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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Nota urgente das(os) estudantes negras(os) da Universidade de Brasília - UnB: ENEGRECER A UNIVERSIDADE CONTRA O RACISMO!

Enegrecer a universidade contra o racismo!


Universidade de Brasília, abril de 2014.


Em 03 de abril de 2014 um grupo político chamado Aliança pela Liberdade (gestão do DCE-UnB nos dois últimos mandatos e com cadeiras enquanto Representantes Discentes) foi a única corrente de representação estudantil a votar contra a proposta de manutenção da política de cotas étnico-raciais irrestritas para acesso à Universidade de Brasília. Na votação realizada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão felizmente foram derrotados enquanto posição, uma vez que a manutenção do sistema de cotas irrestritas para negrxs foi aprovada.

Passado este episódio, queremos porém fazer um breve retrospecto das posições da Aliança pela Liberdade sobre a questão:

- Alguns de seus fundadores e membros mais ativos sempre se colocaram pessoalmente contrários às Ações Afirmativas Étnico-Raciais. Fizeram afirmações públicas sobre o tema, participaram de produções audiovisuais e assinaram abaixo-assinados demonstrando esta posição.


- Quase de forma desdenhosa em indiferença inaceitável para com um tema tão central à questão social brasileira, o grupo nunca afirmou publicamente sua postura sobre o assunto. Porém, sempre que teve de se manifestar (em votações, em entrevistas, em debates públicos) sobre questões específicas relativas às Ações Afirmativas, posicionou-se de forma contrária e reacionária. Só recordando, afirmar ser favorável ao cumprimento de uma lei não é determinar sua posição acerca das ações afirmativas.

- Em sua campanha para as eleições para o DCE no final de 2012, citaram inverdades sobre xs estudantes negrxs da UnB. Em resposta, a comunidade organizada dessxs estudantes apoiada por diversos entes, inclusive docentes, lançou a nota: 'JAMAIS EM NOSSO NOME!', que o grupo solenemente ignorou e mais uma vez não respondeu nem se retratou.

- Para justificar sua posição no último CEPE, alegaram estar sob a resposta de uma suposta maioria de estudantes da Universidade de Brasília que se colocaram através de uma 'enquete virtual' (!!!), meio bastante duvidoso e descuidado para se tratar de tema tão complexo.

Para um grupo que diz pautar suas decisões em aspectos técnicos em detrimento aos aspectos políticos, o voto da Aliança pela Liberdade foi um voto extremamente político, pois ignorou um aspecto técnico de suma importância: ao questionarem em sua enquete se os estudantes da UnB concordariam com a manutenção da política de cotas raciais da UnB com a porcentagem de 5% não foi informado que esta posição havia sido proposta em um estudo realizado por uma comissão constituída por professorxs da UnB que analisaram os resultados da aplicação da política de cotas raciais ao longo dos últimos dez anos. Este estudo discute, entre muitas outras coisas, que o percentual de 20% das vagas que deveriam ter sido destinadas aos negros não havia sido atingido por conta de um erro técnico, no qual apenas o Vestibular ofertou vagas de cotas raciais. Como o PAS não reservou suas vagas às cotas raciais, ao final dos dez anos, apenas 15% das vagas totais foram ofertadas para as cotas. Desta forma, o estudo desta comissão concluiu que a UnB deveria manter ao menos o percentual de 5% para repor a porcentagem deficitária. Desta forma, o grupo Aliança pela Liberdade omitiu esta informação dos estudantes que votaram em sua enquete de modo a legitimar sua posição política contrária às políticas afirmativas.

