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terça-feira, 5 de setembro de 2017

Em 2017, GDF não gastou um centavo em medidas de combate ao racismo

Rafaela Felicciano/Metrópoles

Em 2017, GDF não gastou um centavo em medidas de combate ao racismo

Levantamento feito pelo Nosso Coletivo Negro aponta que a situação se repete desde 2015. Cerca de 56% dos habitantes do DF se declaram negro

por Pedro Alves,
O Governo do Distrito Federal não tem gastado os recursos destinados a políticas para promoção da igualdade racial. É o que aponta um levantamento feito pelo Nosso Coletivo Negro, grupo que atua pela defesa da diversidade étnica no DF. De acordo com a pesquisa, entre 2015 e 2017, o Executivo reservou, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, R$ 461,2 mil para políticas de promoção da igualdade racial. A maior parte desse dinheiro, no entanto, não foi efetivamente disponibilizado e, até agora, nenhuma quantia foi executada.

Em 2015, o orçamento do GDF previa a destinação de R$ 41,2 mil para a realização de políticas públicas de igualdade racial. Desse total, apenas R$ 35,2 mil foram efetivamente disponibilizados. Nenhum centavo do dinheiro, no entanto, foi gasto com o objetivo previsto. Situação parecida ocorreu no ano passado, quando o Executivo local previu orçamento de R$ 10 mil para a promoção de políticas do tipo, mas só disponibilizou R$ 2,5 mil. Desse total, nada foi executado.

Para este ano, as ambições do Governo do DF foram maiores. O orçamento previu a destinação de R$ 410 mil para políticas de promoção da igualdade racial. O dinheiro efetivamente concedido, no entanto, soma apenas R$ 122 mil, sendo que nenhum recurso foi gasto até agora. A única iniciativa realizada no DF nos últimos três anos foi a Caravana da Juventude Negra, organizada em 2015 em convênio com o governo federal, que custou R$ 750 mil.

A situação preocupa defensores da causa negra na capital federal. Para Artur Antônio, representante do Nosso Coletivo Negro, “os dados constatam o apagão total das políticas de igualdade racial do GDF. É uma situação muito triste, mas coerente com o racismo institucional existente na máquina pública, composta por pessoas que não entendem a importância dessas ações”, explica.

Saúde, educação e segurança
 
O grupo decidiu fazer o levantamento após perceber o que chama de “visível insuficiência de ações governamentais” para a população negra na capital. No documento, o coletivo também faz críticas à falta de iniciativas do GDF em diversas áreas, como educação, saúde e segurança pública.

De acordo com o Nosso Coletivo Negro, das 27.347 vagas oferecidas pela Secretaria de Educação do DF para cursos de formação de professores em 2015 e 2016, apenas 315 estavam relacionadas a aulas que abordavam a temática da educação nas relações étnico-raciais. O grupo aponta ainda a baixa quantidade de diretores de escolas negros no DF: apenas 47 de 672, o que representa 6% do total.

Já na saúde, o coletivo reclama da falta de efetividade do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, instaurado em 2013. Segundo o grupo, o GDF apenas apresentou um planejamento de ações, sem resultado ou execução efetiva. O levantamento cita ainda a falta de ações de combate ao racismo entre os membros da força de segurança pública do DF.

Para Artur Antônio, a situação atual ajuda a aumentar as disparidades sociais entre os diferentes grupos étnicos. 
 
"Cerca de 56% dos habitantes do DF se declaram negros, mas o governo não possui políticas para atender essa população. Há uma miopia política que os impede de ver a necessidade social desses grupos."Artur Antônio, representante do Nosso Coletivo Negro 
 
1/4O grupo Nosso Coletivo Negro afirma que faltam medidas de promoção da igualdade racial em diversos setoresDaniel Ferreira/Metrópoles
 
2/4Na educação, o coletivo critica a baixa quantidade de diretores de escolas negros e o reduzido número de cursos de preparação de professores ligados à temática racial. Rafaela Felicciano/Metrópoles
 
3/4Já na área da saúde, o Nosso Coletivo Negro afirma que falta efetividade ao Comitê Técnico de Saúde da População Negra. Rafaela Felicciano/Metrópoles

4/4O grupo afirma ainda que falta educação sobre a abordagem racial nas forças de segurança pública. Daniel Ferreira/Metrópoles

Corte de gastos
 
De acordo com a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh), a falta de execução dos recursos tem um simples motivo: a crise econômica que assola o DF. A pasta afirma que, em 2015, propôs um projeto para o mês da consciência negra. No entanto, “com o contingenciamento dos recursos, e a perspectiva de reestruturação da pasta, a Subsecretaria de Administração Geral (Suag) informou da inviabilidade de executar o orçamento”.


