Páginas

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Os intelectuais periféricos pedem passagem

Mano Brown é um intelectual.

Repetindo: o líder dos Racionais MC’s é um intelectual! Quem afirma isso é o sociólogo Rogério de Souza Silva, que defendeu na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a tese de doutorado “A Periferia Pede Passagem: Trajetória social e Intelectual de Mano Brown”.

O trabalho acadêmico partiu de uma hipótese que, à primeira vista, soa bastante aceitável: o hip-hop, e particularmente o rap, tem o poder de salvar vidas de jovens nas comunidades pobres brasileiras. Mas o que realmente impacta na tese é o reconhecimento do autor de que os artistas populares representam os novos organizadores da cultura, fazendo emergir a figura do “intelectual periférico”.

Por que e como Mano Brown se transforma em um intelectual é a questão que se propôs a investigar o pesquisador da Unicamp. Ele explica que foi a partir da figura do líder dos Racionais MC’s, como expoente do rap brasileiro, que muitos jovens passaram a reconhecer suas origens, histórias e identidades. Outras lideranças históricas, como Malcom X, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares e Nelson Mandela, também inspiraram muitos seguidores do hip-hop. “Esses jovens, na sua maioria negros e pobres, alcançam uma consciência para reivindicar o reconhecimento dos seus direitos”, escreveu.

Cidade Tiradentes, anos 1980 – Foto Kazuo Nakano

Na sua investigação, Souza Silva procurou traçar a trajetória do rap brasileiro, cujo ponto de partida se relaciona com um contexto social muito específico. Nos anos 1980, as grandes cidades passam a sentir os reflexos de anos de migrações em massa que transformaram camponeses em operários. Cidades despreparadas para receber esse aumento populacional tratam de empurrar o trabalhador braçal para as periferias sem a menor infraestrutura. Tem-se ao mesmo tempo o fim da ditadura e o sonho de que a redemocratização traga soluções para esses problemas. Mas não traz. No fim dessa década e início da seguinte, a violência explode e o pobre vira o vilão dessa história. O rap vira a tradução dessa luta pelo reconhecimento e um apelo à não discriminação.

“Mano Brown se torna uma referência, não só pela parte artística, mas pela liderança, que passa por sua fala, pela postura, pelo olhar e até pela vestimenta”, explica Souza Silva. Referenciando Pierre Bordieu, que teoriza sobre os campos sociais, o pesquisador afirma que o vocalista dos Racionais domina muito bem os códigos do hip-hop, enquanto outros rappers não conseguem o mesmo feito.

“GOG (Genival Oliveira Gonçalves) tem uma fala muito boa, também politizada, enquanto o Mano Brown prefere o linguajar mais simples e direto. Já o Gabriel o Pensador, que tem um talento fantástico, é um grande produtor cultural, mas não circula com naturalidade no campo social do hip hop”, diz.

No ápice da violência nos anos 1990, as periferias passaram a interessar à mídia (pelo viés negativo) e a sociólogos e antropólogos (pelo lado acadêmico), ao mesmo tempo em que organizações não-governamentais passavam a ocupar o papel do Estado (na falta dele).

Do lado musical, Mano Brown foi a figura que mais se destacou, assim como na literatura marginal sobressaíram nomes como Paulo Lins (Rio) e Ferréz (São Paulo). Não por acaso Souza Silva fez sua dissertação de mestrado sobre esse tema, publicando, em 2011, o livro Cultura e Violência, Autores, Contribuições e Polêmicas da Literatura Marginal (Editora Annablume).

Filho de pai porteiro e mãe diarista, o sociólogo cresceu numa Cohab (conjunto habitacional popular) de Itapevi, na Grande São Paulo, ouvindo sons de sua casa e de vizinhos tocando rap, sertanejo, forró e brega, num “emaranhado musical brasileiro bastante eclético”.

Foi, então, cursar ciências sociais na Unesp de Araraquara, imaginando que poderia virar professor de história, geografia, filosofia, sociologia e antropologia. Lá teve contato com a chamada “Escola Paulista de Sociologia”, cujos nomes mais representativos são Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardosoe Octavio Ianni. Foi o suficiente para motivá-lo a seguir a vida acadêmica.

Na pesquisa de doutorado, Souza Silva recorreu aos estudos culturais de autores como Stuart Hall, Raymond Willians e E.P. Thompson, procurando fazer uma análise da cultura das relações de poder interrelacionada às estratégias de mudança social. Em sentido largo, esses estudos enfatizavam a necessidade de ouvir a “voz do outro”, venha de onde vier, inclusive das periferias.

Antonio Gramsci, filósofo e cientista político italiano (1891-1937)

Outra referência utilizada pelo pesquisador foi a do filósofo e cientista político Antonio Gramsci, que falava que o poder das classes dominantes sobre o proletariado poderia ser mantido sobretudo pelo conceito de hegemonia cultural. Para fazer frente a esse tipo de controle, o marxista Gramsci defendia a importância que tinham os “intelectuais orgânicos” que surgem esponteanemente de cada grupo social.

Por que as periferias não haveriam de forjar seus próprios intelectuais?, questiona Souza Silva. Mano Brown seria o maior expoente, mas outros nomes como Rapin’ Hood, Thaíde, Marcelinho, Max BO e até mesmoEmicida também podem ser incluídos nessa lista.

A ascensão de intelectuais periféricos se dá paralelamente à chamada crise dos intelectuais tradicionais, exatamente nos anos 1990 e 2000. Sobretudo os de vertente progressista, sucumbidos pela lógica neoliberal que reinou no período. E é nesse sentido que os estudos culturais acabam por afirmar que os valores estéticos baseados apenas na produção de livros e outras obras artísticas não podem servir de único referencial do nosso tempo.

“A influência do intelectual sobre a opinião pública está minimizada e não podemos deixar de reconhecer o enfraquecimento progressivo do seu papel de oráculo que, cada vez mais, encontra dificuldade em fazer-se ouvir", escreveu na tese. No fundo, afirma Souza Silva, não se pode imaginar que alguns poucos eleitos sejam capazes de definir para o resto da sociedade os signos “corretos”. Se essa visão prevalecesse, apenas as pessoas que dominam os códigos há mais tempo teriam controle do que vem a ser “boa” ou “má” cultura. E possivelmente Mano Brown seria só mais um mano.

Fonte: Farofafá.

2 Filhos de Amarildo


   A mídia NINJA, que vem fazendo um belo trabalho de cobertura das manifestações populares, dessa vez foi à Favela da Rocinha entrevistar 2 dos filhos de Amarildo, Emerson (20 anos) e Amarildo Jr. (18 anos). Veja o que os rapazes relataram nesse vídeo:


#CadêOAmarildo #OndeEstáAmarildo

CAMPANHA CONTRA ASSEDIO MORAL E RACISTA A TRABALHADORA TELMA CRISTINA.


     A trabalhadora Telma Cristina de Souza Martimiano ingressou na Embraer S.A., em São José dos Campos – SP, no dia 13/04/2005 e foi demitida em 14/07/2009. Durante o período em que trabalhou nesta empresa sofreu assédio moral, através de ofensas machistas a racistas, acarretando o desenvolvimento de depressão. Após iniciar o tratamento e contestar a empresa pelos fatos ocorridos foi demitida sem justa causa, numa nítida perseguição.

     O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos desenvolveu na época uma campanha pela sua reintegração e ingressou, também, com ação trabalhista pleiteando o seu retorno ao trabalho e o pagamento de indenização a título de danos morais e despesas médicas.

     A sentença de primeira instância reconheceu o assédio moral praticado, bem como que a depressão era fruto das ofensas praticadas e condenou a Embraer ao pagamento de pensão vitalícia (50% do salário), danos morais, fornecimento de convênio médico e custeio de todos os medicamentos necessários. (sentença em anexo)

     A sentença, ainda que insuficiente, pois não concedeu a reintegração, significou uma vitória parcial na luta contra o machismo e racismo, na medida em que responsabilizou a Embraer pelo assédio praticado. Ainda mais se considerarmos o fato que muitas vezes as ações contra a empresa são julgadas improcedentes por “falta de provas”, decorrentes de laudos médicos poucos confiáveis e os limites do Judiciário.

     A empresa recorreu para reformar totalmente a sentença, assim como o Sindicato para garantir a reintegração da trabalhadora ao emprego. Atualmente o processo encontra-se aguardando julgamento pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região, já tendo havido uma primeira sessão de julgamento que foi suspensa. Corre-se o sério risco de uma reversão total da sentença em favor da empresa.

     Em vista disso, estamos pedindo para todos os Sindicatos, Associações, Movimentos de Combate à opressão e Entidades estudantis assinem a moção em anexo e a enviem às autoridades mencionadas nos seguintes e-mails:

presidencia@tst.jus.br
presidencia@trt15.jus.br
carlosbosco@trt15.jus.br
lnunes@trt15.jus.br
imprensa@anamatra.org.br

     Queremos com estas moções e campanha não só discutir o problema individual da trabalhadora Telma, mas também a opressão por que passam os trabalhadores no local de trabalho, como parte da super-exploração de nossa classe, em especial as mulheres e negras. Uma ampla divulgação do caso, assim como a manutenção e ampliação da condenação reforçará a luta de todos e todas contra o machismo e o racismo.