- Apesar da alta representação no CEPE e da responsabilidade como representantes dos estudantes, esse grupo não promoveu nenhum debate profundo e qualitativo dentro da universidade sobre o assunto antes de se posicionar, o que mais uma vez denunciou a indiferença. A carta manifesto EM PROL DE CONTINUAÇÃO E FORTALECIMENTO DAS COTAS NAS UNIVERSIDADES PARA A POPULAÇÃO NEGRA E INDÍGENA!, produzida por articulação negra/indígena da UnB e assinada por centenas de pessoas e entidades do DF e do pais, que foi distribuída e lida durante o CEPE do dia 03, não foi sequer apreciada, citada ou considerada'.- Em nota pública, ao repudiar algumas intervenções diretas de estudantes negrxs que escreveram nas paredes da frente do prédio do DCE UnB apontamentos anti-racismo direcionados à Aliança, com discurso esquivante e indiferente, esta fez apenas colocações generalizantes mais uma vez tratando à base de indiferença o tema do racismo nas gravidades e responsabilidades políticas que evoca ou, evocaria caso houvesse de fato compromisso desse grupo com os Direitos Humanos e Sociais. Mesmo nos compromissos assumidos pelo Brasil em diversos âmbitos legais e técnico-políticos nacionais e internacionalmente, o que assinala a total centralidade do tema, sobre acusações públicas de 'racismo' o grupo não procurou nem ao menos se defender, assim sendo, calando, consentiu e reforçou seu posicionamento. Para completar, agora ameaça criminalizar as intervenções diretas dxs oponentes, punindo-xs com jubilação. Xs estudantes que protestaram com veemência em resposta indignada ante a postura de descaso da 'Aliança' para com o tema da inclusão étnico-racial no Ensino Superior demonstrada na votação do CEPE, não podem ser estigmatizadxs e criminalizadxs, pois: "não se confunde a reação do oprimido com a violência do opressor"!!!!

Compreendemos que um grupo de poder, quando age, demonstra seus valores e crenças. Quando um grupo sistematicamente usa de suas ferramentas de poder apoiando medidas em ataque à população negra através da negação de suas demandas históricas e vivências concretas, este grupo está sendo racista. Quando um coletivo à frente do Diretório Central dos Estudantes não debate publicamente as relações raciais na universidade nem estimula o debate anti-racista, este grupo está sendo conivente com o racismo. Por isso cremos que a "Aliança" atua em contrariedade com o avanço e inclusão da população negra brasileira, e deve ser combatida. Não pode seguir à frente do Diretório Central dos/das Estudantes nem ter tantas cadeiras na representação discente. Suas posições conservadoras devem ser contra-argumentadas, e este grupo deve ser chamado ao debate público e responsabilizado pelas consequências do que assume e deixa de assumir.

Nós, diversxs estudantes negros e negras organizadxs da UnB, compromissadxs e devidamente embasadxs, repudiamos atitudes racistas por ação ou por omissão, sejam atitudes declaradas e/ou veladas. Nossos corpos, memória e comunidades percebem e recebem ataques deste tipo a todo instante e isso não é abstrato, é fatal. Quando avançamos, é comum sermos chamadxs de exageradxs, paranóicxs, caluniadorxs. Sabemos, com serenidade, que o resultado concreto de nossa luta é nossa liberdade, e nada mais. Seguiremos em luta contra todas as formas de racismo em nosso meio. Seguiremos em marcha para tornar a universidade brasileira cada dia mais negra, indígena, popular. Verdadeiramente diversa por incluir e afirmar o que e quem sempre foi injustamente negado, nós. Justiça Histórica! Universidade do povo! Tanto em seu público como em sua forma de pensar, agir e se organizar.


Carta-manifesto da parte de estudantes negrxs organizadxs da UnB ante às posturas do grupo Aliança Pela Liberdade. 

Subescrevem esta carta:

· Círculo Palmarino - RJ

· Frente de Negritude Coletivo Maracatu Atômico - DF

· Coletivo Negro João Cândido - BR

· Quilombo Cultural Malunguinho - PE

· NJAMBA - Coletiva Popular de Mulheres Negras

· Nosso Coletivo Negro - DF

· Rede Mocambos - BR

· Fórum de Juventude Negra - FOJUNE DF

· Casa das Matas do Reis Malunguinho – PE.




O CASTELO DE OXUM - Um filme de Luiz Arnaldo Campos


O filme O CASTELO DE OXUM foi produzido pra Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro no projeto "Quilombo - Prevenção e Promoção de saúde em DSTs/Aids nas Comunidades de Candomblé e Umbanda no estado do Rio de Janeiro". Um filme de Luiz Arnaldo Campos com - Janaína Moreno / Marcos Serra / Alê Freytas / Mustafá. Participação especial: Ogam Jorge Zulu e Ogan Betinho. Assista o trailer:


Fonte: NinhaMoreno.