Já em 2016, segundo a Sedestmidh, os R$ 2,5 mil disponíveis para promoção de políticas de igualdade racial deveriam ter sido utilizados para custear um coffee break durante o curso de conscientização contra racismo realizado na Universidade de Brasília (UnB). A pasta, no entanto, foi informada em novembro que não poderia contratar o serviço por meio de dispensa de licitação. Pela proximidade com o fim do exercício, os recursos não puderam ser realocados em outra iniciativa.

Para este ano, a Subsecretaria de Igualdade Racial (SIR) da Sedestmidh pretende realizar a IV Conferência Distrital de Igualdade Racial, em novembro. Segundo a pasta, o projeto está atualmente sob análise da Casa Civil e, caso aprovado, custará R$ 250 mil aos cofres públicos.

Críticas

A Sedestmidh também respondeu às críticas feitas pelo Nosso Coletivo Negro. Quanto à educação, a pasta afirma que os cursos de Promoção da Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo oferecidos a professores têm baixa adesão e que, das quatro turmas anunciadas, três foram canceladas por falta de interessados.

Em relação à saúde, a Sedestmidh afirmou que vai realizar o I Fórum de Saúde de Populações Vulneráveis em outubro, e que tem feito articulações para incluir a temática racial na capacitação dos docentes, discentes e servidores da SES. Ainda de acordo com a pasta, foi proposta uma campanha publicitária sobre a questão racial no sistema de saúde pública. No entanto, a iniciativa foi inviabilizada por falta de recursos.

Já quanto à segurança pública, a pasta afirma que a Escola de Governo do DF capacitou 50 servidores da Secretaria de Segurança Pública na temática racial e que a Subsecretaria de Igualdade Racial (SIR) já manifestou ao Núcleo de Direitos Humanos da Polícia Militar o interesse em contribuir com a capacitação e a formação de PMs. Segundo a Sedestmidh, a corporação informou que já trata do tema na formação e capacitação.
 
Fonte: metropoles

Não fale em nome de Deus


Por Douglas Rodrigues Barros **,
Semana passada circulou em vários grupos de Whatsapp um texto supostamente escrito por um deputado que tem em seu currículo não apenas a liderança religiosa, como também, a acusação de abuso contra uma mulher e a contratação de cinco pastores que não cumpriram as funções determinadas pelo cargo: o famoso empregado fantasma. Haja vista, contudo, que tais textos não são criteriosos e dificilmente se comprovaria a autenticidade da autoria, o seu conteúdo, não obstante, é no mínimo estarrecedor e antirrepublicano no sentido mais baixo do termo. O pequeno artigo em questão buscava justificar o voto do deputado contra a investigação sobre Michel Temer, baseando-se numa suposta ordem divina ipso facto.

É mais que evidente que, nos últimos anos, a influência de algumas igrejas evangélicas na política se tornou assombrosa. O famoso parlamentar Eduardo Cunha, por exemplo, que faz parte da Assembleia de Deus – ministério Madureira – foi acusado pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot de utilizar essa igreja para receber 5 milhões em propina[1]. Além disso, os casos de corrupção, abuso de poder e desrespeito as diferenças cometidos por parlamentares ligados ao neopentecostalismo são muitos e bem conhecidos.

Não se pode tomar, porém, a parte pelo todo. Sabe-se do trabalho efetivo que muitas igrejas evangélicas fazem nas periferias e, mais importante que isso, do sentimento sincero de muitos dos adeptos dessas igrejas que majoritariamente são mulheres e homens pobres. De fato, a religião continua sendo o coração de um mundo sem coração (Marx). E qualquer apreciação supostamente ateia-iluminista soaria estéril frente a falta de expectativas reais de melhoria social ou de locais de recreação, entretenimento e aprendizado que, na sua total ausência, transfere para as igrejas evangélicas o tributo da socialização.

Eu poderia ainda tecer críticas utilizando-me do materialismo vulgar ou do ateísmo religioso que no fundo reafirmam a fé em uma ciência que fora igualmente mistificada pela sociabilidade mercadológica. Sabemos, contudo, que o ateísmo voltairiano é conquista de poucos rincões “iluminados” e endinheirados. Contra todos os prognósticos políticos e filosóficos, a religião continua sendo elemento social cuja importância, não poucas vezes, fora subestimada. Ela “a despeito dos seus múltiplos significados se manteve, mesmo que a fé saia de um deus todo-poderoso e passe para as últimas pesquisas da nanotecnologia”[2], o véu de maia permanece intacto. Tal verdade deveria ser matéria de discussão, mas pouco ou nada se fala a respeito, mesmo sabendo que o legado cristão é precioso demais para ser deixado aos fanáticos fundamentalistas, assistimos boquiabertos a nova espiritualidade proclamar seus ritos e morais em tempo real na televisão.