No combate ao racismo!

Fonte: DiárioPreto.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Conhecimento, matriz afro brasileira - TV NBR


INTERPROGRAMAS - (19.07.13): Interprograma da TV NBR aborda a produção do conhecimento brasileiro com matriz na cultura afro.

Fonte: TVNBR.

As redes perguntam: ‘Onde está Amarildo?’


Por Igor Carvalho,
Dúvida sobre paradeiro de morador da Rocinha abordado pela PM do Rio se espalhou pela internet e ganhou as ruas nas manifestações durante a visita do Papa

Pelas redes sociais e nas ruas, uma mesma pergunta tem se repetido: "Onde está Amarildo?". A indagação, por vezes, é precedida do nome do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) ou da Polícia Militar carioca, possíveis conhecedores da resposta para a dúvida.

O Facebook e o Twitter ajudaram a alavancar a campanha que quer saber o destino do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza Dias, de 47 anos, morador da Rocinha que desapareceu no dia 14 de julho após abordagem realizada por agentes da UPP instalada na comunidade.

No Twitter, a conta da PM carioca tem sido frequentemente instada a falar sobre o destino do ajudante de pedreiro e a hastag #OndeEstaAmarildo foi escolhida pelos internautas para uniformizar a campanha nas redes. Nas ruas, durante as manifestações, os policiais escutam: "Ei, Polícia, Cadê o Amarildo?".

Até mesmo o Papa Francisco foi alvo da indagação. Durante os protestos, no Rio de Janeiro, em função da vinda do pontífice ao país, uma projeção em um prédio da região central fazia a pergunta: "Papa, cadê o Amarildo?"

No último domingo (21), durante a noite, moradores e amigos de Amarildo realizaram um protesto silencioso próximo à UPP da Rocinha, na entrada do Portão Vermelho. Na comunidade, um mutirão de moradores tem feito buscas no morro para tentar encontrar o ajudante de pedreiro, que tem 6 filhos.

Fonte: NPC.

Ministra negra diz que está cansada de ofensas, mas não desistirá.


     A ministra da Integração italiana, Cecile Kyenge, atingida por bananas na última sexta-feira (26), disse que, às vezes, se sente "cansada" dos insultos e ofensas de que tem sido alvo por ser negra, mas assegurou que os ataques não a farão desistir de sua missão. Na sexta-feira, durante um comício do Partido Democrático, Cecile Kyenge foi alvo de bananas arremessadas em sua direção, o que provocou uma nova onda de indignação na Itália. De origem congolesa, a primeira negra nomeada ministra na Itália, Cecile Kyenge reconheceu, em entrevista ao jornal italiano La República, sentir preocupação pelas duas filhas, de 20 e 17 anos. A ministra disse pensar também em outras minorias e nos imigrantes que, ao contrário dela, não têm garantias de segurança, e sofrem ataques em Itália.

     "Não posso esconder que às vezes me sinto cansada da repetição de insultos tão graves. Não os esperava tão fortes, mas não me detenho, nem me concentro" a pensar neles, disse Cecile. "Tento olhar para frente, pensar sobre as dificuldades que temos de suportar nesses eventos e sobre as melhores respostas que os políticos e a sociedade podem dar", acrescentou. A ministra defende que a Itália comece "um processo de reflexão" sobre o racismo. "Em outros países europeus, como a Suécia, há ministros negros, mas não acontece com eles o que está acontecendo comigo na Itália. Não podia imaginar reações tão violentas", lamentou. Cecile Kyenge garante que os ataques e os insultos ocorrem também na classe política, reiterando que a Itália têm "um longo caminho a percorrer" quando se trata de avaliar a contribuição cultural que a imigração pode dar ao país.

     "As reações aos insultos, que vejo no país, acabam por unir a Itália 'boa' e, quem sabe, ajudar a despertar muitas consciências, que durante anos estiveram um pouco adormecidas", avaliou. Esse foi mais um caso de racismo que envolveu a ministra, cidadã italiana nascida na República Democrática do Congo, depois de, no início do mês, um membro do partido Liga do Norte, que é contra a imigração, ter comparado a ministra a um orangotango. Cecile reagiu ao ataque com bananas dizendo que o mesmo foi "um desperdício de comida".

Fonte: Vermelho.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Menina de 10 anos que se recusa a alisar o cabelo vira hit na internet




Apesar de ter apenas 10 anos, ela já mostra que sabe muito bem o que quer. Decidida, Júlia Belmont, dona de uma cabeleira de dar inveja, se recusa a alisar o cabelo, mesmo ouvindo comentários preconceituosos dos amigos na escola. A jovem decidiu contar sua história em um vídeo, que acaba de se tornar o mais novo fenômeno virtual, com cerca de 55 mil visualizações no Youtube.

No vídeo com o título "Júlia ensinando a gostar dos seus cachos", a menina conta que pediu para a sua mãe fazer uma escova, mas, quando viu o resultado, detestou e se sentiu horrível.

"Eu fui numa festa de aniversário e tinha uma menina me chamando de Creusa, só porque o meu cabelo estava armado. E eu adorei o meu cabelo. Sabe o que eu fiz? Deixei para lá, porque eu gosto do meu cabelo do jeito que é. (...) Se você nasceu com esse cabelo, aquele cabelo é pra você", conta ela cheia de atitude.

Fofíssima, Julia diz que aprendeu que é bonita com os cabelos naturais e que nem se abalou quando foi provocada na festa. Uma verdadeira lição de autoestima.


Fonte: RevistaAfro.

Joaquim Barbosa: Brasil não está preparado para um presidente negro



Presidente do STF falou com exclusividade à colunista Míriam Leitão
Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal Camilla Maia / O Globo

RIO - Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda há bolsões de intolerância racial não declarados no Brasil. Ele afirma não ser candidato e diz que seu nome tem aparecido com relevância em pesquisas eleitorais por causa de manifestações espontâneas da população. Segundo ele, que se define politicamente como alguém de inclinação social democrata à europeia, o Brasil precisa gastar melhor seus recursos públicos, com inúmeros setores que podem ser racionalizados ou diminuídos.

O senhor é candidato à presidente da República?

Não. Sou muito realista. Nunca pensei em me envolver em política. Não tenho laços com qualquer partido político. São manifestações espontâneas da população onde quer que eu vá. Pessoas que pedem para que eu me candidate e isso tem se traduzido em percentual de alguma relevância em pesquisas.

As pessoas ficaram com a impressão de que o senhor não cumprimentou a presidente.

Eu não só cumprimentei como conversei longamente com a presidente. Eu estava o tempo todo com ela.

O Brasil está preparado para um presidente da República negro?

Não. Porque acho que ainda há bolsões de intolerância muito fortes e não declarados no Brasil. No momento em que um candidato negro se apresente, esses bolsões se insurgirão de maneira violenta contra esse candidato. Já há sinais disso na mídia. As investidas da “Folha de S.Paulo” contra mim já são um sinal. A “Folha de S.Paulo” expôs meu filho, numa entrevista de emprego. No domingo passado, houve uma violação brutal da minha privacidade. O jornal se achou no direito de expor a compra de um imóvel modesto nos Estados Unidos. Tirei dinheiro da minha conta bancária, enviei o dinheiro por meios legais, previstos na legislação, declarei a compra no Imposto de Renda. Não vejo a mesma exposição da vida privada de pessoas altamente suspeitas da prática de crime.

Como pessoa pública, o senhor não está exposto a todo tipo de pergunta e dúvida dos jornalistas?

Há milhares de pessoas públicas no Brasil. No entanto os jornais não saem por aí expondo a vida privada dessas pessoas públicas. Pegue os últimos dez presidentes do Supremo Tribunal Federal e compare. É um erro achar que um jornal pode tudo. Os jornais e jornalistas têm limites. São esses limites que vêm sendo ultrapassados por força desse temor de que eu eventualmente me torne candidato.

Que partido representa mais o seu pensamento?

Eu sou um homem seguramente de inclinação social democrata à europeia.

Como ampliar o Estado para garantir direitos de quem esteve marginalizado, mas, ao mesmo tempo, controlar o controle do gasto público para manter a inflação baixa?

O primeiro passo é gastar bem. Saber gastar bem. O Brasil gasta muito mal. Quem conhece a máquina pública brasileira, sabe que há inúmeros setores que podem ser racionalizados, podem ser diminuídos.

O senhor disse que o Brasil está numa crise de representação política. O que quis dizer com isso?

Ela se traduz nessa insatisfação generalizada que nós assistimos nesses dois meses. Falta honestidade em pessoas com responsabilidade de vir a público e dizer que as coisas não estão funcionando.

Quando serão analisados os recursos dos réus do mensalão?

Dia primeiro de agosto eu vou anunciar a data precisa.

Eles serão presos?