O que significa gritar: Não vai ter Copa?



Melhora social, Manifestações e Democracia

“Bem agora que o Brasil começa a melhorar um pouco, vem estes grupos com idéias estranhas criar confusão na rua. A gente não quer que as coisas vão por água abaixo”. Esta linha de pensamento, compreensível e legítima, está na boca de muitas mães, pais e jovens trabalhadores deste país. As imagens de protestos, editadas pelas grandes emissoras de televisão para confundir e assustar, cumprem bem sua tarefa e deixam a população confusa e assustada. A apreensão neste momento não é apenas sobre ser contra ou a favor da Copa, gritar que vai ou não vai ter, mas é sobre a estabilidade política do Brasil. Neste momento em que o Brasil parece se aproximar do sonho da classe média própria, estes protestos não colocariam tudo a perder?

Talvez seja possível responder a esta questão com uma pequena mudança de palavra. Não: “existem manifestaçõesapesar da melhora social”, e sim: “existem manifestações porque há melhora social”. O protesto é efeito da melhora social. O miserável, aquele que se preocupa cotidianamente com alimentação e moradia, raramente tem tempo para compreender as agentes responsáveis por sua situação e disposição para se colocar contra eles. Quando há, no entanto, um pequeno respiro nesta situação dramática – como a recente microascenção social das classes miseráveis no Brasil, devido aos programas sociais do governo petista na última década -, surge a possibilidade de tomada de consciência e insurreição. O trabalhador que lutava pela subsistência passou a ter tempo para pensar.

A história do Brasil não traz muitos exemplos de vida democrática. Depois de quase quatro séculos de escravidão, passamos por ditaduras militares e regimes democráticos com pouca ou nenhuma representatividade popular. Não tivemos muitas oportunidades de aprender que manifestações, passeatas, protestos e gritos de ordem não são sinais de crise democrática, mas sintomas de maturidade democrática. O que é típico de regimes totalitários é a falta de manifestações, não o “excesso”. As manifestações revolucionárias são a exceção que busca justamente restabelecer a regra: a normalidade das manifestações em regimes legítimos. A manifestação é o diálogo da população com seus representantes. A manifestação é diálogo e disputa entre diferentes grupos e posições políticas dentro de uma sociedade. Estanho à vida democrática é não protestar, não demonstrar, não disputar publicamente opiniões em relação à vida coletiva da sociedade.

Do “Vai, Corinthians!” ao “Não vai ter Copa!”

Em uma das repetidas falhas na linha vermelha do Metro de São Paulo, usuários espontaneamente tomaram os trilhos e gritaram, entre outras palavras de protesto, “Não vai ter Copa!”. Em entrevista, uma das moradoras violentamente removidas da Favela da Telerj pela PM-RJ disse: “Eles preferem investir em estádios do que em moradia. Mas não vai ter Copa”. No Segundo Ato Contra a Copa do Mundo em São Paulo, após prisão coletiva, violenta e ilegal, da PM-SP, um jovem preso por braçadeira de plástico olhou firme para o policial que o prendeu e disse: “A partir de hoje, pode ter certeza, vou fazer de tudo para essa Copa não acontecer”. Como explicar que os gritos e mantras sociais afirmativos, usados a esmo em quase qualquer situação como “Vai, Corinthians!” ou “Salve a seleção!”, sejam trocados pelo grito negativo, usado nas mais diversas situações, de “Não vai ter Copa”? Como explicar que o grito radical, vindo das manifestações que se iniciaram em Junho do ano passado, ecoe agora na voz heterogênea daqueles que se sentem oprimidos pela ação do estado? E o que significa este grito, além da oposição óbvia ao financiamento público do megaevento privado? Além da Copa, ao que dizem “Não!” aqueles que gritam?

