E o filme não é apenas um produto cultural, mais também o dispositivo pedagógico e isso vai nos ajudar a formar crianças que possam de fato viver em onde sejam respeitadas as diferenças étnicas”.

Sobre a diretora de ÒRUN ÀIYÉ – Jamile Coelho

Cineasta baiana, Jamile Coelho, é graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal da Bahia — trabalha com animação desde 2008 — quando desenvolveu em parceria com o Grupo Caco de Telha a série 2D “A Turma da Jujuba”. Atualmente, trabalha como diretora de comerciais publicitários, programas televisivos e documentários em Camaçari e Salvador. Estudou animação em stop motion com o animador e diretor Walter Tournier (Uruguai) e, com o diretor e animador Barry Purves (Inglaterra). Dirigiu a animação em stop motion “Talvez Futuro”, selecionada para I Festival Internacional Brasil Stop Motion (2011).

Stop-motion — Stop Motion é uma técnica de animação que consiste em “emendar” uma série de fotografias. São cerca de 24 frames por segundo.



Fonte: Geledés.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Minha identidade negra



Identidade. Dentre tantas palavras que eu poderia escolher pra descrever meu processo de autoaceitação, essa é a que mais me representa. Como toda menina negra a rejeição e o racismo sempre foram presentes na minha vida com início na fase pré-escola, sempre procurei me encaixar.

por Raíssa Haizer Couto,
Mas nunca passei da menina do cabelo duro. Por anos acreditei nisso, nessa inferioridade que é imposta na vida de crianças negras, e fazia de tudo pra “compensar” isso, sendo extremamente legal e disponível pra todos. A maioria das pessoas agem que como se tudo fosse normal, porque é um problema enraizado em nossa sociedade, que destrói a autoestima de qualquer menina. Lembro de entrar em lojas de brinquedos e incansavelmente procurar por bonecas que se parecessem comigo,o que sempre falhava porque até hoje as prateleiras estão lotadas de barbies loiras, de olhos claros seguindo o padrão eurocêntrico. Minha adolescência foi marcada de alisamentos, relaxantes e muito embranquecimento, sempre fui o cupido da história, aquela que arranjava os namoros, nunca a protagonista do romance. Com tempo e minha insatisfação com processos químicos passei a me incomodar com minha imagem no espelho, mas não sabia como mudar essa realidade, me vi perdida e sozinha. Daí começaram as buscas na internet por meninas que também estavam passando por essa transição, demorou um pouco, mas encontrei pessoas maravilhosas que me ajudaram muito nesse processo. Me entender como negra, e como uma mulher bonita foi doloroso, e continua sendo, estar na contramão de tudo que lhe dizem, da mídia e das pessoas que te apontam, é como matar um leão por dia.

Depois de passar pelo bigchop (grande corte pra remover toda parte com química do cabelo) tudo mudou, finalmente me deparei comigo, com minha real imagem, despida de toda máscara, ufa, lágrimas caiam enquanto cortava eu mesma, aquela parte morta que me fez escrava por tanto anos.

Depois desse dia minha vida não tornou um mar de rosas, nem passei a ser vista como a mulher ideal para relacionamentos, empregos, continuo sendo rejeitada e invisível e a mídia me oferece como referência a globeleza, a mulata tipo exportação.

Agora a luta já não é comigo mesma, e sim contra o mundo que não vai deixar de ser racista e machista, mas nem por isso deixarei de resistir e gritar para que todos ouçam minha voz. Meu cabelo segue sendo cultivado todos os dias com muito afeto, cada vez mais armado com certeza, e agora sei quem sou e me orgulho disso, mulher negra do cabelo crespo.

Fonte: Geledés.

Educar para diversidade: como lidar com a multiplicidade de sujeitos no espaço escolar?


Num recente texto, publicado aqui pelo Blogueiras, falei sobre minha experiência como professora e o olhar sobre a reprodução de preconceitos na escola, me deparei com indagações de colegas sobre formas de combater tais práticas. Acredito que essas angústias sejam típicas de pessoas comprometidas com a educação, capazes de analisar o seu espaço de atuação, reconhecer o momento histórico que nos encontramos e as diferentes vivências.

Sujeitos envolvidos, comprometidos e capazes de fazer auto crítica. Não tenho respostas prontas, pois sabemos que os casos são pontuais e a forma de reagir a eles devem ser consideradas de acordo com o contexto dos acontecimentos.