Estou impedido de falar. Nos últimos meses, venho sendo objeto de ataques também por parte de uma mídia subterrânea, inclusive blogs anônimos. Só faço um alerta: a Constituição brasileira proíbe o anonimato, eu teria meios de, no momento devido, através do Judiciário, identificar quem são essas pessoas e quem as financia. Eu me permito o direito de aguardar o momento oportuno para desmascarar esses bandidos.

Por que o senhor tem uma relação tensa com a imprensa? O senhor chegou a falar para um jornalista que ele estava chafurdando no lixo.

É um personagem menor, não vale a pena, mas quando disse isso eu tinha em mente várias coisas que acho inaceitáveis. Por que eu vou levar a sério o trabalho de um jornalista que se encontra num conflito de interesses lá no Tribunal. Todos nós somos titulares de direitos, nenhum é de direitos absolutos, inclusive os jornalistas. Afora isso tenho relações fraternas, inúmeras com jornalistas.

A primeira vez que conversamos foi sobre ações afirmativas. Nem havia ainda as cotas. Hoje, o que se tem é que as cotas foram aprovadas por unanimidade pelo Supremo. O Brasil avançou?

Avançou. Inclusive, entre as inúmeras decisões progressistas que o Supremo tomou essa foi a que mais me surpreendeu. Eu jamais imaginei que tivéssemos uma decisão unânime.

Nos votos, vários ministros reconheceram a existência do racismo.

O que foi dito naquela sessão foi um momento único na história do Brasil. Ali estava o Estado reconhecendo aquilo que muita gente no Brasil ainda se recusa a reconhecer, e a ver o racismo nos diversos aspectos da vida brasileira.

Os negros são uma força emergente. Antes, faziam sucesso só nas artes e no futebol, mas, agora, eles estão se preparando para chegar nos postos de comando e sucesso em todas as áreas. Como a sociedade brasileira vai reagir?

Ainda não vejo essa ascensão dos negros como algo muito significativo. Há muito caminho pela frente. Ainda há setores em que os negros são completamente excluídos.

Como o Brasil supera isso?

Discutindo abertamente o problema. Não vejo nos meios de comunicação brasileiros uma discussão consistente e regular sobre essas questões.

Como superar a desigualdade racial, mantendo o que de melhor temos?

O que de melhor nós temos é a convivência amistosa superficial, mas, no momento em que o negro aspira a uma posição de comando, a intolerância aparece.

Como o senhor sentiu no carnaval tantas pessoas com a máscara do seu rosto?

Foi simpático, mas, nas estruturas sociais brasileiras, isso não traz mudanças. Reforça certos clichês.

Reforça? Por quê

Carnaval, samba, futebol. Os brasileiros se sentem confortáveis em associar os negros a essas atividades, mas há uma parcela, espero que pequena da sociedade, que não se sente confortável com um negro em outras posições.

O senhor foi discriminado no Itamaraty?

Discriminado eu sempre fui em todos os trabalhos, do momento em que comecei a galgar escalões. Nunca dei bola. Aprendi a conviver com isso e superar. O Itamaraty é uma das instituições mais discriminatórias do Brasil.

O senhor não passou no concurso?

Passei nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que existia para eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me prestaram um favor. Todos os diplomatas gostariam de estar na posição que eu estou. Todos.

Fonte: OGlobo.

Ciclovida (Documentario)


   Ciclovida conta a história de um grupo de pequenos agricultores cearenses que atravessou a América do Sul pedalando por mais de dez mil km na campanha de resgate das sementes naturais. Os viajantes documentaram adominação dos agrocombustíveis no campo e o deslocamento de milhões de pequenos agricultores e comunidades indígenas. O documentário foi escolhido o melhor documentário na categoria Conservação do Green Screen Environmental Festival Film/2010 e selecionado para o Blue Planet Film Festival emLos Angeles, EUA e Byron Bay Film Festival na Austrália.


Fonte: CicloVida.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Eu Pareço suspeito?


   A campanha "Eu Pareço Suspeito?" é um instrumento de ação no combate ao racismo institucional. Pesquisas mostram que a violência racial agrava-se em situações de abordagem policial, onde a vítima é vista como "suspeito em potencial" por ser negro e pobre.

Fonte: RedeTVT.

Peemedebista diz que Barbosa agiu como "preto"


     Kid Neto, ex-secretário Geral do PMDB goiano, se revolta com tratamento dispensado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, a Dilma Rousseff durante solenidade com o papa Francisco e escreve mensagem de cunho racista no Twitter. "e pensar que Lula o nomeou por ser negro, o principal atributo de sua ascensão ao STF, agora age como preto", disse o peemedebista, que alertado por seguidores, deletou o post. Ao Jornal Opção, Kid Neto afirmou que sua declaração foi "apenas uma citação levemente infeliz"

O ex-secretário Geral do PMDB de Goiás, Kid Neto (Foto), chamou o presidente do STF, Joaquim Barbosa, de "preto" em um post escrito (e já apagado) no Twitter, na noite de segunda-feira (22/07).

     Kid não gostou do tratamento frio que Barbosa dispensou à presidente Dilma Rousseff quando ela o apresentou ao papa Francisco. O peemedebista, que é tuiteiro assíduo, usou a rede social para mostrar sua indignação e saiu com a seguinte frase: "e pensar que Lula o nomeou por ser negro, o principal atributo de sua ascensão ao STF, agora age como preto". Kid Neto foi alertado por alguns seguidores e deletou o tweet, mas internautas já haviam feio o print screen do post. A imagem está circulando nas redes sociais e o peemedebista está sendo bastante criticado. Ao Jornal Opção, Kid Neto declarou que sua frase com cunho racista foi "apenas uma citação levemente infeliz".

Veja o post de Kid Neto:


Fonte: Brasil 247.

terça-feira, 23 de julho de 2013

VI Latinidades – Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha


Um festival da Afro-diáspora!

Em sua 6ª edição, o Latinidades – Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha será realizado em Brasília, de 19 a 27 de julho, sob o tema: Arte e Cultura Negra – Memória Afrodescendente e Políticas Públicas. O projeto desenvolve Desenvolve ações de formação, capacitação, empreendedorismo, economia criativa, cultura e comunicação e traz ampla programação artística com shows, exposições, lançamentos literários, entre outros.

Envolve anualmente diversos estados brasileiros, com crescente participação internacional. Desenvolve diálogos com o poder público, organizações não-governamentais, movimentos sociais e culturais, universidades, redes, coletivos e outros grupos. Constitui, também, um espaço para convergir iniciativas do estado e da sociedade civil relacionadas ao enfrentamento do racismo, sexismo e promoção da igualdade racial.

Latinidades é considerado hoje o maior festival de mulheres negras do país. Em 2013 vai falar de memória afro-descendente no fazer contemporâneo e a necessidade efetivar políticas públicas para a cultura negra. Pretende discutir temas atuais trazendo a herança ancestral de parte do que o povo afro-latino incorporou, recriou e hoje apresenta nas diversas linguagens, demandas e áreas de atuação.

Latinidades 2013: música, teatro, fotografia, moda, dança, espiritualidade, artes visuais, contação de histórias, ruas de lazer, esportes, lançamentos literários, palestras, debates, oficinas e muito mais!!!

Tema 2013: Arte e Cultura Negra – memória afrodescendente e políticas públicas

O tema foi escolhido a partir do entendimento de que a sociedade e o estado brasileiro tem uma grande dívida histórica no que diz respeito ao fortalecimento e valorização da cultura negra e suas manifestações artísticas. Em toda América Latina e Caribe a situação se assemelha. Também por considerarmos a cultura um campo estratégico para discutir e trabalhar questões relacionadas ao machismo e ao sexismo.

Certa vez a ativista e filósofa Sueli Carneiro afirmou que tudo o que existe de mais popular e erudito no Brasil diz respeito à cultura negra. De que forma está tratada esta cultura em termos de politíticas públicas? Como propor e garantir que os saberes orais e ancestrais sejam considerados nos editais, chamadas públicas e outras linhas de fomento e incentivo? Como garantir que as manifestações negras sejam vistas para além da folclorização e exotismo? Que pesquisas temos com indicadores relacionados à economia da cultura afro-brasileira e afro-latina? Como esta cadeia promove, formaliza e agrega atrizes e atores negros? Qual a melhor forma de inserir no mercado de trabalho e tirar da informalidade agentes da cultura negra? Quais programas e projetos preveem capacitação nas áreas relacionadas à cadeia produtiva da cultura e que podem nos atender? Que linhas de crédito específicas temos para empreendedoras e empreendedores negros e que trabalham com cultura negra?

O tema de 2013, além de buscar o debate sobre políticas públicas, pretende dar visibilidade à cultura afro-latina e agumas de suas manifestações, sobretudo considerando o recorte de gênero. Rediscutir a influência da arte de matriz africana no contexto da produção artístico-cultural, promover e fortalecer a memória identitária afro-latina, trazer à tona origens e nuances sobre nosso imaginário coletivo.

Em 2003, a lei nº 10.639 passou a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira. Diante da lei, o projeto propõe, ainda, forte diálogo entre cultura e educação, por meio de debates, oficinas, rodas de conversa e apresentações artísticas. Como diria o ativista negro, rapper e poeta GOG, “educação sem cultura é treinamento”.