Para tentar entender estas questões, é importante considerar as manifestações contra a Copa como herdeiras diretas das manifestações de Junho. Apesar do caráter plural daqueles protestos, além de uma pequena direita golpista que via equivocadamente nas ruas a única oportunidade de derrotar a hegemonia partidária do PT, a quase totalidade das exigências se baseava na péssima qualidade ou simplesmente ausência de serviços públicos. O estopim paulisto-fluminense incendiou todos os lugares do país que reconheciam a discrepância entre preço pago e serviço público recebido. Dentro de alguns meses, a revolta indiscriminada geral se depurou em crítica ao que se julgou causa do problema: privatizações, concessões e parcerias público-privadas, em conjunto com a corrupção. Após governo e empresas cederem provisoriamente (ou apenas aparentemente), após a presidenta da República prometer soluções através de pactos, após a presidenta prometer em rede nacional que nenhum dinheiro público seria utilizado na construção de estádios e que o dinheiro emprestado seria completamente devolvido, as manifestações se acalmaram na maior parte do país, com inspiradora exceção do Rio de Janeiro.

Talvez a história do Brasil dê exemplos de sobra nos quais a população se esqueceu das pautas e das promessas. Dois mil e quatorze, ao que tudo indica, apresenta uma mudança ou pelo menos uma exceção neste histórico. Quando ficou claro que as ações governamentais (federais, estaduais e municipais) seriam apenas paliativas e não transformações estruturais e positivas nos serviços públicos do país, quando os preços das passagens voltaram a subir, quando a repressão policial voltou a ser a principal causadora de violência nas manifestações, as condições de Junho, e seu chamado às ruas, ressurgiram.

Posições políticas acerca da Copa

A oposição de direita ao governo federal fica indecisa em relação à Copa. Todos querem enriquecer, aparecer sob os holofotes, quem sabe, arranjar um parceiro gringo e finalmente escapar do país. Alguns já fizeram investimentos grandes e acreditam que farão o lucro de suas vidas: trinta dias de comércio para trinta anos de bonança. Não tem como dar errado. Há menos, claro, que as manifestações tornem a situação insustentável a ponto de o evento ser cancelado ou de os turistas resolverem não vir. Diante desta possibilidade, o empresário direitista fica em dúvida: o lucro da Copa ou o efeito negativo sobre o governo do PT?

O governo, por sua vez, usa argumento semelhante àquele inicial: o país tem se desenvolvido e a desigualdade social diminuído. A Copa, agora, pode não ser a melhor das idéias (ou, pode ser uma “roubada, como disse o governador petista Tarso Genro), mas ela é apenas um mal necessário para a continuação do desenvolvimento nacional. Seu lucro não irá para a maior parte da população, em geral irá apenas para as grandes empreiteiras e empresas de turismo, mas é dinheiro que entra no país. Os protestos, neste sentido, sabotariam o momento positivo pelo qual o país passa, gerando instabilidade política e favorecendo setores conservadores da política.

A oposição de esquerda gostaria, portanto, de responder ao governo lembrando que este argumento já foi utilizado em campanhas eleitorais no Brasil especificamente contra o PT: no histórico debate entre Collor e Lula de 89, por exemplo, a tônica inteira de Collor era a de que Lula e o PT traziam idéias estranhas, comunistas, avessas ao povo brasileiro, que buscava ordem depois da redemocratização e da recém-conquistada Constituição de 88. Doze anos depois, José Serra utilizava a mesma retórica contra Lula: depois de superada a inflação, o Brasil entrava em uma fase de estabilidade e as estranhas idéias (que neste momento já se resumiam à resquício histórico, como deixou clara a Carta aos Brasileiros) de Lula e do Partido dos Trabalhadores poderiam colocar tudo a perder. O risco-Brasil que subia com medo da popularidade de Lula ganhou o nome de risco-Lula: o risco de que se o novo surgisse, tudo iria por água abaixo.

A parte progressista do petismo, hoje minoritária, deveria entender que eles também são responsáveis por esta tomada coletiva de consciência que parece se iniciar, que estas lutas são reflexo direto do que o petismo foi; e não satanizar as manifestações com a chantagem de que gritar “Não vai ter Copa” é o jogo da direita. O jogo da direita, não há dúvida, é o jogo da Copa, sua realização como lucros gigantescos e concentrados em alguns poucos, e a conta dividida para todos como sempre se fez no Brasil. Para parafrasear um ex-petista, o grito “Não vai ter Copa” é mais petista, no sentido histórico, do que o próprio governo do PT. Com isto não se diz que o petismo é solução, nem o velho, como ficou claro, e menos ainda o novo, apenas fica clara sua contradição em relação à Copa e às últimas manifestações.

