[ESPECIAL]
Por: Beatriz Ferraz, Caroline Bchara, Laura Tizzo, Nívea Ribeiro e Nolwenn Guyon,
O ingresso por sistema de cotas à Universidade de Brasília (UnB) completa dez anos no próximo dia 6 de junho. Um dos idealizadores do programa foi o professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia, que teve como motivação o caso de um estudante de doutorado que foi vítima de racismo no primeiro semestre de 1998: o "caso Ari".
Arivaldo Lima Alves, primeiro negro a cursar o doutorado em Antropologia Social na UnB, foi sumariamente reprovado em uma disciplina da pós-graduação. Recorreu em todas as instâncias, mas obteve o apoio de poucos professores do departamento. Encaminhou o recurso ao Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE), órgão de maior autoridade da UnB que reúne representantes de departamentos, colegiados, alunos e o reitor, que lhe concedeu os créditos da disciplina dois anos depois, em 19 de maio de 2000.
Começaram, então, a surgir relatos de histórias parecidas com o “caso Ari” em outras universidades. O caso foi ainda divulgado na Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e na Associação Nacional de Pesquisadores em Ciências Sociais (ANPOCS), além do artigo publicado por Arivaldo Alves sobre o ocorrido na Revista Afro-Ásia, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O texto inicial do debate de políticas afirmativas para negros e indígenas na UnB foi então apresentado pelos professores José Jorge de Carvalho e Rita Segato.
A UnB abriu, em 2003, vagas para cotas raciais. Diferente das sociais, restritas a estudantes de escolas públicas e de baixa renda, esse sistema abrange, ainda, alunos negros de escolas particulares e que venham de famílias com alta renda. José Jorge, também coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão do Ensino Superior e na Pesquisa (INCT-IESP), explica a escolha: “O racismo existe e não escolhe entre um aluno de escola pública ou de escola particular. A classe média negra também sofre preconceito. O racismo é algo que atravessa as classes.”
Ari concorda com o professor e acredita que a proposta da Universidade de Brasília seja adequada. "É fato que os negros mais pobres enfrentam maiores dificuldades de acesso ao ensino superior e mobilidade social. Entretanto, negros de todas as classes são discriminados", afirma.
Após a polêmica envolvendo os gêmeos univitelinos que se inscreveram para tentar o ingresso à universidade pelo sistema de cotas em 2007, quando apenas um deles foi aceito, a UnB alterou as regras do processo. As fotografias que serviam como forma de decidir se o candidato poderia ser enquadrado nas cotas raciais foram substituídas por entrevista pessoal, em data anterior à realização das provas.
Photo: Beatriz Ferraz
Paulo Bessoni ingressou na UnB por cotas no segundo semestre de 2012. Na entrevista pessoal, foi perguntado sobre as razões pelas quais se considera negro. Respondeu que, além de possuir características fenotípicas e genotípicas negras, o pai e a família paterna são negros.
Outro problema é a falta de previsão de políticas de inclusão para professores. José Jorge relembra que, há dez anos, havia cerca de 15 docentes negros, o que correspondia a 1% do total da UnB. Após as contratações do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), sem cotas, a situação se agravou. “Entraram uns quatro ou cinco professores negros, mas o total agora é mais de dois mil professores. O número proporcional de negros diminuiu. Isso é uma espécie de segredo de família que ninguém fala”.
O professor e diretor do Centro de Convivência Negra, Ivair dos Santos, ressalta que essa deveria ser uma das questões-chave da avaliação das cotas na UnB: “As pessoas se preocupam com números sobre alunos, quantos estão entrando e saindo, mas esse é o menor dos problemas. A quantidade de professores negros é ínfima e essa discussão ainda tem que ser inserida na universidade para que possamos avançar. O processo de ação afirmativa ainda não terminou”. Ari alerta também para o preconceito que se manifesta nas oportunidades, muitas vezes diferenciadas de acordo com a raça. Mesmo possuindo o título de doutor, o acesso a recursos públicos para pesquisa, por exemplo, ainda é mais fácil para os docentes brancos.
Photo: Beatriz Ferraz
"Optamos por trabalhar a questão da raça, e isso tornou a UnB alvo de discussão. Hoje avaliamos que essa decisão foi acertada", diz Ivair dos Santos
O modelo adotado pela UnB é ainda bastante questionado. O partido Democratas (DEM) entrou, em julho de 2009, com pedido de inconstitucionalidade das cotas raciais no Supremo Tribunal Federal, sem sucesso. A recente lei nº 12.711 do Governo Federal pôs, novamente, o sistema em questão, já que destina as vagas apenas a estudantes de escolas públicas. No primeiro vestibular de 2013, a UnB optou por utilizar ambas as cotas, e poderá fazer o mesmo até 2014, prazo final do projeto de inclusão social. O professor José Jorge defende que deve ser elaborado um modelo que una as duas cotas, não as somando, mas numa espécie de sobreposição.
Em 2013, a UnB vai reavaliar o sistema de cotas implementado em 2003. Está marcado um seminário para o início do debate no próximo dia 6 de junho. As decisões tomadas serão votadas pelo Conselho Universitário (Consuni) no ano que vem. O seminário serve como um momento para relembrar os últimos dez anos e começar o processo que determinará o modelo de cotas que vai prevalecer na Universidade de Brasília.
Fonte: Campus.
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