Outras edições

Criado em 2008. anualmente o projeto aborda temáticas que se desdobram em oficinas e mesas de debate com especialistas de todo o país, bem como convidadas/os internacionais. O resultado das experiências e falas dessas/es especialistas resultam em uma publicação-referência, disponível para download gratuito no espaço Afrodigital.

A primeira atividade aconteceu na Casa Roxa, sede da Associação Lésbica Feminista Corturno de Vênus, na Região Administrativa do Guará, Distrito Federal.
















Em 2009 foi realizado evento sob o tema Mulheres Negras na Comunicação, no Sindicato dos Urbanitários do Brasil e na Praça Zumbi dos Palmares.












Em 2010, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, foi realizado na Esplanada dos Ministérios, no formato de três dias de seminários e um de apresentações artísticas, sob o tema Censo, o qual deu origem à publicação Latinidades – Censo e Políticas públicas para as Mulheres Negras. A programação agregou desfile de moda baseado nas vestimentas de santo, feira de afro-negócios, seminários e debates.




O tema do festival no ano de 2011 foi Mulheres Negras no Mercado de Trabalho e também esteve inserido no contexto da programação da II Conferência do Desenvolvimento – CODE, promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – Ipea.





Em 2012 o tema foi Juventude Negra, quando se reuniu, em uma semana, cinquenta mil pessoas, dez shows, três performances teatrais, cinco lançamentos literários, dois dias de Feira Preta com vinte stands de cinco estados brasileiros e, ao final, a organização da publicação com o mesmo tema.



terça-feira, 16 de julho de 2013

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Observatório Participativo da Juventude

Governo federal lança Observatório Participativo da Juventude. Trata-se de um ambiente virtual e interativo, que se propõe estimular a participação, por meio de debates e mobilizações, além de produzir conhecimentos e divulgar conteúdos relacionados às políticas juvenis.


Fonte: SEPPIR.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Mulheres negras: As ferramentas do mestre nunca irão desmantelar a casa do mestre



Este texto foi lido pela autora numa conferência realizada em 1979.
Por Audre Lorde (tradução de Renata),
Eu concordei em fazer parte da conferência do New York University Institute for the Humanities um ano atrás, com o entendimento de que eu iria comentar sobre trabalhos que lidam com o papel da diferença dentro das vidas de mulheres americanas: diferença de raça, sexualidade, classe e idade. A ausência destas considerações enfraquece qualquer discussão feminista do pessoal e do político.

É uma arrogância acadêmica particular supor qualquer discussão sobre teoria feminista sem examinar nossas muitas diferenças, e sem uma contribuição significante das mulheres pobres, negras e do terceiro mundo, e lésbicas. E, ainda assim, estou aqui como uma feminista negra e lésbica, tendo sido convidada a comentar no único painel nesta conferência no qual dados sobre feministas negras e lésbicas são representados. O que isto diz sobre a visão desta conferência é triste, num país onde racismo, sexismo e homofobia são inseparáveis. Ler esta programação é presumir que mulheres lésbicas e negras não têm nada a dizer sobre existencialismo, o erótico, a cultura e o silêncio das mulheres, o desenvolvimento da teoria feminista, ou heterossexualidade e poder. E o que significa em termos do pessoal e do político quando mesmo as duas mulheres negras que estão aqui presentes foram literalmente encontradas na última hora? O que significa quando as ferramentas de um patriarcado racista são usadas para examinar os frutos do mesmo patriarcado? Significa que apenas os perímetros mais estreitos de mudança são possíveis e admissíveis.

[...]

Promover a mera tolerância de diferença entre mulheres é o reformismo mais nojento. É uma total negação da função criativa da diferença em nossas vidas. A diferença não deve ser meramente tolerada, mas vista como um fundo de polaridades necessárias entre as quais nossa criatividade pode faiscar como uma dialética. Apenas então a necessidade de interdependência se torna não ameaçadora. Apenas dentro dessa interdependência de forças diferentes, reconhecidas e iguais, o poder de procurar novos meios de ser no mundo pode gerar, assim como a coragem e o sustento para agir onde não existem alvarás.

[...]

Como mulheres, nós fomos ensinadas a ou ignorar nossas diferenças, ou vê-las como causas de separação e suspeita em vez de forças para serem mudadas. Sem comunidade não há libertação, apenas o armistício mais vulnerável e temporário entre um indivíduo e sua opressão. Mas comunidade não deve significar uma queda de nossas diferenças, nem a pretensão patética de que essas diferenças não existem.

Aquelas de nós que estão fora do círculo da definição desta sociedade de mulheres aceitáveis, aquelas de nós que foram forjadas no calvário da diferença — aquelas de nós que são pobres, que são lésbicas, que são negras, que são mais velhas — sabem que sobrevivência não é uma habilidade acadêmica. É aprender como estar sozinha, impopular e às vezes injuriada, e como criar causa comum com aquelas outras que se identificam como fora das estruturas a fim de definir e buscar um mundo no qual todas nós possamos florescer. É aprender como pegar nossas diferenças e transformá-las em forças. Pois as ferramentas do mestre não irão desmantelar a casa do mestre. Elas podem nos permitir temporariamente a ganhar dele em seu jogo, mas elas nunca vão nos possibilitar a causar mudança genuína. E este fato é somente ameaçador àquelas mulheres que ainda definem a casa do mestre como a única fonte de apoio delas.

Num mundo de possibilidade para todas nós, nossas visões pessoais ajudam a montar a base para ação política. O fracasso de feministas acadêmicas em reconhecer diferença como uma força crucial é um fracasso de ultrapassar a primeira lição patriarcal. No nosso mundo, dividir e dominar precisam se tornar definir e empoderar.

[...] Se a teoria de feministas americanas brancas não precisa lidar com as diferenças entre nós e a diferença resultante em nossas opressões, então como você lida com o fato de que mulheres que limpam suas casas e tomam conta de suas crianças enquanto você vai a conferências sobre teoria feminista são, na maior parte, mulheres pobres e mulheres negras? Qual é a teoria por trás do feminismo racista?

Num mundo de possibilidade para todas nós, nossas visões pessoais ajudam a montar a base para ação política. O fracasso de feministas acadêmicas em reconhecer diferença como uma força crucial é um fracasso de ultrapassar a primeira lição patriarcal. No nosso mundo, dividir e dominar precisam se tornar definir e empoderar.

Por que outras mulheres negras não foram encontradas para participar desta conferência? Por que dois telefonemas a mim foram considerados uma consulta? Eu sou a única fonte possível de nomes do Feminismo Negro? E apesar de o trabalho da palestrante negra terminar numa conexão importante e poderosa de amor entre mulheres, como fica a cooperação interracial entre feministas que não amam umas às outras?

Em círculos acadêmicos feministas, a resposta a essas perguntas é quase sempre: "Nós não sabíamos a quem perguntar". Mas é a mesma evasão de responsabilidade, o mesmo esquivar-se, que mantém a arte de mulheres negras fora de exposições de mulheres, o trabalho de mulheres negras fora da maioria das publicações feministas exceto na ocasional "Edição Especial sobre Mulheres do Terceiro Mundo", e textos de mulheres negras fora de suas listas de leitura. Mas como Adrienne Rich destacou numa palestra, feministas brancas se educaram em enormes porções nos últimos dez anos, por que vocês ainda não se educaram sobre mulheres negras e as diferenças entre nós — brancas e negras — quando é algo chave para nossa sobrevivência enquanto um movimento?

Mulheres de hoje ainda são chamadas a se estenderem através do vão da ignorância masculina e educarem os homens sobre nossa existência e nossas necessidades. Esta é uma ferramenta antiga e primária de todos os opressores para manter pessoas oprimidas ocupadas com as preocupações do mestre. Agora nós ouvimos que é tarefa de mulheres negras educarem mulheres brancas — em face de tremenda resistência — sobre nossa existência, nossas diferenças, nossos papéis relativos em nossa sobrevivência conjunta. Isto é um desvio de energias e uma repetição trágica de pensamento racista e patriarcal.

Simone de Beauvoir disse uma vez: "É no conhecimento de condições genuínas de nossas vidas que devemos chamar nossa força para viver e nossas razões para agir".

Racismo e homofobia são condições reais de todas as nossas vidas neste lugar e época. Eu incito cada uma de nós aqui a descer até aquele lugar profundo de conhecimento dentro de si e tocar esse terror e ódio a qualquer diferença que vive lá. Veja de quem é a face que ele usa. Então o pessoal enquanto o político pode começar a iluminar todas as nossas escolhas.

Audre Lorde nasceu 1934, em Nova York, e foi poeta, ensaísta, feminista intersecional e ativista. Ela costumava se definir como "negra, lésbica, mãe, guerreira, poeta". Morreu em novembro de 1992.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

A Carne Negra


Vídeo sobre racismo feito pela comissão de Mulheres Negras da Marcha das Vadias Curitiba/PR. Confira agora o Manifesto das Mulheres Negras de Curitiba:

Somos mulheres negras e sentimos todo o peso, toda a opressão de viver em Curitiba a “capital europeia do Brasil”. Mesmo quando nascidas aqui convivemos com a pergunta, de onde você é? Porque não somos representantes do imaginário curitibano europeu, porque não carregamos sobrenome alemão, italiano ou polonês.