Por que gritar “Não vai ter Copa”?

Ir para as ruas contra a Copa é denunciar a ausência de um instrumento de fiscalização e expressão popular e, ao mesmo tempo, criá-lo. Somos acostumados a ver as decisões da vida política através das telas. A participação política da população tem se resumido ao ritual bianual de eleição. Todas as decisões, a partir daí, são tomadas em salas fechadas entre vendedores e compradores. Ao tomar minimamente consciência da situação a população se vê diante de uma crise de representatividade: Cairo, Madri, Nova York, Atenas, Kiev, São Paulo, Rio de Janeiro e diversas outras cidades do mundo vêem-se confrontadas, de diferentes maneiras e com diferentes soluções, pela mesma questão: a minoria para a qual emprestamos nosso poder (“O poder emana do povo”, diz o primeiro artigo de nossa Constituição) não representa os interesses do coletivo, mas os seus próprios. Isto tem sido dito com diversos slogans e em diversas línguas. No Brasil, neste momento, isto é dito sob a reivindicação: Não vai ter Copa. Reivindicação, e não apenas “ameaça”, como querem entender alguns. Não se trata de uma minoria alucinada, descolada da realidade do povo, que se utilizará de todos os meios para impedir o torneio. A tarefa não é esta. Trata-se da continuação de um processo histórico amplo que envolve todos aqueles que não se sentem representados por este sistema político-econômico. Os símbolos mais evidentes desta luta são, neste momento, os operários mortos pela pressa irresponsável na construção dos estádios, os duzentos mil que serão removidos por obras da Copa e Olimpíadas, o ataque à soberania jurídica do país, os violentados pela polícia e pelo exército que higienizam à bala a imagem das cidades-sede. O grito de “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” é na verdade uma resposta ao que tem sido a prática do estado: só vai ter Copa Padrão FIFA se não tiver direitos. Estes símbolos despojados, todos nós, remetem à si mesmos e à exploração do povo pelas elites políticas e econômicas, aqui e no resto do mundo. Deste ponto de vista, considerando a amplitude internacional do evento, o grau de corrupção e poder da empresa privada envolvida, a FIFA, e a conjuntura mundial de levante: a luta contra a Copa do Mundo é uma das mais importantes disputas políticas de nosso momento histórico.

Os argumentos chantagistas de que os investimentos já foram feitos e que cancelar a Copa agora traria ainda mais prejuízo querem esconder com termos econômicos o que na verdade é questão política. Os lucros da Copa sempre foram planejados para todos: aqueles que tem uma empreiteira, uma rede de hotéis ou a própria FIFA. O estado brasileiro não lucra com a Copa. Os investimentos públicos que o governo diz voltar em empregos e através do já mítico turista da Copa poderiam ter sido investidos em diversas outra áreas, criando outros empregos que não desaparecerão depois de Junho ou trazendo turistas que não estão historicamente interessados em turismo sexual. O lucro eleitoral é o que interessa aos governos e o lucro econômico é o que interessa às empreiteiras, hotéis e FIFA. Ao povo brasileiro resta a conta para pagar. Mas mesmo se houvesse algum lucro para o estado, a questão neste momento não é de ganho econômico, mas político. Um jornal alemão, recentemente, escreveu um artigo agradecendo aos manifestantes brasileiros por serem pioneiros em se colocar contra a FIFA. O não acontecimento de uma Copa da FIFA por determinação da população organizada seria um ganho político (para evitar o termo “lucro”) incalculável, histórico e de impacto internacional, neste momento em que diversos povos questionam seus representantes. O único aspecto negativo deste acontecimento seria para as megacorporações como a FIFA, que chegam a países subdesenvolvidos e dobram as leis e interesses locais às suas normas de lucro. O “Não vai ter Copa” inclui, não apenas do ponto de vista dos patrocinadores, mas de um ponto de vista sistêmico, o “Não vai ter Coca”, “Não vai ter Itaú”, “Não vai ter Monsanto”, “Não vai ter Black Water”, “Não vai ter imperialismo”, “Não vai ter neocolonialismo”, no limite, “Não vai ter o que não for de interesse do povo”.