Porém, vejo como de suma importância tentar desconstruir alguns estereótipos tão arraigados na formatação da escola que naturalizam determinadas violências simbólicas. Dessa forma me coloquei a pensar em práticas que viessem a contribuir para que, tanto eu quanto minhas colegas professoras, pudéssemos buscar e promover tal desconstrução e cheguei ao tema desse texto, a diversidade.

Num período que sofremos, enquanto educadores, uma forma de silenciamento ao ser retirado, da maioria dos planos educacionais, as discussões de gênero, penso ser o momento de parar para analisar que tipo de educação vamos proporcionar no espaço escolar. Afinal que escola do futuro é essa?

A ação dos movimentos sociais no período de redemocratização do Brasil, pós ditadura militar, e suas pautas reivindicatórias por reconhecimento aos direitos humanos, combate ao racismo e outras formas de preconceito, a universalização do direito à educação, se consagrou na Constituição Federal de 1988.

As demandas acerca da educação, saúde e assistência social foram contempladas, por exemplo, em legislações relacionadas aos direitos da criança e do adolescente, das mulheres, das comunidades indígenas, do campo, quilombolas e outras minorias foram contemplados na legislação brasileira, redefinindo a ampliação do conceito de pluralismo e diversidade.

O artigo 3º, inciso IV da Constituição define como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Gostaria de me ater a essas últimas palavras ‘QUAISQUER OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO’, e lançar o olhar sobre a diversidade que compõe o espaço escolar e como isso é desconsiderado a partir da formatação em que se encontra a maioria das escolas públicas do país.

Essa é uma questão que exige muita reflexão, pois para que todos os envolvidos considerem a diversidade dos sujeitos envolvidos no espaço educacional, é preciso que exercitem a alteridade, ou seja, enxergar o outro como portador de direitos, subjetividades ou singularidades e respeitar tais características. Dessa forma, a escola como espaço coletivo teria que considerar individualidades para poder criar formas de contemplar toda a diversidade em seu interior.

Mas o espaço educacional público, no formato que foi pensando e constituído (e no qual, a maioria, se encontra), não possibilita tais ações, pois boa parte da comunidade tende a pensar os alunos na forma coletiva e tratá-los dentro dessa perspectiva, e aquele que não se enquadra ao formato pré-determinado de organização, geralmente é considerado como o mal aluno, como aquele que não aceita regras, o sem disciplina.

Como nós professores podemos atuar de forma mais concentrada nas particularidades dos nossos alunos trabalhando em salas lotadas, com regras normativas falhas e com orientações curriculares que nos chegam de cima para baixo? Será que ficaremos eternamente amarrados por determinações criadas por aqueles que nunca puseram os pés dentro de uma sala de aulas, principalmente, na escola pública e periférica?

É preciso compreender que uma das funções sociais da escola é incluir sujeitos diferentes e dar a eles acesso à educação formal, e buscar não desconsiderar saberes e valores que esses trazem de suas vivências fora do espaço escolar.

[…] levar em conta a origem das famílias e reconhecer as diferenças entre os referenciais culturais de uma família nordestina e de uma família gaúcha, ou ainda, reconhecer que, no interior dessas famílias e na relação de umas com as outras, encontramos indivíduos que não são iguais, mas que têm especificidades de gênero, raça/etnia, religião, orientação sexual, valores e outras diferenças definidas a partir de suas histórias pessoais. (BRASIL/ MEC/SEPPIR, 2009, p. 23)

Assim, penso que uma ação urgente para contemplarmos a diversidade no espaço escolar passa, necessariamente, pela desconstrução de estereótipos e estigmas históricos que marcam os sujeitos que fogem ao padrão considerado normal e perfeito. Perceber que o tipo ideal de aluno é apenas uma formatação desejada por quem busca padronizar os sujeitos sociais, com objetivos bem específicos.

Assim, acredito que a diversidade pode ser apreendida como elemento construtor de novas práticas a partir do momento do seu reconhecimento legítimo e não como um problema. Dessa forma, esse olhar desconstruído de preconceitos e a inexistência da busca por um tipo ideal de aluno, irá possibilitar a toda a comunidade escolar novas formas de enxergar a sociedade, percebendo-a como dinâmica e em constante transformação.