Curitiba possui a maior população negra dentre as capitais do sul do Brasil, contando com mais de 23% da população formada por negros, mas onde estão estes negros? Que não estão ocupando os espaços de poder na Câmara Municipal, no judiciário? Que não estão representados nos cargos de docência das universidades? A verdade é que somos o passado que Curitiba quer esquecer, somos aquilo que o governo esconde na periferia, nas favelas.

Para aqueles que teimam em afirmar que o racismo não existe, nós somos a expressão viva do contrário. Somos as mais pobres dentre a população; somos aquelas que não são escolhidas nas entrevistas de emprego, por não possuir o “perfil” da empresa; aquelas que são atendidas por último nas maternidades, por acreditarem que somos mais fortes que as mulheres brancas; somos as que possuem os trabalhos mais precarizados e os menores salários; somos aquelas que criam os filhos sozinhas; aquelas que perdem os filhos para a violência policial e para os presídios; somos hipersexualizadas; somos “da cor do pecado”; somos aquelas que precisam dar “um jeito no cabelo”; somos as “macumbeiras”; somos as que morrem em decorrência de abortos caseiros; somos aquelas que não possuem feições delicadas; somos as que são só pra “comer” e para trabalhar; aquelas que não são representadas de forma expressiva na televisão; somos as que sofrem na pele a violência institucional; somos a carne mais barata do mercado.

Mas esse “kit opressão” que nos é imposto quando chegamos ao mundo com a pele escura, não é recebido sem resistência. Assim, quando nos tornamos protagonistas da luta diária contra o racismo que nos oprime, percebemos que além da herança maldita da escravidão, há uma herança de luta deixada pelos nossos antepassados.

Por isso somos a resistência dos quilombos; somos a resistência dos terreiros; somos a resistência do folclore, da capoeira; somos o nosso orgulho de ser negra que nem capitão do mato, nem lei da vadiagem conseguiu mitigar; somos as indesejadas que permanecem; somos as cotistas que enegrecem a UFPR; somos aquelas que não aceitam o racismo; somos as que lutam diariamente pela igualdade real; somos aquelas que batem tambor; aquelas que amam seu cabelo afro; somos as que se preocupam com a criminalização dos nossos pais, filhos e irmãos; somos a pele negra que amamos; somos aquelas que brigam por melhores condições de trabalho; somos as que lutam pelo aborto legal e seguro; aquelas que desmistificam a imagem sexual que nos é atribuída; somos as que exigem políticas de promoção da igualdade; somos aquelas que querem enegrecer o feminismo; somos MULHERES NEGRAS FEMINISTAS.

A marcha das vadias é composta de várias bandeiras, dentre elas a racial. Você que acredita que é preciso enegrecer o feminismo, venha marchar conosco em Curitiba e desconstruir a ideia de que o feminismo é branco e de elite. Vem pra rua Mulher negra!!

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O novo velho Mano Brown (Entrevista Completa)

     Confira a entrevista completa com o rapper Mano Brown, capa da edição 120 da revista Fórum...

“A gente não foca na polícia, a polícia é um tentáculo do sistema, o mais mal pago. Mas é armado e chega com autoridade, é um tentáculo perigoso”

Por Glauco Faria, Igor Carvalho e Renato Rovai. Fotos de Guilherme Perez,
“Eu sou o Brown mais velho, macaco velho. Estou menos óbvio, menos personagem e mais natural. Comecei a tomar cuidado. Nunca fui oportunista, vivo de música, não sou um político que faz música.” Essa é uma das formas pelas quais o líder e vocalista do Racionais MC’s se define hoje, 25 anos depois de o grupo de rap conseguir levar sua mensagem não apenas às periferias de todo o Brasil, mas também a muitos lugares e pessoas que não tinham intimidade com o ritmo.

     A mensagem de Brown sempre foi forte e contundente, mas hoje o músico prepara o lançamento de um álbum solo, no qual o soul e o romantismo predominam. Isso não significa, nem de longe, que o seu pensamento tenha se modificado, até porque muito do contexto que propiciou o nascimento do Racionais ainda está presente na realidade brasileira. “Eu não estava falando de chacina, de nada disso, estava preparando um disco de música romântica, aí começou a morrer gente aqui e tive de fazer alguma coisa.”

     O músico se refere à chacina que matou sete pessoas na região do Campo Limpo, zona sul paulistana, em 5 de janeiro. Entre as vítimas, DJ Lah, em um primeiro momento tido como autor de um vídeo que denunciava a execução de um comerciante no mesmo local, feita por policiais. A informação foi desmentida depois, mas o espectro de que se tratava de uma vingança paira sobre a população do lugar. E Brown fala sobre as possíveis consequências para quem viu e sentiu a tragédia de perto. “Essa ferida não vai cicatrizar, quem mora naquele lugar onde morreu o Lah não vai esquecer, os moleques vão crescer, mano. Quem viveu aquilo não vai esquecer.”

     Na entrevista a seguir, Mano Brown fala sobre a falta de oportunidades na periferia, do racismo, de um sistema que oprime, mas também ressalta o que ele considera ser o nascimento de um novo Brasil, destacando o papel da nova geração. Assim, ele mesmo tenta se “reinventar” para seguir na luta que sempre foi dele e de muitas outras pessoas. “Para dar continuidade ao trabalho, temos de caminhar pra frente, a juventude precisa de rapidez na informação, não dá pra ficar debatendo a mesma ideia sempre. É fácil para o Brown ficar nessas ideias, fácil, é até covarde ficar jogando mais lenha, então fui buscar as outras ideias, que passam pela raça também, com certeza.”

Fórum – Você esteve em uma reunião do pessoal do rap com o então candidato a prefeito de São Paulo Fernando Haddad, e ali disse que não iria falar sobre cultura, mas sim denunciar que os jovens estavam morrendo na periferia. Recentemente, houve o assassinato do DJ Lah, e mortes violentas de músicos da periferia têm sido muito comuns em São Paulo, na Baixada Santista, por exemplo. Como definir essa situação?
Mano Brown – Esses moleques cantam o que eles vivem. Geralmente, quando você chega nas quebradas, têm poucos lugares que são espaços de lazer, e o lugar onde teve a chacina era um ponto de lazer, querendo ou não. Um ponto meio marginal, mas tudo que é nosso é marginal. Era um bar, tinha a sinuca, tinham os amigos, o bate-papo com a família, tem o fluxo, é o centro da quebrada. O barzinho vende de tudo, vende pinga, vende leite, vende tudo, e o Lah gostava de ficar por ali, vários caras gostavam, era o quintal das pessoas.

O que aconteceu ali foi execução, crime de guerra. Tem a guerra e tem os crimes de guerra. As pessoas não estavam esperando por aquilo ali, não estavam preparadas pr’aquilo. É o que tem acontecido neste começo de ano, e aconteceu no final do ano passado, as mortes todas têm o mesmo perfil: moleque pobre em proximidade de favela. Os caras encontram várias fragilidades ali, várias formas de chegar, matar e sair rápido, e o governo simplesmente ignora o que aconteceu. existem as facilidades. O cara vai lá e mata sabendo que não vai ser cobrado.

Fórum – Mas você acha que, por conta dessas ocorrências, há uma coisa dirigida contra o rap?
Brown – Acho que não, se dissesse isso seria até leviano, porque muitas pessoas que morreram não tinham nada a ver com o rap. Gente comum, motoboy, entregador de pizza, moleque que saiu da Febem e estava na rua, com uma passagenzinha primária e morreu… E o rap tá na vida da molecada mesmo, tá nos becos, nas esquinas, no bar, na viela, geralmente o moleque que curte rap tá nesses lugares. É uma coisa dirigida, mas é dirigida à raça. Dirigida a uma classe.

Se você for fazer a conta de quantas pessoas morreram no final do ano, mortes sem explicação, crimes a serem investigados, e somar o tanto de gente que morreu em Santa Maria… Morreu muito mais aqui. Lá foi comoção total pela forma que ocorreu, lógico, todo mundo é ser humano, mas veja a repercussão de um caso e a repercussão de outro caso, quanto tempo demorou pra mídia acordar pra chacina? Quanto tempo demorou pras pessoas perceberem a cor dos mortos? Coisa meio que normal, oito pretos mortos, quatro aqui, três ali… É uma coisa meio cultural, preto, pobre, preso morto já é uma coisa normal. Ninguém faz contas.

Fórum – E quem está matando nas periferias?
Brown – A polícia. O braço armado, conexões armadas, de direita.

Fórum – Você tem um histórico de estranhamentos com a polícia…
Brown – Houve a época em que soava o gongo, a gente saía dando porrada pra todo lado, não olhava nem em quem. Outra época, a gente procurava a polícia pra sair batendo. Hoje em dia, espera pra ver quem vai vir. Não é só a polícia, são vários poderes. A gente não foca na polícia, a polícia é um tentáculo do sistema, o mais mal pago. Mas é armado e chega com autoridade, é um tentáculo perigoso. E tem várias formas de matar, de matar o preto.