A festa legítima do povo brasileiro não é a Copa. Nossa paixão pelo futebol não é aquela dos estádios cada vez mais elitizados. Nossa paixão não é a da festa dos gringos, aquela para a qual somos aceitos apenas como garçons que circulam distribuindo taças de champanhe e que se retiram ao fim da festa para devorar os restos num canto da cozinha. A festa legítima do povo é aquela celebrada, por exemplo, com gritos de que a vontade popular foi mais forte e que não houve Copa (como com a Colômbia em 1986 ou a Suécia com os Jogos de Inverno de 2022), que a Democracia voltou (como em 1985), que a guerra terminou (antes e depois de John Lennon). Gritos que celebram o retorno do poder popular, principal palavra de ordem desde Junho, ao povo e a sujeição dos representantes a ele, e não aos interesses do 1% da Bovespa e de Wall Street. Diante da grandeza e importância desta tarefa, é quase irrelevante o fato de acontecer ou não uma Copa precária como essa que se desenha: o que importa neste raro momento de tomada coletiva de consciência é a tomada de posição e a construção, para aquelas lutas ainda maiores.

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* Tomaz Amorim Izabel é professor e mestre em Teoria Literária pela Unicamp. Doutorando em Literatura pela USP.

Fonte: Negrobelchior.

Cinema negro brasileiro ocupará tela em Cannes 2014

Imagem do filme O dia de Jerusa/Foto: Léo Guma

Durante estes dias de feriadão, acessei muitas matérias que falavam sobre o Festival de Cannes, que se aproxima. Uma frase, chamou-me a atenção, exposta de forma contundente em vários textos: "Nenhum filme brasileiro em Cannes". Entendo que tal frase, refere-se ao quesito de filmes que irão concorrer aos prêmios.

Porém, isto deixa-me a sensação de quanto a nossa grande mídia ainda peca em não abordar de forma adequada, produções como "O dia de Jerusa", de Viviane Ferreira, e o "The Summer of Gods", de Eliciana Nascimento. Os dois filmes serão exibidos em Cannes 2014, dentro da programação de curtas e isto significa que é uma grande conquista de duas diretoras negras brasileiras.

Que verdadeiros espaços se abram num processo mais plural.

Confira mais sobre "O dia de Jerusa" pelo facebook:

Crônica de uma morte anunciada: como o dançarino Douglas filmou sua execução em 2013


A morte do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG, foi anunciada por ele mesmo em 2013, em mais uma prova cabal de que a vida imita a arte. DG foi o personagem principal de um curta metragem chamado “Made In Brazil”. Está disponível no YouTube e você pode vê-lo acima.

Douglas faz o papel dele mesmo. Sai de uma partida de futebol de praia em Copacabana e vaga pelas imediações da favela Pavão-Pavãozinho. Passa em frente a uma creche, fala com moradores, ajuda uma mulher a levar sacolas de compras morro acima, toma um passe de um pastor evangélico. Até que há um tiroteio. Ele é abordado por PMs que o agridem e, afinal, o executam com um tiro na nuca. A ideia do diretor Wanderson Chan era contar uma história sobre “os nossos problemas sociais em paralelo com a euforia da Copa”.

A realidade acabou por dar ao filme despretensioso um caráter transcendente. O corpo de DG, você sabe, foi descoberto na escadaria daquela creche. Segundo o IML, ele teve uma “hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante do tórax. Ação pérfuro-contundente”. Leia-se tiro. O secretário de segurança do Rio, Beltrame, declarou que não descarta uma “possível culpa de PMs”.

A mãe de Douglas, Maria de Fátima, crê que houve tortura. “Eu fiquei com o corpo do meu filho até as 3h30 da madrugada e vi que ele tem um afundamento no crânio, um corte no supercílio e está com o nariz roxo. Eu acredito que mataram ele. Tenho certeza que ele foi torturado pelos policiais da UPP”, disse.

“Crônica de Uma Morte Anunciada”, de García Márquez, começa assim: “No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo”. No livro, Santiago é acusado de desonrar Ângela Vicário. Toda o vilarejo fica sabendo que o pior está a caminho, mas Santiago segue adiante para cumprir seu destino pelas mãos dos irmãos gêmeos de Ângela.