Acredito que essa ação poderá promover o desenvolvimento de projetos que contemplem a dinâmica social dos indivíduos, com grande tendência a elevar a escola a uma categoria institucional que pensa o outro, para além do coletivo.

A proposta de pensar a diversidade na escola, nos faz enxergar não apenas os alunos, mas também toda a comunidade escolar interna e externa, pois a diversidade está presente na sociedade como um todo, e essa dinâmica que rege as ações fora do espaço escolar se reflete diretamente nas que ocorrem dentro da escola, assim, quando consideramos as diferenças como um elemento formador de todos os sujeitos, podemos agir de forma que não haja mais reproduções de estereótipos e preconceitos de todos os tipos.

Essa é apenas uma proposta, fruto de minhas reflexões, leituras e de acordo com a realidade educacional que me encontro. Penso que o exercício de análise e reflexão, tanto do espaço quanto dos sujeitos envolvidos, seja a melhor forma de pensarmos como mudar uma realidade ainda tão caótica na educação pública da maioria da escolas brasileiras.

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Referencias:
  • BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
  • __________Ministério da Educação. Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial, SEPPIR/PR; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, SPM/PR. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de conteúdo. Versão 2009. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: MEC/SPM, 2009. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/ storage/materiais/0000015510.pdf A

Imagem destacada: Blog Leonor Calmon

Mestre em Ciências Sociais, professora, mulher, negra, mãe, feminista e briguenta.

O que afasta as crianças e adolescentes negros da escola?




por: Juliana Gonçalves,
Além das vulnerabilidades sociais, a discriminação racial e falta de diálogo com o repertório da cultura negra colaboram para a evasão escolar 

Do sexo masculino, jovem, negro e pobre. Esse é o perfil típico de um adolescente fora da escola. Pesquisas demonstram que uma das principais barreiras socioculturais enfrentadas por meninas e meninos brasileiros é a discriminação racial. Ao contabilizar todas as idades, fica nítida a desvantagem dos negros em relação à população branca no acesso, mas, principalmente, na permanência na escola.

Ao todo, estima-se que há mais de 3,8 milhões de brasileiros entre 4 e 17 anos que não frequentam a sala de aula, segundo informações obtidas nos microdados do Censo Demográfico de 2010 e compiladas em um recente estudo do Unicef (1).

Números como esse, colocam o Brasil no triste pódio da terceira maior taxa (24,3%) de abandono escolar entre os 100 países com maior IDH. De acordo com dados coletados no ano passado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), 1 a cada 4 alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série.

Não é de se estranhar que neste quadro de evasão os mais excluídos da escola são aqueles historicamente excluídos de toda a sociedade. “A pobreza influencia muito as taxas de evasão, e a população negra e indígena são os grupos mais vilipendiados”, afirma Miriam Maria José dos Santos, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda. Miriam enxerga que há avanços neste quadro conquistados graças aos Programas de Governos que estão ajudando a romper o ciclo da pobreza, porém, a melhora dos últimos dez anos nem de longe interferiu drasticamente na realidade pautada em anos de omissão.

Em vistas de colaborar positivamente neste quadro, dia 17 de julho, o CEERT, com patrocínio da Petrobras, lançará projeto que visa contribuir para que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e demais legislação sejam utilizados na promoção da igualdade racial e no enfrentamento do racismo na infância, especialmente no ambiente escolar, fortalecendo a atuação dos conselheiros tutelares e demais profissionais do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes.


Trabalho infantil e violência

Dados do relatório “Crianças Fora da Escola 2012”, também da Unicef, apontam que mais de um milhão de crianças e adolescentes, entre 6 e 14 anos, encontram-se trabalhando no Brasil, dessas 34,60% são brancas e 64,78% negras. Nesse período de vida, o trabalho infantil é uma das principais causas do abandono escolar.

As meninas negras ainda hoje são conduzidas a repetir um padrão que tem base no sistema escravocrata do passado. Cedo, começam a trabalhar como faxineiras nas casas de terceiros. De acordo com dados de 2013, divulgados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalho doméstico no Brasil são meninas negras. 


Além do trabalho infantil, a violência é outro pilar que sustenta as desigualdades raciais na educação. Apontamentos do IPEA de 2013 dão conta de que a chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação aos brancos(2).

