Estima-se que, no país, sejam faladas mais de cem línguas indígenas, todas ameaçadas de extinção. Impulsionadas pelas próprias etnias, elas vivem um momento tímido de revitalização.
Para aprender a língua de seu povo, o professor Txaywa Pataxó, de 29 anos, precisou estudar os fatores que, por diversas vezes, quase provocaram sua extinção. Mergulhou na história do Brasil e descobriu fatos violentos que dispersaram os pataxós, forçados a abandonar a própria língua para escapar da perseguição.
“Os pataxós se espalharam, principalmente, depois do Fogo de 1951. Queimaram tudo e expulsaram a gente das nossas terras. Isso constrange o nosso povo até hoje”, conta Txaywa, estudante da Universidade Federal de Minas Gerais e professor na aldeia Barra Velha, região de Porto Seguro (BA).
Mais de quatro décadas depois, membros da etnia retornaram ao antigo local e iniciaram um movimento de recuperação da língua patxôhã. Os filhos de Sameary Pataxó já são fluentes – e ela, que se mudou quando já era adulta para a aldeia, tenta aprender um pouco com eles.
“É a nossa identidade, a nossa cultura. Você diz quem você é através da sua língua”, afirma a professora de ensino fundamental sobre a importância de restaurar a língua dos pataxós.
O patxôhã está entre as línguas indígenas faladas no Brasil: o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estimou 274 no último censo. A publicação Povos Indígenas no Brasil 2011/2016, do Instituto Socioambiental, calcula 160. Antes da chegada dos portugueses, elas totalizavam mais de mil.
Já o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), divulgada em março de 2016, diz que restam hoje 181 línguas, 115 faladas por menos de mil pessoas. Todas, em diferentes graus, enfrentam risco de extinção.
Sala de aula
Na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), um curso de extensão tenta dar visibilidade a uma língua amplamente falada no passado pelos povos da Amazônia, o nheengatu. “A língua corria risco de entrar em extinção”, comenta Elenise Pinto de Arruda, diretora de Ações Afirmativas da Ufopa.
Ao lado de indígenas, a pesquisadora Patrícia Regina Vanetti Veiga, da Unicamp (Universidade de Campinas), dá aulas de nheengatu para os participantes do curso – a maioria é professor em aldeia. “Por meio da língua, as comunidades começam a entender melhor a sua própria história, a sua cultura”, diz Veiga.
O processo, segundo a pesquisadora, é colaborativo: os indígenas têm espaço para decidir como o aprendizado deve ocorrer nas escolas, decidem como a língua deve ser escrita. “Não é para nenhum pesquisador vir de fora e dizer como deve ser feito. O curso é para que eles também experimentem”, adiciona.
No Rio de Janeiro, desde 2009, um projeto no Museu do Índio trabalha na documentação das línguas existentes. A tarefa é “urgente”, classifica José Carlos Levinho, diretor do museu e antropólogo.
Em parceria com a Unesco e Instituto Max Planck, que fornece os programas de computador que registra e documenta as línguas, 13 etnias foram analisadas. Como resultado, quatro livros de gramáticas, alguns com mais de 800 páginas, estão em fase final de editoração. “Serão um instrumento pedagógico que deve servir como processo de aprendizado desses povos”, avalia Levinho.
“Somos uma instituição pequena, com um corpo técnico reduzido. Mas nos mobilizamos nos últimos anos para tratar desse assunto, que é uma situação crítica: as línguas estão desaparecendo e vão desaparecer”, lamenta o antropólogo. “Queremos mostrar que é possível fazer algo com custo baixo e tecnicamente correto para preservá-las, um patrimônio cultural do país”, afirma o diretor do Museu do Índio.
A fase atual projeto, no entanto, que inicialmente abrangia 20 povos, foi cortada pela metade. Serão três anos de trabalho com recurso previsto de 5 milhões de reais.
“Nossa principal identidade”
Proibidas desde meados do século 18 no Brasil por Marquês de Pombal para a imposição do português, as línguas indígenas vivem um momento tímido de revitalização impulsionado pelas próprias etnias.
“Isso acontece num contexto de cada vez menos acesso aos direitos, em que territórios estão sendo ameaçados e tudo isso tem a ver com essa questão de afirmação identitária pela língua”, analisa a pesquisadora Patrícia Regina Vanetti Veiga.
A ampliação do ensino das línguas nas escolas, por outro lado, ainda é falha. “O ensino também tinha que ocorrer nas universidades, onde a gente quase não estuda essa temática”, critica Veiga.
Para a professora indígena Sameary Pataxó, a falta de apoio traz também outra mensagem. “O governo não faz questão da nossa presença na sociedade. Para ele, não somamos. Nós somos preservadores, e o governo não quer isso. Quer pessoas que dão apenas renda, que destroem a natureza, que matam, que tiram tudo o que é área de preservação. E a nossa intenção é preservar. É a intenção deles é de destruir”, pontua.
Desde que o processo de revitalização do patxôhã começou, 2.500 palavras passaram a formar o dicionário. “Já dá pra se comunicar bem, mas os estudos continuam”, explica Txaywa Pataxó. O aprendizado acontece nas rodas de conversa, de cantos, na interação com os mais velhos da aldeia.
“A língua para gente hoje é a nossa principal identidade. Um povo sem língua é um povo sem identidade. É a nossa forma de se diferenciar dos outros povos indígenas, de mostrar a nossa diversidade linguística, toda a diversidade que o Brasil tem”, complementa Txaywa.
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Foto: A professora indígena Sameary Pataxó: “o governo não faz questão da nossa presença na sociedade”
Fonte: Deutsche Welle
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