Maria de Fátima diz que pessoas registraram em vídeo o ataque a seu filho. Pediu a elas que tenham a coragem de divulgar as imagens. Talvez os vídeos não existam, mas não é necessário. “Made In Brazil”, feito um ano antes da morte de Douglas, explica muito sobre a morte e a vida de Douglas. Assista:



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Sobre o AutorDiretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

"Justiceiros" torturam jovem com fios de energia elétrica

Justiceiros voltam a agir. Agora, em Minas Gerais. Jovem suspeito de furto foi amarrado de cueca a poste e açoitado com fios de energia elétrica


Um rapaz suspeito de praticar furtos foi amarrado de cueca a um poste por populares e torturado com fios de energia elétrica. Foto: Jornal Diário de Aço

Na última quinta-feira (17), foi registrado, em Ipatinga, Minas Gerais, mais um caso envolvendo “justiceiros”. Um jovem, suspeito de furto, foi amarrado a um poste e açoitado com fios de energia elétrica por moradores da região.

Para o advogado Ariel De Castro Alves, fundador da Comissão Especial da Criança e Adolescente do Conselho Federal da OAB, os seguidos casos precisam ser punidos. “Estes fatos precisam ser coibidos, o poder público precisa prender essas pessoas que acham que estão fazendo justiça com as próprias mãos.”

De acordo com ele, há fatores que podem incentivas esse tipo de comportamento. “Tem vários programas sensacionalistas do final da tarde que incitam e fazem apologia a essa violência, é necessário que haja uma atuação do poder público no sentido de não permitir essa apologia”, aponta.

Em um vídeo reproduzido em uma emissora local, o rapaz é obrigado a gritar que nunca mais vai “roubar no morro”, enquanto é açoitado. Nenhum dos justiceiros foi identificado pela Polícia Militar, que chegou ao local após as agressões. Em depoimento, o jovem afirmou que não conseguiria reconhecer as pessoas que o lincharam e, mesmo que pudesse, “não diria.”

“Em muitas vezes, esses fatos contam com a conivência das autoridades, que nunca punem esses agressores. Mas a polícia e a Justiça precisam entender que isso só ocorre porque há um descrédito da população nessas instituições”, analisa Castro Alves, para quem a impunidade estimula os novos linchamentos.

O jovem, de 18 anos, foi levado ao hospital para receber cuidados médicos e foi liberado em seguida.


Igor Carvalho, Fórum

Polícia é acusada de assassinar dançarino Douglas Rafael

Tenho certeza que ele foi torturado', diz mãe de dançarino achado morto no Rio de Janeiro. Corpo de Douglas Rafael da Silva Pereira, foi encontrado em uma creche do Morro Pavão-Pavãozinho. Policiais são suspeitos do crime


Maria de Fátima Pereira, mãe de Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG dançarino do programa "Esquenta", acredita que o filho encontrado morto nesta terça-feira em uma creche da comunidade do Morro Pavão-Pavaozinho, em Copacabana, na Zona Sul do Rio, foi torturado antes de morrer. "Tenho certeza que ele foi torturado. As pessoas dizem que ouviram gritos e muitos moradores da comunidade já falaram isso", declarou ela na manhã desta quarta-feira.

A dona de casa acredita que DG tenha sido torturado por policiais já que o rapaz foi encontrado com afundamento do lado direito do crânio, um corte no supercílio direito, machucado no nariz e marcas nas costas."Ele foi achado em posição como se tivesse lutando", disse. Maria também contou que DG foi encontrado sem os documentos e sem R$ 800. A carteira de identidade e o passaporte só apareceram na 13ª DP. "Os documentos dele estavam molhados assim como ele", falou.

Ainda de acordo com Maria de Fátima, há cerca de dois anos, quando ainda trabalhava como mototaxista, DG teve o veículo apreendido pelos PMs. "Os policiais encheram o tanque da moto dele de areia", contou a mãe. Dias depois, a moto foi furtada. Um morador contou à família que a moto foi levada numa picape pelos próprios policiais da UPP.