O perigo de uma escola não atrativa

A maior taxa de evasão escolar está na adolescência e, apesar da pobreza e violência criarem cenários propícios para o abandono, nenhum desses aspectos foi apontado pelos próprios estudantes como o principal causador. Entre os 15 e 17 anos, 40% dos estudantes deixam de estudar por considerarem a escola desinteressante. Em segundo lugar, figura o trabalho precoce, com 27% (3).

Outros apontamentos contidos no estudo da Unicef, com base em questionários respondidos pelos dirigentes municipais de educação de todo o Brasil, revelam que nesta mesma faixa etária, 653,1 mil adolescentes brancos não estudavam, ante 1 milhão de negros.

O índice alto de evasão desse público pode ser explicado parcialmente por um sistema educativo que não contempla a cultura e a identidade dos estudantes negros. “Essa escola não atrativa ao estudante em termos de conteúdo, de recreação e de profissionais que não dialogam com a realidade precisa mudar”, considera a presidente da Conanda, ao destacar, por exemplo, a necessidade de pais, alunos e sociedade cobrar o trabalho do conteúdo da LDB alterada pela Lei 10639/03 que versa sobre a inclusão da história e cultura negra dentro da sala de aula.

Conselheiros Tutelares devem estar atentos ao recorte étnico-racial

O ECA deixa nítido que a escola tem a responsabilidade de reter o aluno porque dispõe de ferramentas para localizá-lo e trazê- lo de volta. “Para isso gestores e professores precisam realizar uma vigilância positiva, manter dialogo constante com a família e não esperar a evasão para agir”, conta Miriam. A escola já é obrigada a acionar o Conselho Tutelar em caso de faltas constantes e injustificadas. “A sociedade pode ajudar por meio do Disque 100, denunciando anonimamente crianças e jovens que não estão frequentando a escola”, sugere.

Com relação ao recorte étnico-racial, Miriam afirma que a maioria dos conselheiros tutelares não está encaminhando demandas para os conselhos de direitos da Secretaria de Educação que demostrem falhas nas políticas públicas direcionadas a negros e indígenas, ou seja, muitos não estão atentos ao recorte étnico-racial presentes nos dados de evasão.

“Quando os dados exemplificam que há exclusão de um público especifico do ambiente escolar, isso significa que a escola não está dialogando com esse público e o conselheiro tutelar deve levar essa percepção à Secretaria de Educação”, declara. Infelizmente, os conselhos tutelares não estão cumprindo esse papel ou por falta de formações que orientem neste sentido ou pela infraestrutura precária de trabalho que enfrentam.

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Referências
(1)"O enfrentamento da Exclusão Escolar no Brasil", estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

(2)Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) “Participação, Democracia e Racismo?”de 2013.

(3)Pesquisa “Motivos da Evasão Escolar” - desenvolvida com base nos Suplementos da PNAD 2009.


Fonte: Ceert

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Redução da maioridade penal: vamos falar sobre as mães negras e periféricas?



A redução da maioridade penal sob o olhar da mulher negra sempre tem sido subestimada nessa discussão, e quando não são culpabilizadas, são invisibilizadas. Mas afinal quem são esses jovens que podem ser encarcerados aos 16 anos, sem ao menos terem seus direitos básicos garantidos? E quem são suas mães?

Sou uma mulher negra e filha de uma mulher também negra e solteira, que sempre que teve de lidar não só com olhares de reprovação em relação a sua maternidade, pelo simples fato de ser solteira, como também de ter que ser forte o tempo todo. E reproduzem isso de forma desumana, como se nos coubesse sermos fortaleza.

As mães negras passam por uma estrutura cruel e racista que esse Estado tem imposto a elas. Inclusive temer pela vida de seus familiares que são massivamente assassinados pela Polícia Militar.

E por isso é de extrema importância deixar claro que caso essa PEC 171 seja aprovada, será o povo negro mais uma vez quem perderá seus direitos, aliás, direitos esses que nunca foram seus. Continuamos sofrendo o processo de genocídio, somos minoria nas universidades, mas maioria nas cadeias, aliás a nossa população carcerária é composta majoritariamente por negros, 70%, como consta no mapa do encarceramento 2015.

O sistema carcerário brasileiro está falido, superlotado, os presos vivem sob condições precárias. A educação não é prioridade e sequer chega aos jovens da periferia, que seguem marginalizados na nossa sociedade. 

Mas porque falar das mães negras?

