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terça-feira, 2 de julho de 2013

Carta das Mães de Maio à Presidente Dilma Rousseff





Estado de São Paulo, 23 de Julho de 2012

Cara Senhora Presidenta Dilma Vana Rousseff,

Escrevemos daqui de dentro da guerra. Escrevemos neste momento em meio a uma nova onda de violência policial no estado de São Paulo, que já vitimou cerca de 200 pessoas nesses últimos dois meses, sobretudo jovens pobres e negros moradores da periferia, fazendo-nos reviver os Crimes de Maio de 2006. Escrevemos sob esta situação de tensão e de pressão limites, para além de cidadãs paulistas, como cidadãs e cidadãos brasileiros, que temos o direito de recorrer à Presidência quando os agentes e as instâncias estaduais todas insistem em se mostrar surdas e mudas frente a nosso clamor pela vida. E persistem cometendo barbaridades contra a sua própria população. Contra nós.

Não é a primeira vez que recorremos à Presidência da República, embora das vezes anteriores nós não tenhamos recebido ainda qualquer resposta dos Senhores… Ocorre que não podemos esperar mais, porque estamos tratando de milhares de vidas que se foram; de centenas de vidas que poderiam ter sido salvas se algumas das medidas abaixo tivessem sido efetivadas; e de outras tantas que poderão ser poupadas caso alguma atitude seja tomada urgentemente. Sem mais delongas, afinal a Senhora já foi vítima do estado e entende bem quando falamos de pressão-limite e de urgência, de modo que listamos abaixo alguns dos encaminhamentos emergenciais que gostaríamos de explicar pessoalmente à Senhora e aos Senhores da Presidência, e ver sair do papel urgentemente:

1 – Pedimos, em caráter emergencial, o acompanhamento político e jurídico por parte da Esfera Federal (Presidência, Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Justiça, Ministério Público Federal, Defensoria Pública Federal e CNJ) da atual Crise de Segurança Pública no Estado de São Paulo, que já vitimou mais de 200 pessoas ao longo destes últimos dois meses. Todas as principais esferas executivas e jurídicas do estado de São Paulo têm demonstrado, recorrentemente, desde os Crimes de Maio de 2006, sua incapacidade de lidar com crises de segurança pública como esta de 2012, a exemplo do que já tinha ocorrido em Abril de 2010 e Maio de 2006, dentre outros momentos.

2 – Queremos um parecer definitivo da Presidência da República sobre o Pedido de Deslocamento de Competência, a Federalização das Investigações dos Crimes de Maio de 2006, requerido por nosso movimento há mais de 2 anos (em Maio de 2010). Naquela ocasião dos Crimes de Maio de 2006, foram mais de 500 mortes no curto período de cerca de 1 semana – mais pessoas assassinadas do que os já terríveis números de mortos e desaparecidos dos 20 anos de Ditadura Civil-Militar brasileira, no entanto praticamente TODOS os casos de 2006 seguem arquivados. Precisamos saber qual foi o resultado efetivo – se houve algum – da Comissão Especial “Crimes de Maio”, criada pelo ex-Ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi dentro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Comissão que, passados quase 2 anos de trabalho, não nos deu ainda nenhum parecer detalhado;

3 – Queremos também um encaminhamento efetivo no sentido de abolir definitivamente os registros de “Resistência Seguida de Morte”, “Auto de Resistência” e afins em todo país – essa verdadeira “licença para matar” inconstitucional usada a torto e a direito por policiais assassinos em todo país. Conforme já estava previsto no PNDH-3, é preciso urgentemente se abolir o artigo 329 do Código Penal, e melhorar profundamente o artigo 292 do CP. A exemplo de qualquer outro cidadão brasileiro, a investigação de todas as mortes violentas provocadas por agentes do Estado deve ser tratada como casos de homicídios (dolosos ou culposos).

4 – É preciso se criar urgentemente uma Política Nacional voltada para os Familiares de Vítimas da Violência do Estado. Uma Política que aponte diretrizes de Amparo, Proteção, Assistência Psico-Social, Reparação (Material e Psíquica) e Indenização a todos os Familiares Diretos que são Vítimas Colaterais e Conexas da Violência do Estado;

5- Pedimos que o CNJ passe a acompanhar, junto à Defensoria Pública, os seguintes casos de mortes violentas relacionadas aos períodos dos Crimes de Maio de 2006; Crimes de Abril de 2010; a Matança de MCs na Baixada Santista; e os Crimes de Junho/Julho de 2012 no estado de São Paulo;

6- Para além da situação em São Paulo, é preciso a urgente Efetivação e Fortalecimento de todas as Defensorias Públicas Estaduais – sobretudo o caso de Santa Catarina, bem como o Fortalecimento e Maior Atuação Estadual da Defensoria Pública Federal;