Para Maria de Fátima, a última imagem que vai ficar de seu filho é a lembrança dele vestido de coelho no especial de Páscoa do programa "Esquenta", onde Douglas distribuiu chocolate para as crianças e dançou alegremente. O corpo de DG será velado nesta quarta-feira, às 17h. O enterro está marcado para às 15h de amanhã, no cemitério João Batista, em Botafogo.
Protesto interditou a Avenida Nossa Senhora de Copacabana por mais de cinco horas

Revoltados com a morte do dançarino, moradores do Pavão-Pavãozinho, fecharam na última terça-feira, por volta das 17h, as principais ruas do bairro e fizeram barricadas ateando fogo em objetos. O medo se espalhou pelo bairro. A PM foi chamada, e houve tiroteio. Um homem de 30 anos foi encontrado morto num campo de futebol na favela, e um adolescente de 13 anos, identificado apenas como Mateus, baleado na cabeça. Centenas de pessoas ficaram na rua sem conseguir voltar para casa.

De acordo com a PM, o policiamento foi reforçado na favela com efetivo de diversas UPPs, do 23º BPM (Leblon), 19º BPM (Copacabana), batalhões de Operações Especiais (Bope) e de Choque. O acesso ao metrô pela Rua Sá Ferreira da Estação General Osório foi fechado, assim como o Túnel Sá Freire Alvim, que liga as ruas Raul Pompeia e Barata Ribeiro. O tráfego precisou ser desviado pela Rua Miguel Lemos. A Avenida Nossa Senhora de Copacabana só foi liberada por volta das 23h30.

A confusão começou logo depois que o corpo de Douglas foi encontrado dentro da creche Menino de Luz, na comunidade. Moradores acusam policiais de terem matado o dançarino. Segundo eles, houve um tiroteio na madrugada de ontem entre PMs e traficantes. Douglas teria pulado um muro da creche para fugir do confronto e despencado de uma altura de sete metros. Mas familiares acreditam que o dançarino tenha sido agredido por PMs durante a confusão.
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Em nota o deputado federal do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, também se manifestou a acerca do caso:

Hoje, 23 de abril, o laudo do IML atestou que o dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, um rapaz de apenas 25 anos, dançarino do grupo Bonde da Madrugada, que faz parte do programa "Esquenta", morreu devido à hemorragia interna provocada por um objeto transfixante, que perfurou o seu pulmão, talvez um tiro. Ainda de acordo com o laudo, o rapaz sofreu corte no supercílio, afundamento no crânio e soco no nariz.

Até então, a versão oficial da polícia é que Douglas fora encontrado morto dentro de uma creche, após cair ao tentar pular o muro. A versão de alguns moradores já acusava a morte violenta por espancamento. Douglas engrossa o número de jovens negros da periferia, das comunidades, que são mortos e encontrados mortos dia após dia, em um Estado que negligencia parte de sua população. Jovens anônimos em sua quase totalidade, invisibilizados pelo senso comum que associa diretamente a pobreza à violência.

Um senso comum alimentado por uma política de guerra às drogas que atinge apenas os mais pobres, os mais jovens, e em especial, os jovens pobres e negros. Uma política que esconde execuções sumárias, como o caso de Amarildo, bastando apenas relatar tais mortes como "autos de resistência". Quem se preocupará em investigar?

Após a morte de Douglas, moradores foram às ruas em protesto e assistimos a mais violência: durante a manifestação um homem foi morto com um tiro na cabeça. As versões, como sempre, são conflitantes, o que fica realmente desta história é a lembrança diária e amarga do alijamento de tantas pessoas dos direitos civis básicos que deveriam ser garantidos a todos os cidadãos, como a segurança pública, por exemplo. O que fica é a perda. A perda de um jovem inocente, de um dançarino dedicado e sonhador, de um pai de uma menina de apenas 4 anos, do filho de uma mãe que terá de lidar com a dor da perda de seu filho, como tantas mães de tantos Douglas mortos, assassinados, anônimos.

Enquanto o Estado não assumir sua parcela de responsabilidade, se prestando à discussão séria e não-eleitoreira, que passa diretamente pela revisão da política de combate às drogas, do fim da marginalização, da presença real dos serviços do Estado nas comunidades, continuaremos presenciando massacres diários como este, seja por parte das polícias, seja por parte do crime organizado, que funciona com a conivência do próprio Estado às custas da corrupção de seus agentes públicos.