Porque me parece no mínimo, muito leviano nos excluírem desta pauta, uma vez que são os NOSSOS filhos, netos, irmãos que estão sendo encarcerados. Muitos adoram estar com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) na ponta da língua, mas vivem relativizando nossa dor.

Oras, são as mães negras, e em sua grande maioria solteiras 52,89%, conforme censo de 2010, quem são abandonadas por seus companheiros, são arrimo de família e que por conta de serem empobrecidas, negadas à educação, precisam trabalhar precocemente e em postos de trabalhos precarizados. Pois ainda são minorias, no quesito escolarização. Apenas, 6,71% concluíram o ensino superior, conforme Relatório Estatísticas de Gênero do IBGE, de 2010.

Em 2013, foi divulgado pelo Ipea, que 61% das mulheres negras são vítimas de feminicídio, e dessas 48% nem conseguiram concluir o ensino fundamental. E para além disso, ainda têm dificuldade em matricular seus filhos pequenos em creches, por conta do déficit de vagas, mas também porque a maioria das creches exigem das mães, carteira de trabalho assinada, e muitas mulheres negras não as tem, uma vez que é sabido que a nossa inserção do mercado de trabalho é nitidamente desvantajosa. Apesar da participação na força de trabalho ser mais intensa que a de mulheres não negras.

É inadmissível que a partir de tantas disparidades como essas expostas acima, essas mães continuem passando despercebidas por movimentos contra a redução da maioridade penal. E sim, estou aproveitando para encher esse texto de números e dados importantes para que não relativizem nossa dor, como geralmente muitos fazem, alegando que individualizamos muito nossos depoimentos.

Por isso quero deixar nítido que quando nós, mulheres negras falamos de racismo, não estamos supondo e sim expondo nossas narrativas, vivências. Então não nos silenciem!

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Imagem destacada: 18razoes.wordpress.com


Uma estudante de jornalismo, que teima em escrever poesias ... rs Que nas horas vagas tem como paixão, o prazer da dança, pois toda forma de se comunicar vale a pena!


O MAIS DO MESMO ou Quem disse que a ideia do deputado Laerte Bessa é nova?

por Guaraciara Gonçalves,
Eu não deveria, mas eu fico impressionada com a capacidade que o discurso conservador e direitoso, que transformou os pobres, leia-se negros, em "perigosos" tem de se reciclar. Dia desses o relator da proposta de emenda à constituição, de redução da maioridade penal, Laerte Bessa (PR - DF) defendeu o aborto para fetos com "tendências criminosas". Segundo ele a ciência genética vai avançar de tal maneira que vai ser possível identificar no ventre da mãe o feto com tendências criminosas e ela não terá o direito de dar a luz. A que nível esses senhores chegaram... afinal o PR não participa da bancada evangélica? Esse deputado pelo que sei é evangélico. Esses políticos evangélicos agora além de não acreditarem na recuperação humana, disseminarem o ódio, também são pró-aborto? Sim. Desde que a mulher (pobre, negra e favelada) seja forçada a fazer, né? Desde que sirva para uma política eugenista (que coisa antiga?) como a que esse deputado está propondo, pois é óbvio que a ideia do aborto como direito da mulher de decidir sobre o próprio corpo e a própria vida não combina de jeito nenhum com os interesses desses políticos. Não era sobre isso que ele estava falando.


O deputado acha que está inventado a roda. Será que ninguém contou para esse moço que essa ideia dele não é nova. Que o uso de descobertas pseudocientíficas para práticas racistas já acontece há séculos? Que o sistema racista teve entre cientistas seus inventores? Que na história da humanidade já aconteceram inúmeras atrocidades em nome do "cientificamente provado"? Ou será que ele já sabia e só se pronunciou para reforçar de que lado está, reforçar sua posição ideológica, deixando tudo mais claro?

Esse discurso sobre uma suposta propensão ao crime que pode ser detectada pela ciência não é novo. Essa ideia remonta o século XIX. Tem a ver com uma tentativa de controle/extermínio da população negra e com as políticas de branqueamento da sociedade brasileira. Tem a ver com um discurso higienista que determinava que os pobres e os negros eram responsáveis pelas doenças e as demais mazelas existentes na sociedade. Tem a ver com a consolidação do poder médico sobre os nossos corpos. Então, tenham cuidado sempre que ouvirem que a neurociência descobriu isso sobre o cérebro humano, ou a genética descobriu aquilo...Cuidado com os determinismos. Muito cuidado sobre como essas descobertas são interpretadas e principalmente os interesses que estão por trás delas e as práticas que desencadeiam. Temos muitos exemplos de como esses conhecimentos já foram utilizados. Se você acha que estou exagerando e que "agora tudo é racismo", dê uma olhadinha ali na história do nazismo, já que por essa história todo mundo tem compaixão.