7 – Julgamento e punição também para oficiais superiores, superiores hierárquicos, autoridades da segurança pública e do sistema prisional, responsáveis pelos agentes do Estado que cometeram ou cometem abusos, tortura e execuções sumárias;

8 – Também é preciso a Efetivação real do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e por Ouvidorias Policiais externas, com participação e controle da população; Controle externo da polícia e do MP por organismos da sociedade civil;

9 – Ampliação de espaços, efetivamente democráticos e populares, com poder deliberativo, para aumentar o acompanhamento, fiscalização, transparência e controle da população em relação à atuação do Ministério Público, Desembargadores e Juízes;

10 – Revisão dos critérios, divulgação e informação para formação do Júri Popular, de modo que represente efetivamente a sociedade (que em sua maioria é mulher, pobre e não branca) e seja corretamente informado e motivado;

11 – Contra a proibição de familiares e amigos de vítimas comparecerem com roupas com símbolos e fotos nas sessões de julgamento de agentes do Estado violadores de direitos humanos;

12 – Contra as decisões judiciais que concedem liberdade a agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos, quando tal liberação significar ameaça e intimidação a familiares, testemunhas, movimentos sociais e defensores dos direitos humanos;

13 – Contra as decisões judiciais de adiamento de julgamentos de agentes do Estado acusados de violações de direitos, por alegações fúteis ou duvidosas como problemas de saúde de advogados dos réus;

14- Nós requerimos também à Presidência da República e ao Ministério da Justiça os primeiros encaminhamentos para a Criação de uma Comissão da Memória, Verdade e Justiça para as vítimas de agentes do estado durante o período democrático. No Brasil, nos últimos anos, têm morrido assassinadas cerca de 48.000 pessoas anualmente, segundo estudos recentes publicados pela ONU e divulgados pelo próprio Ministério da Justiça Brasileiro. Boa parte dessas mortes e desaparecimentos cometidas por agentes do estado em pleno cumprimento de suas obrigações, que deveriam ser garantir o direito à vida e à liberdade de ir e vir em paz de todos os cidadãos. A exemplo dos esforços recentes que têm sido feitos sobre a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1988), é preciso se avançar no Direito à Memória, à Verdade e à Justiça das vítimas do período democrático (também conforme recomendação do PNDH-3);

15 – Por fim, exigimos também a Criação de uma Comissão da Anistia para os Presos, Perseguidos, Mortos e Desaparecidos Políticos por agentes do estado durante o período democrático. A exemplo do que foi instituído, no âmbito do Ministério da Justiça, em relação aos familiares e vítimas da Ditadura Civil-Militar, é preciso s eavançar no mesmo sentido quanto aos Presos, Perseguidos, Mortos e Desaparecidos Políticos da Democracia. Além das taxas de homicídio de países em guerra, temos atualme nte no Brasil mais de 500 Mil pessoas presas, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Há ainda inúmeras pessoas perseguidas políticas, ameaçadas de morte ou mesmo desaparecidas – como o nosso companheiro Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos dos Crimes de Maio de 2006 que exatamente hoje estaria completando 30 anos de idade. O estado precisa assegurar o Direito à Verdade e à Justiça para todos esses cidadãos e seus familiares.

Hoje, dia 23 de Julho de 2012, fazem exatos 19 anos desde a Chacina da Candelária, tamanha covardia cometida contra crianças e adolescentes dormindo, já em situação de rua, na frente de uma das principais igrejas em pleno centro do Rio de Janeiro. Hoje também o nosso querido Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos políticos dos Crimes de Maio de 2006, estaria completando o seu jovial 30º aniversário de uma vida que, no entanto, fora interrompida violentamente por agentes da Rota quando ele tinha apenas 23 anos de idade. Hoje, em meio a nova onda de violência policial e à atuação desses exterminadores, nós exigimos esta conversa e essas medidas urgentes da Presidência da República. Às crianças mortas na Candelária e ao jovem desaparecido Paulo Alexandre nós dedicamos esta nossa atitude de luta pela Verdade e por Justiça.

Não se trata de um pedido de favor, mas da exigência de direitos humanos fundamentais que temos como cidadãs e cidadãos brasileiros, como a Senhora e como qualquer outra pessoa nascida por aqui. Direito à Vida e à mínima Liberdade de Ir e Vir em segurança, sem corrermos o risco de morte por agentes de estado simplesmente por nossa origem, classe social ou cor da pele.

É preciso se tomar atitudes concretas e urgentes, ao preço de novas vidas perdidas caso nada continue a ser feito!

Pelo Direito à Memória, à Verdade e à Justiça: Ontem e Hoje!

A População Pobre e Negra não pode seguir sendo exterminada como subgente! Não somos todos iguais?!

Crimes de Maio Nunca Mais: Paz nas Periferias!

Firmes na Luta,

Mães de Maio da Democracia Brasileira


Fonte: Global.

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