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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Política nacional para saúde da população negra traz avanços, porém precisa ser mais divulgada


Política nacional para saúde da população negra traz avanços, porém precisa ser mais divulgada

Por Emídia Felipe, 
Há seis anos, a questão racial tem recebido mais atenção quando se fala em saúde. Desde 2009, quando o Ministério da Saúde começou a implementar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), diversos avanços foram alcançados, como campanhas focadas nos profissionais e coleta de dados específicos. No entanto, para representantes de movimentos sociais e pesquisadores, é preciso maior divulgação e consistência nas ações para que o preconceito pare de afetar o atendimento e o tratamento de pacientes.

Kátia Souto, do Ministério da Saúde, afirma que tema foi melhor
 pautado em 2014  (Imagem: Karina Zambrana/SGEP-MS)
Com gestão compartilhada entre os municípios e os governos Federal e Estadual, a PNSIPN tem como meta principal o esforço para “reverter as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional que funcionam como determinantes sociais das condições de saúde dessa população”, como esclarece o Ministério da Saúde (MS).“O Ministério da Saúde compreende que o racismo esta presente na sociedade brasileira como um todo e, por tanto também está presente no SUS. Sendo o racismo institucional diretamente ligado à forma como a sociedade está estruturada e com a falta de reconhecimento da cidadania plena da população negra, impedindo-a de acessar integralmente bens e serviços, sendo que essa realidade também se expressa na saúde” diz a coordenadora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa (Dagep), do MS, Kátia Souto.

Para ela, entre as principais conquistas da política estão a criação de uma capítulo dedicado à saúde dentro do Estatuto da Igualdade Racial; a pactuação do 2º Plano Operativo na Comissão de Intergestores Tripartite, que tem por objetivo estabelecer estratégias de aplicação desta política; e a campanha Não fique em silêncio – Racismo faz mal à saúde. “O Ministério teve a coragem de pautar esse tema em 2014, ano em que ocorreram vários casos de racismo no País e no mundo, especialmente no esporte”, destaca Kátia Souto. Ela lembra que campanha sensibiliza profissionais e usuários do SUS e faz o alerta de que a discriminação racial muitas vezes contribui para o processo de adoecimento, e que ela também se reproduz nos espaços de saúde do SUS.

Além da questão do preconceito, a população negra tem necessidades especiais de saúde. Doenças como diabetes, hipertensão arterial e miomas são mais comuns entre negros. Por isso, outros aspectos da PNSIPN são importantes, como o incentivo à pesquisa e à coleta de dados que possam basear novas ações. Informações da Secretaria de Vigilância em Saúde, por exemplo, mostram que em 2013, o coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase na população negra (pretos e pardos) foi de 20,6/100 mil habitantes, representando um total de 21.645 casos novos. Já entre os não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 17,8/100 mil habitantes (8.711 casos novos).

Para Ângela Brito, da Faculdade de Medicina de Alagoas,
 é preciso dar mais visibilidade à política de saúde da população negra

Ajustes necessários

A professora Ângela Maria Benedita Bahia de Brito, da Faculdade de Medicina de Alagoas reafirma o papel importante da PNSIPN. No entanto, para ela, é preciso dar maior visibilidade às mensagens e às ações dessa política. “Essas abordagens necessitam ser mais eficientes, firmes e constantes. O racismo está presente todos os dias, todas as horas”, lembra a pesquisadora e militante. 

Entre outras experiências com a difusão desse conhecimento entre profissionais de saúde, Ângela Brito exemplifica com um caso que ocorreu na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, onde é oferecida a disciplina eletiva no Mestrado profissional Raça, racismo institucional, ensino a práticas na saúde. “Apresentei a PNSIPN e durante a discussão citei a campanha do SUS com a visualização do cartaz. A turma composta de enfermeiras, assistentes sociais e outras ocupações profissionais, inclusive lotadas no hospital universitário, não tinham conhecimento do fato”, conta.

Posição semelhante à da pesquisadora, militante e editora do blog População Negra e Saúde, a enfermeira Emanuelle Góes. Ela também acompanha a PNSIPN e concorda com o impacto benéfico, afirmando que os movimentos sociais têm sido incluídos nas discussões. “O que observo que há uma oscilação da implementação da política”, explica. O exemplo que ela dá é de um caso que considera emblemático: “Em um município como Salvador, onde a política parecia consolidada (foi o primeiro município a implementar e produzir ações com resultados de impacto), hoje parece que nem existe, parece que se esvaiu”, revela. Em contrapartida, relata a enfermeira, em estados do Sul do Brasil os ganhos têm sido mais constantes.

Setor privado

Outro desafio, que vai além da PNSIPN no âmbito do SUS, é a rede privada. Para Ângela Brito, nesse ambiente a população negra é ainda mais afetada, seja com o preconceito ou com omissão de dados importantes para mapeamento das doenças que afetam mais a raça. “Nas unidades particulares o racismo se apresenta mais cruel e discriminatório”, ressalta a pesquisadora, que fala sobre outra situação, desta vez no Projeto Glaucoma, desenvolvido pelo SUS em clinicas oftalmológicas. “Embora a doença seja prevalente da população negra, o projeto não é voltado, especificamente, para ela. O que mais chama atenção é a não declaração do quesito cor. Como faço parte desse projeto, questionei a atendente, ao preencher a ficha, e ela disse ‘não ser necessário, porque ele sabem que a maioria é negra’. Acredito que esses ‘pequenos’ detalhes irão fazer a diferença nos dados estatísticos”.


No serviço de saúde particular, as questões questões 
discriminatórias ligadas à raça são ainda mais complexas,
 segundo Emanuelle Góes
Emanuelle Góes diz que ainda é complicado ter acesso e identificar questões discriminatórias ligadas à raça em um serviço privado, por isso as informações sobre este assunto são de difícil acesso. Contudo, também chama a atenção para a não determinação da cor do paciente na rede particular. 

Para ela, esse comportamento também está ligado a uma desconexão entre público e privado na saúde. “A questão são os limites e os interesses primeiro da negação do racismo, tanto no espaço público ou privado, e segundo a esfera privada não se sente parte do SUS e não se sente obrigada a seguir as políticas do SUS, a não ser quando tem a ver com financiamento/recurso. Pelo menos essa é a minha sensação”, opina a pesquisadora.

Para ambas as militantes, em todas as questões envolvidas é necessário que a PNSIPN chegue de modo mais amplo e claro aos profissionais e aos pacientes. “A política ainda precisa alcançar a ponta, as pessoas, as comunidades de forma efetiva. Precisa descer e chegar e fazer parte da rotina do atendimento e do cuidado”, comenta Emanuelle Góes. “O que realmente nos falta é a divulgação dessa política para a população, de forma geral, nos meios de comunicação. Não só na mídia especializada, mas em meios mais populares. Sei que é difícil tarefa, mas é necessário que o assunto seja “popularizado” e, aí sim, discutido”, completa Ângela Brito.

Confira o vídeo oficial da campanha de enfrentamento de racismo no SUS:

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