É importante entender que as mulheres negras sempre foram os principais alvos desse tipo de controle. O movimento de mulheres negras ao longo das décadas teve entre suas pautas a luta contra a esterilização em massa de mulheres negras e pobres. Até os dias de hoje são essas as mulheres o alvo das políticas ditas de "planejamento familiar". 

As políticas públicas de atenção básica via postos de saúde para atender ao que chamam de "saúde da mulher" em geral concedem somente acesso a pílula anticoncepcional e nada mais, não discutindo-se com essa mulher de fato os direitos reprodutivos ou desenvolvendo estratégias que permitam que elas possam realmente escolher os rumos que querem dar para a sua vida reprodutiva. Dessa forma, o direito da mulher ao acesso a saúde se resume ao controle sobre seu direito reprodutivo. Nas palavras de Sueli Carneiro:

A esterilização ocupou lugar privilegiado durante anos na agenda política das mulheres negras que produziram campanhas contra a esterilização de mulheres em função dos altos índices que esse fenômeno adquiriu no Brasil, fundamentalmente entre mulheres de baixa renda (a maioria das mulheres que são esterilizadas o fazem porque não encontram no sistema de saúde a oferta e diversidade dos métodos contraceptivos reversíveis que lhes permitiriam não ter de fazer a opção radical de não poder mais ter filhos). Esse tema foi, também, objeto de proposições legislativas, numa parceria entre parlamentares e ativistas feministas que culminou no projeto de Lei nº 209/91, que regulamentou o uso da esterilização.

Além dessa estratégia da esterilização eu diria que a violência obstétrica também ocupa um lugar importante na tentativa de impedir que as mulheres negras e pobres tenham mais filhos. O parto violento deixa a mulher traumatizada e faz com que ela pense mil vezes antes de ter outro filho. A mortalidade materna representa o desfecho perfeito para esse ciclo que desde o século XIX visa a diminuição da população negra. 


A mortalidade materna só cresce entre as mulheres negras. Das mulheres que morrem em decorrência do parto/cesariana 60% são negras. Para quê matar o filho se você pode eliminar a mulher que irá gerar mais crianças? Seria ótimo se o que estou dizendo fosse só teoria da conspiração, mas infelizmente essa é a realidade que enfrentamos há muitas décadas. Então não há nada novo no discurso do Vossa Excelência. 

Aliás um outro político muito conhecido aqui do Rio de Janeiro há alguns anos ao por em prática sua política de (in)segurança pública baseada na lógica do conflito (tiroteio) disse algo bem próximo. Quem não se lembra de quando o senhor Sergio Cabral Filho, então governador do Estado, disse que a favela da Rocinha era uma fábrica de marginais tal qual Zâmbia e Gabão?

Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana é padrão sueco. Agora pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal.

Nesse trecho de uma entrevista do Governador, ao site de reportagens G1, em 22 de outubro de 2007, ele defendia a legalização do aborto como uma forma de controlar a criminalidade no Estado do Rio de Janeiro, apropriando-se de uma pauta tão cara aos movimentos feministas e transformando-a em algo que vai justamente contra a luta pela autonomia da mulher sobre seu próprio corpo, acrescentando-se o racismo e o preconceito contra as mulheres moradoras das favelas.

Tal entrevista gerou uma grande polêmica e várias manifestações, mesmo assim, quase um ano depois, em julho de 2008 o Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, declarou em um debate sobre segurança pública no auditório do Jornal Extra que criminosos do Rio de Janeiro trazem do “ventre da mãe” a cultura da violência. 

Então como se pode ver não há nada novo nessa ideia racista de controle sobre os direitos reprodutivos das mulheres negras e pobres. Nada de novo nessa ideia racista de que a violência vem do ventre materno. Diferentes estratégias para controle e extermínio da população negra já vem sendo postas em prática (pelo próprio Estado) há séculos. O mais do mesmo.

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Guaraciara Gonçalves do Blog Preta Materna