Fórum – Da última vez que você deu entrevista à Fórum, há mais de 11 anos, boa parte da conversa foi sobre isso. Você é um ator importante dentro desse cenário, como está atuando para mudar a situação, está fazendo intervenções no governo, conversando com pessoas, ou só se manifestando pela sua arte mesmo?
Brown – Se eu disser que não uso meus contatos, estou mentindo. O que tem acontecido traumatizou todo mundo, então ficamos todos aqui com muita raiva, lógico que alguma coisa a gente fez. Mas não posso dizer o quê. Tenho minhas armas, mas não posso expor, parado a gente não ficou.

A partir do momento em que a gente nota realmente que nossa quebrada tem fragilidades, vê as famílias das pessoas com muitas mulheres e poucos homens, homens com pouca liberdade, pouca liberdade de movimento, vida pregressa com problema, pouca mobilidade na sociedade, caras condenados a viver no submundo, você começa a criar um exército na comunidade, de gente que vê aquele entra e sai da cadeia, de homens com vida pregressa que não conseguem mais arranjar emprego. As casas perdem esses caras, que deixam de ser úteis dentro de casa. Você vê a morte do homem da casa, cinco mulheres chorando; as famílias estão num processo que vai demorar, de restauração pra uma vida mais rotineira, mais calma, é uma corrente que tem de quebrar.

“Antigamente, quando só o rico tinha, ninguém reclamava. Pobre com celular, com moto, não pode, o sistema cobra”

Fórum – Um cenário de guerra, mesmo.
Brown – É, não passou a ser guerra agora, depois da chacina, já vivia em guerra. As mães também lamentam os filhos que vão pra vida do crime, perder pra droga… A molecada negra tá muito exposta ao perigo, o salário é baixo, o risco é alto. A sociedade cobra muito, você tem de ter as coisas, tem de estar, tem de ser, tem de aparentar ser… Aparentar ser já custa caro, “ser” é outro estágio. O pessoal acha que é vaidade boba a pessoa gostar de marca, de perfume bom, mas são coisas que ajudam a pessoa a circular, a arrumar um emprego, a arrumar uma gata, tudo melhora. No momento em que no Brasil começa a sobrar um dinheirinho pra categoria, pra raça, o outro lado já começa a cobrar com a vida também. O excesso de gente usufruindo deste novo Brasil… Não pode, é excesso, tem de limpar. Tudo que é moleque de moto… Os excessos que o pessoal começa a reclamar, todo mundo com celular no busão. Antigamente, quando só o rico tinha, ninguém reclamava. Pobre com celular, com moto, não pode, o sistema cobra.

Fórum – Você entende isso como uma reação da elite?
Brown – Uma reação. Três governos de esquerda eleitos pelo povo, o Brasil pagou a dívida, a classe C tomando espaço e a Globo expondo isso na novela, todo mundo analisando, os autores são mais jovens e começaram a mudar a mente, as ideias começaram a ir pra tela e os movimentos ganhando força a partir das ideias, muita coisa junto… Os caras reagiram. O que aconteceu em São Paulo aconteceu no resto do Brasil. Em Alagoas, o índice de negros mortos é muito alto, em Belém do Pará, Goiás…

Fórum – E você pediu o impeachment do governador Geraldo Alckmin em um evento na Assembleia…
Brown – Pedi o impeachment do Alckmin e ele tem de tomar providências. Naquela altura, estava em um estágio em que dava a impressão de que o Alckmin não estava nem aí. As declarações que ele deu foram piorando, chegou num ponto de eu achar que ele não sabia o que estava acontecendo. Era suicídio, como ele vai se eleger a qualquer coisa com esses números de morte?

Muitas vezes, acho a mídia com tanto medo e, de repente, vai um canal de direita, que é a Record, que começou a investigação. A gente conversava e sentia que tinha o medo no ar, eram jornalistas com medo, quando eu vi o [André] Caramante isolando e as pessoas pedindo pra ele não voltar, pensei: “Os caras tão com medo, o governo tá junto”. E as declarações que ele [Alckmin] estava dando mostravam isso, que não ia voltar atrás e era um movimento aprovado pelo povo, o povo estava com ele. Redução da violência, crime organizado, a guerra do PCC, o povo leu isso como uma coisa benéfica pra sociedade, mas estavam morrendo os filhos deles mesmos.

Fórum – Será que o povo leu isso desse jeito?
Brown – Pelo número de PMs que foi eleito, percebo que o povo está se dirigindo a votar dessa forma, tem medo. Primeira coisa que se pensa: segurança. Segurança é polícia, entre um cantor de rap, um padre e um policial, ele vai eleger um policial. O voto explica.

“O PCC hoje tem tanto poder que eles nem precisariam da contravenção pra existir”

Fórum – Qual a sua opinião sobre o PCC?
Brown – O PCC hoje tem tanto poder que eles nem precisariam da contravenção pra existir. Aí seria realmente um poder incontestável, e pelo número de mortes que foi reduzido em São Paulo, a gente sabe que muito tem a ver com eles. Já existe o PCC, não precisa fazer nada mais contra a lei. Se é que houve alguma coisa contra a lei… Não seria mais necessário usar contravenção, já existe a autoridade, existe a autoridade instalada, o povo aceitou.

Fórum – Como você vê a ascensão dos movimentos sociais hoje em São Paulo?
Brown – Sou privilegiado de ver acontecer isso, minha geração. Acho digno e muito importante mesmo todos os saraus, as reuniões, os diálogos, todo o movimento de jovens dedicado a isso, a conhecer as causas do Brasil, não só reclamar. É uma geração que não só reclama, que faz, que desce o beco da favela, vai trabalhar, vai bater nas portas. É um novo Brasil, novos médicos, novos advogados, novos pedreiros, novos motoboys, novos motoristas. O que todo mundo bebe, vai ser; o que todo mundo come, vai ser; o que todo mundo respira, vai ser. Daqui a 20 anos, você vai ver o país que está sendo implantado pelo Lula, pela Dilma, pelos Racionais, pelo Bill, pelo Facção Central. Daqui a 20 anos, vai ter um povo que vai ter essa cara.

Fórum – Fale um pouco mais de sua concepção desse novo Brasil.
Brown – Tenho 42 anos, sou fruto daquela geração dos anos 1980, aquela “geração lixo”. “Geração lixo”. Eu sou aquilo, com todos os defeitos e qualidades. Já os nossos filhos, nós que já aprendemos e sofremos um pouquinho mais, vão ser melhorados, mais ligeiros, mais práticos que eu, e não vão rodar tanto em volta do objetivo, vão direto ao foco.

Agora, os meus filhos, a molecada em geral… Ainda temos de lavar a roupa suja. Eu e eles. Não gosto de puxar a orelha dos moleques por revista e nem por entrevista, mas temos roupa suja pra lavar nas favelas, nas vielas, nas ruas, nos palcos, tem muita coisa pra melhorar ainda.

Fórum – Mas existe um orgulho hoje de quem vive na periferia, ele não se esconde mais. Há marcas que nascem na periferia. 
Brown – É o que o judeu fez, o italiano fez, o japonês fez e o preto foi proibido de fazer. Nos dias de hoje, faz, monta time de futebol, loja, grupo de rap. Forma a família, que é onde está o foco nosso, a família, dialogar, organizar… Historicamente foi proibido pra nós, a gente vive correndo, se escondendo, um comportamento de foragido que talvez essa geração não vá ter mais.

Fórum – Será que esse não é o susto das elites, perceber que daqui a 20 anos o Brasil não vai ser mais esse? 
Brown – O Brasil atrasado, os brancos também não querem isso, os brancos ligeiros não querem mais isso. Foi um ganho o branco acordar e o preto acordar também.

Fórum – “Fim de semana no parque” fez vinte anos agora. Você acha que essa foi a principal mudança nesse período, além do ganho econômico, também a elevação da autoestima?
Brown – Começa pela raça, pelo orgulho do que você é, de você ter na sua família a sua raiz. Se você não tem vergonha da sua mãe você vai ouvir mais ela, se você acha sua mãe bonita, seu pai bonito… Eu sou de uma geração em que muitos não tiveram pai, não tive pai, vários amigos não tiveram. Tive de aprender a ser meu pai, o homem da casa sempre fui eu. Isso também fez eu ser quem eu sou, mas acho que seria melhor se tivesse tido um pai. Em várias casas faltam um pai. Acho que a periferia vive este momento de fluxo de cadeia, da molecada se envolvendo na criminalidade, perdendo o direito de ir e vir, de oportunidade de emprego por conta de passagem [na polícia], então vai limitando e as famílias vão ficando empobrecidas. Mesmo que o governo faça, vai estar sempre correndo atrás, essa corrente tem de cortar. Dar oportunidade pra molecada – principalmente para os homens –, que não tem como demonstrar nada numa sociedade em que você tem de parecer que é, pelo menos. A molecada não tem oportunidade.

