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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

HUGO SILVA – MAIS UMA VÍTIMA FATAL DA VIOLÊNCIA POLICIAL NA ROCINHA




     Desde a ocupação militar da Rocinha, em novembro de 2011, alertamos para possíveis arbitrariedades que pudessem ocorrer durante e após o processo. Assim o fizemos, pois, tal como acontecera na ocupação do Complexo do Alemão, uma série de violações ocorreriam. Não tardou e a suspeita se confirmaria, já que observamos o crescimento dos relatos de todo tipo de abuso policial: agressões físicas e morais, tortura e mortes. 

     O recente caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, após ser abordado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instalada na comunidade, é um dos poucos que conseguiu ter repercussão pública. Mas nem todos atingem essa publicidade e, permanecendo nas sombras do arbítrio estatal, tende a deixar impune a ação truculenta da polícia nas favelas do Rio de Janeiro. 

     Até há pouco tempo, as UPPs eram tratadas, pelo discurso oficial, como a principal solução para a área de segurança pública no Rio de Janeiro. Qualquer crítica que lhe fosse direcionada era deslegitimada e tratada como proveniente do interesse de grupos criminosos. Entretanto, após o crescimento de casos de homicídios e desaparecimentos forçados em áreas com UPP, e com o desgaste político sofrido pela polícia militar durante as manifestações que se iniciaram em junho, tal discurso de que tudo funcionava perfeitamente começaria a ruir. Ficava claro o que os moradores já sabiam desde o início: as UPPs expressam outra faceta da violência estatal nas favelas e não o seu fim. 

     Seria neste contexto que se insere a história de Hugo Leonardo Silva, morto por policiais militares em 17 de abril de 2012, na localidade conhecida como “199”. Hugo seria a décima vítima de homicídio em dois meses, apesar da ocupação da polícia desde novembro do ano anterior e o discurso de que as mortes em favelas ocupadas haviam acabado. Hugo tinha 33 anos, trabalhava carregando material de construção, era casado e pai de dois filhos. 

     No final da tarde daquele dia, Hugo estava descendo as escadas em um beco próximo à sua casa em direção a uma creche para buscar seu sobrinho. Policiais, incluindo alguns do Batalhão de Choque, que passavam pelo local, avistaram-no e mandaram ele parar e levantar a camisa. Assim como hoje, estas abordagens, muitas vezes truculentas, passariam a ser rotina na comunidade. Hugo, então, acatou a ordem do policial, levantou a camisa e as mãos. Quando se dirigia na direção dos policiais, que estavam num grupo de cinco, um deles atirou em sua direção, atingindo sua região abdominal. Os policiais, então, passariam a discutir entre si e três deles disseram ao que atirou: “não era para ter feito isso!”. Na sequência, após esta rápida discussão, foi desferido mais um tiro, desta vez fatal: na cabeça. Hugo caiu no chão, já morto. 

     Os policiais rapidamente tentaram desfazer a cena do crime que cometeram. Pegaram um lençol numa casa próxima e enrolaram o corpo de Hugo. Enquanto uma parte deles saiu para pegar a viatura, os que ficaram obrigaram moradores da região a lhes ajudar a carregar o corpo até o carro. Assim que chegaram, jogaram-no de qualquer maneira e saíram em alta velocidade pela comunidade. A versão da polícia, divulgada posteriormente, queria fazer crer que houve uma troca de tiros e que os policiais apenas teriam revidado, o que seria desmentido pelos moradores da região que teriam ouvido apenas os tiros que acertaram o Hugo, refutando a tese oficial de que ocorrera algum tiroteio.

     Anteriormente, Hugo já havia sofrido com as abordagens constantes feitas pela polícia. Pouco antes de ser morto pelos PMs, ele chegou a ser detido e levado à delegacia. Contudo, nada foi encontrado contra ele e logo seria liberado. Posteriormente, numa situação de extrema truculência, policiais entraram em sua casa, sem mandado judicial. A cena transcorreria, inicialmente, com os policiais, em tom agressivo, gritando “levanta vagabundo” e, na sequência, vasculhando toda sua casa. Como não acharam nada, levaram-no para fora e lá teria inicio mais uma parte da tortura, desta vez física. Um dos policiais, que portava uma faca, pressionava-a e a girava no ponto do braço em que Hugo tinha uma tatuagem. Fizeram isso durante um período e depois foram embora. 

Após o ocorrido, policiais continuariam a ir ao beco onde morava Hugo para ameaçar seus familiares, assim como fizeram no dia em que foi morto. 

     Segundo relatam os moradores, desde a ocupação, mesmo sem motivo aparente, policiais costumam parar as pessoas, especialmente os homens e jovens, para revistar, quase sempre se utilizando de agressões, como tapas no rosto e xingamentos. Haveria, ainda, um grupo de policiais que costumam aterroriza-los, sendo liderado pelo policial que chamam de “cara de cavalo”, também conhecido como “cara de macaco”, um dos que são apontados pela família de Amarildo de tê-lo levado. 

Os moradores chegaram a fazer uma manifestação questionando a morte de Hugo, mas foram reprimidos pela polícia com spray de pimenta e bala de borracha. 

     Infelizmente, casos como esse continuam a ocorrer nas comunidades ocupadas pela polícia através das UPPs. Felizmente, os moradores e organizações de direitos humanos, como a Rede contra a Violência, estão conseguindo levar adiante as denúncias e responsabilizar os agentes públicos que cometem estas arbitrariedades. Recentemente, os policiais envolvidos na morte de André Ferreira, ocorrida em 2011, na comunidade Pavão-Pavãozinho, vão à júri popular. Mas, muito mais precisa ser feito. Os relatos de violência policial em favelas com UPPs crescem vertiginosamente. A morte de Hugo não foi a primeira. 

     O Estado precisa dar uma resposta não só às famílias de Hugo e Amarildo, mas a todas aquelas que têm sofrido nas mãos da polícia. Os moradores não aguentam mais esse tipo de “paz armada” que lhes foi imposta. Não apenas seu direito de ir e vir está sendo cerceado de diversas formas, como, mais uma vez, seu direito à vida tem sido violado sistematicamente. 
Continuaremos denunciando este estado de coisas. As favelas não podem ser laboratórios de práticas de exceção. As vidas ali construídas merecem ser preservadas e respeitadas. 

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