Fórum – Falando em oportunidade, o que você acha das cotas?
Brown – Como tudo que envolve o negro, é polêmico. Agora, se você negar que o Brasil prejudicou a raça negra… [As cotas] não vão resolver o problema, mas dizer que o negro não é merecedor disso é racismo. Historicamente teria de ter, mas, dentro da raça negra, o lance de cotas é tão dividido ou mais que entre os brancos. Se você chegar na inteligência negra, perguntar ali o que acha da cota… Mano, é treta! Você vai ter cara crânio que é contra, vai falar pra ele que tem de ser a favor… É dividido, acho bom ser polêmico. O problema tem de ser debatido, depois faz o acordo, mas de cara tem de conversar.

“Primeira coisa que se pensa: segurança. Segurança é polícia, entre um cantor de rap, um padre e um policial, ele vai eleger um policial. O voto explica”

Fórum – Qual a sua avaliação do movimento negro no Brasil?
Brown – O movimento negro evoluiu muito, tenho muito orgulho de ver como o movimento atua hoje, algumas reuniões em que eu fui, moleques muito inteligentes… Dá vontade de parar de falar e deixar só os moleques falarem. No dia do evento mesmo, antes tinha falado um garoto do movimento negro, ele já tinha falado tudo. Eu nem quis falar muito porque ele já tinha falado tudo. Antigamente, ia nos movimentos e era um debate muito primário, ranço de 300 anos debatido nos anos 1980, nós estamos em 2013 e a molecada já está debatendo outras coisas, outros poderes, não só os visíveis. Já não querem só a roupa de marca, os caras querem poder, os moleques vêm pesado na reivindicação, no direito, na história. São terríveis e estão vindo aí. Tenho orgulho, já foi um movimento confuso, hoje não é mais. É um movimento prático.

Fórum – Existe uma crítica de que somente o empoderamento econômico não traria consciência social para as pessoas, mas o seu depoimento não diz isso.
Brown – Traz. Traz porque o tempo é dinheiro pra todos, inclusive pra classe C. O micro-ondas, o carro que anda melhor vai fazer você chegar com mais conforto em casa, no seu trabalho, você vai ter tempo pra melhorar. Por que é conforto pro rico e pro pobre não? O pobre vai ficar bobo alegre, por quê? É preconceito. O que faz a vida do cara ter conforto, permitir organizar o tempo, poder estudar, trabalhar e cuidar do filho… Daqui a 20 anos, tá ele formado, o filho estudando, se ele não tivesse o carro, com certeza não trabalhava, não estudava, tinha cuidado só do filho. Ele não tinha estudado e era só o filho, não eram duas rendas, era uma. Bem material “aliena o pobre”, porque pobre é alienado, esse é o discurso… O pobre não tem inteligência… Sabedoria do povo é sabedoria do povo, tem de escutar, tem de entender a mensagem.

“Como um país como o Brasil pôde tolerar os números de mortes em São Paulo, em 2012? Ninguém vê?”

Segunda parte da entrevista com o rapper Mano Brown, capa da edição 120 da revista Fórum...

Fórum – Você nunca pensou em se envolver com política?
Brown – Dá preguiça. Vou ser preso por agressão… Primeira reunião é agressão, é foda, tem de ter sangue frio.

Fórum – No Rio de Janeiro, o MC Leonardo saiu candidato. Você não acha que o movimento deveria lançar mais candidatos?
Brown – Não houve sucessos nas últimas eleições, é a ideia que falei da disputa do cantor de rap, do padre e do policial, foi isso que aconteceu. Houve candidatos com votação inexpressiva. O MC Leonardo pegou o Rio de Janeiro de cabeça pra baixo, tá todo mundo embriagado com a UPP. Ele fez o movimento contrário, eu falei pra ele: “Você vai bater de frente com a UPP? O povo tá do lado. Sua bandeira é essa, então é difícil ganhar”. Deixou de ter excesso, UPP é a contenção dos excessos. Vai ter cocaína em todo lugar, maconha em todo lugar, na farmácia, na padaria você compra, vai ter o funcionário que vende a maconhinha… O problema é o excesso, polícia dando tiro, facção trocando tiro, garoto novo com arma.

Fórum – Como você chegou no Marighella? Você pegaria em armas por algum desses motivos que falou aqui com a gente?
Brown – Pegaria. Não sou mais do que ninguém, mas pegaria. Não vejo por que não pegar, mesmo que eu fosse um mau soldado. Faria de tudo pra ser um bom soldado.

Fórum – E o Marighella, como você chegou a ele?
Brown – Eu tinha ouvido falar do Marighella há alguns anos, alguém disse que a gente era parecido até fisicamente, e é mesmo né, mano? Através da esposa de um rapper, amigo nosso, me falaram que ia sair um filme e o pessoal queria falar comigo, porque tinha tudo a ver, Marighella e Racionais. Aí entrei em contato com o pessoal do filme e peguei a missão de fazer a música.

Fórum – Você se surpreendeu com a história dele? 
Brown – Me identifiquei demais com ele, pra caralho, como pessoa. Gostava de futebol, samba, poesia, mulheres e não tinha medo de morrer, por isso ele é um líder até hoje.

Fórum – E religião, você tem proximidade com alguma delas?
Brown – Minha mãe é seicho-no-iê, comecei a ir para a igreja por influência de amigos, estudei em colégio de ensino adventista, então tenho essa proximidade. Mas nasci dentro do candomblé e convivi com as duas culturas, uma conflitando com a outra. Imagina se eu sou confuso?

O adventista não agride tanto o candomblé ou qualquer outra religião, mas o neopentecostal é mais forte nisso, até porque os integrantes são tudo ex-filhos de santo, a maioria.

Fórum – As igrejas evangélicas estão cada vez mais presentes nas periferias de São Paulo…
Brown – Já foram mais.

Fórum – Qual a sua opinião sobre algumas lideranças religiosas, alguns pastores que estão enriquecendo? 
Brown – O povo tá injuriado com esse duplo sentido deles, essa dúvida sobre a honestidade que deixam no ar. E outra, tá meio neutralizado esse avanço, o povo fica de olho nessa dúvida que eles deixam.

Fórum – E o que mudou?
Brown – O que mudou é esse monte de escândalos em que eles se envolvem. “Ah, o cara é representante de Jesus”, mas quem deu esse direito a ele? “Ah, Jesus falou…”. Então tá, falou pra ele e por que não falou pra mim?

Fórum – Eles nunca tentaram chegar em você?
Brown – Não. Eles xingam os Racionais na TV, mas sem saber. Vou na igreja, gosto da ideia e da fé. Gosto de ajudar, de descer a favela, ir na cadeira, sou devoto dessa ideia, seja do candomblé, do evangélico ou do comunista, o cara que coloca em prática o que Jesus falou.

“Eu como e bebo por causa da pirataria, é minha rádio. Minha música nunca parou de tocar por causa da pirataria, ganhei e perdi na mesma proporção. Tá bom”

Fórum – Você falou de pegar em armas. Na periferia já não existem grupos de garotos falando em reagir, vingar essas chacinas?
Brown – Essa resposta você vai ver em sete ou oito anos. Essa ferida não vai cicatrizar, quem mora naquele lugar onde morreu o Lah não vai esquecer, os moleques vão crescer, mano. Quem viveu aquilo não vai esquecer.

Fórum – O governador Geraldo Alckmin, na sua opinião, está pecando por omissão ou é conivente com essa situação?
Brown – Peca por negligência, peca por prevaricação, por não executar a lei.

Fórum – Uns dois anos atrás, você disse que queria mudar sua imagem, que estava ficando “mapeada e óbvia”. Você mudou? Quem é o novo Brown?
Brown – O novo Brown não existe, porque esse termo “imagem” não existe, imagem é nada. Eu sou o Brown mais velho, macaco velho. Estou menos óbvio, menos personagem e mais natural. Comecei a tomar cuidado. Nunca fui oportunista, vivo de música, não sou um político que faz música. Eu não estava falando de chacina, de nada disso, estava preparando um disco de música romântica, aí começou a morrer gente aqui e tive de fazer alguma coisa.

Fórum – Você sempre teve uma visão crítica da mídia. O que acha dela hoje?
Brown – Ando muito chateado com a mídia por conta da chacina do final do ano. Dá para ver quem são os mais contestadores, eles são mais jovens e não têm forças. Os mais velhos têm espaço, mas são conservadores. Quem é da mídia e queria falar estava amarrado, e quem poderia falar fechou com a polícia, meio que concordando, entendendo mais a polícia do que a gente. Ontem (6 de fevereiro), em outra chacina em Guarulhos, mataram três irmãos nossos, filhos da mesma mulher, que já não tinham pai. Típico. A mulher de 40 perde os filhos de 15, 18 e 21 porque um polícia morreu na quebrada deles e mataram cinco para vingar.

Fórum – A chacina em que morreu o Lah realmente marcou você…
Brown – Muito, mano. Eu estava acompanhando antes daquilo, na véspera da eleição eu falei, em novembro; avisei de novo, aí depois vem essa chacina… Foi uma ação suicida, deram tiro com a bala da delegacia, foi como se dissesse assim: “Governador, você não é homem, o Estado não existe. Brasil, você é uma merda. Vem me pegar se vocês quiserem, matei sete pessoas no bar, com arma da polícia, e não vai dar em nada”. Deixou o recado. Como um país como o Brasil pôde tolerar os números de mortes em São Paulo, em 2012? Ninguém vê? ONU? Unicef? Qual a justificativa para tantas mortes? Não estamos em guerra. Queria saber como a Dilma lidou com isso.

Fórum – Sua relação com o Lula sempre foi forte.
Brown – É uma relação de respeito, sem badalação. Desde adolescente, eu votava no Lula, eu era simpatizante do PT, criei empatia. Ele é um cara honesto, gosto do Lula.

Fórum – E você ainda tem simpatia pelo PT?
Brown – Tenho. O PT, com todos os defeitos, ainda é a única coisa que a gente tem para lutar contra o PSDB, o partido do Alckmin, do Serra, da polícia tal, do delegado tal.

Fórum – Olhando para trás, após 25 anos de Racionais, você consegue identificar por que os Racionais ficaram tão grandes?
Brown – Porque o povo é muito grande. De cara, eu e o KL Jay, a gente trabalhava juntos, e falávamos que a periferia é a maioria absoluta e não tinha para ninguém. Se eles vierem com a gente, tá feito. O rap é a única coisa que sabia [fazer] e acredito nele até hoje.

Fórum – Quantos discos o Racionais vendeu?
Brown – Não tenho ideia, uns 2 ou 3 milhões.

Fórum – O que você pensa da pirataria?
Brown – Ótimo. Eu como e bebo por causa da pirataria, é minha rádio. Minha música nunca parou de tocar por causa da pirataria, ganhei e perdi na mesma proporção. Tá bom.

Fórum – Seu disco novo vai vir mais romântico mesmo? Você sempre falou de sua admiração por Marvin Gaye e Barry White, está se inspirando neles?
Brown – Continuo sendo o mesmo cara, interessado pelas coisas políticas do Brasil, pelo povo. Musicalmente, sempre gostei de música romântica, do Jorge Ben, Djavan, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho… Hoje em dia, as pessoas esperam do Brown aquele posicionamento combativo, de luta e guerra, mas aí é um personagem também, né? O Brown é um cara atuante, que tá buscando na vida novidade, força, inspiração, razões, buscando pessoas… É o que eu mais busco: pessoas. Quando as pessoas viram as costas e saem andando, você tem de saber por quê. Para dar continuidade ao trabalho, temos de caminhar pra frente, não voltar ao zero toda hora. A juventude precisa de rapidez, mobilidade de ideias, não dá pra ficar na mesma ideia todo dia. Seria uma atitude até covarde, fácil, ficar jogando mais lenha na fogueira. Então, você tem de buscar outras ideias, que passam pela raça também, com certeza.

Fórum – E essas novas ideias…
Brown – Passam pela raça, todas as ideias. Mas nenhuma ideia é desprezível.

Fórum – Você gosta de polêmicas, Brown?
Brown – O Brown está como sempre, velho e chato. Atuante, jamais calado ou inoperante. Tô aqui, ali, gesticulando, trazendo divisão de ideias, porque meu papel é esse também, trazer essas ideias, e tem de saber o que o povo quer também, não é só o que os intelectuais querem. Os comuns têm direito à opinião. E se a opinião dos comuns não for igual à dos intelectuais? Vai fazer uma ditadura, vai se isolar? Vai ter de interagir. Que nem quando escolheram o Serra, ficamos aqui, interagindo com as consequências da eleição do Serra [para prefeito, em 2004], encontrei gente na favela que votou nele. Quando a gente erra, o reflexo é violento.

Fórum – Você falou da eleição de policiais. A base de votos deles está na periferia. 
Brown – A base de voto de todo mundo. O público-alvo é a massa, os números estão aqui. Os partidos não conseguem se eleger com conceitos, é com números, com votos dos que não sabem o que estão fazendo e dos que sabem, dos brancos, índios, negros, confusos. Depois, quando estão lá em cima, decidem que direção tomar. Ter candidatos de dentro das comunidades seria bom, mas acho que isso ainda vai demorar um pouco. Do mesmo jeito que o rico se cerca com cerca elétrica, o pobre quer pular.

Fórum – Apesar de não ter candidato, a comunidade está exercendo um poder de pressão não pela via política, mas pela mobilização. Você vê que as pessoas estão experimentando novas formas de fazer política que não sejam necessariamente pelo voto?
Brown – Há quem diga que o povo que votou no Serra queria mudança, o que é uma forma de inteligência. Mas trouxe consequências gravíssimas na relação entre o povo e o poder, acabou o diálogo. Vamos ver o número de homicídios na periferia, não é possível que, por mais que sejam maquiados, que a informação seja negada, alguns excessos como essa chacina… No caso do DJ Lah, foi quando eu vi a revolta realmente, sete pessoas mortas em um lugar onde já tinha morrido um, prometida uma vingança… O povo vê a fragilidade, a opressão, o medo das famílias.

Um povo que não tinha noção de direito, de cidadania nenhuma, não sabe o que representa, o poder que tem, não confia em ninguém e, consequentemente, não respeita ninguém. Não vai respeitar o orelhão, não vai respeitar o ônibus, o que tem cheiro de sistema é alvo de agressões. É o orelhão que o moleque, por ignorância, quebra, até a casa onde ele picha. Então, a relação é entre seres humanos, não entre robôs, o comandante que está ali atrás da farda é um ser humano, o cara que dá a palestra na hora de formar o soldado é um ser humano, tem mulher, tem filhos. O que ele lê, o que assiste na TV, o que ele come, o que sofreu na infância dele pra ter esse comportamento?

“Os comuns têm direito à opinião. E se a opinião dos comuns não for igual à dos intelectuais? Vai fazer uma ditadura, vai se isolar? Vai ter de interagir”

Fórum – Recentemente, você esteve em Nova York e encontrou o Criolo lá. Quando você sai do País, você vai nas periferias? Como você vê o comportamento da juventude nesses locais?
Brown – O negro brasileiro é caloroso, e o americano é arredio, é outro comportamento. Fui lá procurar uns contatos de uns negões, uns negros muçulmanos, pesado demais cara, sombria a parada. Os caras ensinando coisas ruins para os negões, ensinando a fazer bomba, vai vendo, vai só piorando, é foda [risos]. O cara coloca na cabeça dos meninos a religião e tira a preguiça do corpo, dão motivo para o cara querer lutar.

Fórum – O Racionais, de um tempo para cá, tem sido muito ouvido na classe média. Como você lida com isso?
Brown – Há quem diga que a classe média é que cresceu muito [risos]. Mas já estava lá. Vejo com respeito, ouço crítica, elogio, converso, é importante ouvir o que eles dizem. Acho da hora que eles venham falar, até pra explicar minhas teorias, há muitos que vão de embalo, mas no caso do Racionais, estamos meio à prova de “embalista”, porque estamos há dez anos sem lançar disco, curte quem gosta mesmo. Não tem “modinha” Racionais.

Fórum – Como você tem se relacionado com os movimentos culturais, como o Tecnobrega?
Brown – Apoio. Conheci a Gaby Amarantos na MTV, mina lutadora, a nossa luta é a mesma, ela como mulher e negra, a luta é duas vezes maior. Eu dialogo com todos, o pancadão, os saraus, a várzea, até a música gospel. Sou envolvido com o começo da música gospel no Capão, não como evangélico, mas como amigo dos caras, eu gostava dos caras e eles gostavam de mim do meu jeito, a cena é forte aqui.

Fórum – Como é a história daquele diálogo inicial do Vida Loka 1?
Brown – A gente correu um certo perigo naquela gravação, porque celular em presídio é proibido, tá ligado? E é passível de punição. Ele estava preso, o disco saiu assim e não pegou nada. Houve uma falha no sistema, que estava meio embriagado de poder e nem viu nada. Naquela época a cadeia estava cheia de celular, e aí, porra, a gravação foi feita daquele jeito, ele lá dentro, falando comigo aqui fora.

Fórum – E o Santos? Você é um dos torcedores símbolos do Santos.
Brown – Não reconhecido, o Santos nunca me chama para nada, eu até conheço o presidente do Santos. Inviabilizei a contratação do Rafael Moura, ah, melei mesmo, contrata a Xuxa também, tá de brincadeira [risos]. Aquela reunião foi treta, aí eu sugeri: “Traz o André aí”. O Santos tá com um complexo de pobreza que eu não compreendo, esse negócio ridículo de colocar vidro no estádio inteiro, não dá pra ouvir as vozes da torcida, diminui a pressão. Os caras ficam batendo nos vidros, ficam parecendo loucos, esse negócio de colocar televisão nos camarotes. O setor Visa é vazio o ano inteiro, eu já perguntei ao presidente pra quem que é bom o marketing da torcida vazia, abre a câmera e o estádio está vazio.

Fórum – E o Neymar?
Brown – O Neymar é sensacional, melhor coisa que aconteceu no Brasil depois da eleição do Lula. Só poderia ter nascido no Santos mesmo, é foda, não cabe em outro time, mano.

Agradecemos à Produtora Boogie Naipe pela colaboração.