Do Oriente ao Ocidente, do Oiapoque ao Chui, a crença continua produzindo a sombra de um sentido para milhares de almas que enxergam, na atual sociabilidade capitalista, a podridão e a falta de razões para a existência. E isso desde a fé de Nova Era – espiritismo, budismo, umbandismo classe-média, esoterismo –, passando pelo neopentecostalismo, até a desvirtuação do Islã. A religião permanece, portanto, como fonte de respostas aos anseios da alma que esvaziada pelo consumo, se volta para a felicidade eterna por meio de um mundo extra-humano.

O problema, entretanto, surge quando, num processo regressivo, a “religião” – utilizo as aspas para indicar que estamos falando de algo específico – se utiliza da fé e em nome de Deus passa a fazer política. Os exemplos dessa maldição são muitos: desde os massacres envolvendo protestantes e católicos até a justificação na perseguição de etnias e grupos de outras crenças.

Ora, o que fundamentou os direitos universais do homem foi a conquista da liberdade religiosa. Conquista que só pôde ser efetivada a partir do momento em que a Religião deixou de estar atrelada ao Estado. Como consequência é possível compreender que uma das conquistas mais profundas da Revolução Francesa fora a separação entre o Estado e a Igreja. Essa conquista torna-se assim um bastião inabalável da própria liberalidade democrática fazendo com que sua defesa seja intransigente e independente do posicionamento no espectro político. O Estado é laico, e sua laicidade é o pressuposto da própria liberdade religiosa.

Assistimos hoje impassíveis, cada vez mais o perigo do crescimento de líderes religiosos vinculados à política partidária. Tais lideres justificam seu conservadorismo e no nome de Deus cospem preconceito e ódio insuflando a crença em um inimigo imaginário para se elevar politicamente. Ora, qualquer consciência minimante informada sabe como esse obscurantismo é catastrófico para a vida social numa simples pesquisa na internet se chega à conclusão de como os desastres da aproximação Estado/Religião influíram em massacres, censuras de pesquisas, destruição de livros, etc. O sonho por um Estado religioso, portanto, sempre esteve permeado pela negação radical – ou seja, pelo massacre – daqueles que não creem no mesmo. E o ódio pelas diferenças, propugnados por esses mesmos líderes, deveria ser nosso sinal de alerta.

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** Acabou de publicar o romance Cartas Estudantis, é doutorando em filosofia política pela Universidade Federal de São Paulo.

[1] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/janot-acusa-cunha-de-usar-assembleia-de-deus-para-receber-propina/

[2] https://lavrapalavra.com/2017/03/17/deus-no-diva-reflexoes-sobre-a-monstruosidade-de-cristo/

Imagem de Cleiton Custódio Ferreira
 

Rede de especialistas e ativistas em Justiça e Direitos Reprodutivos

 
👊A ideia é criar uma rede de pesquisadoras e ativistas pela justiça reprodutiva (direitos reprodutivos aqui será contemplado mais amplamente), em que possamos fazer releituras de conceitos e práticas sobre direitos reprodutivos e saúde reprodutiva, trazendo a discussão da Justiça reprodutiva para nós, pesquisadoras e ativistas no Brasil. Pensando em releituras das práxis e trazendo também a discussão interseccional e o racismo institucional como caminhos de olhar os direitos e suas violações.

👊A rede também servirá para pesquisadoras que precisem de suporte nas temáticas ou precisam construir seus temas, assim como para realizar as suas ações nos serviços de saúde nas diversas áreas de formação e ativistas que estão na luta por direitos. 
 
Objetivo da Rede
👆 Colaborar com pesquisas e intervenções pela garantia da Justiça Reprodutiva e dos Direitos Reprodutivos
👆 Construir Construir bancos de dados com pesquisas na área
Identificar pesquisadoras(es) e ativistas
👆 Construir um espaço que possa contribuir na luta por justiça reprodutiva, garantia de direitos e de enfrentamento ao racismo, sexismo e outras opressões correlatas
👆 Colaborar com pesquisadoras na construção dos seus projetos de pesquisa (conclusão de curso, dissertação e tese)
👆 Contribuir com profissionais das diversas áreas sobre as práticas de saúde reprodutiva e saúde integral à mulher com foco no racismo, sexismo e outras opressões correlatas

Então, tenham interesse e respondam o questionário - https://goo.gl/cu5Dqk

Fale conosco - Emanuelle Goes (emanuellegoes@gmail.com) Mariana Lima (marianapittalima@gmail.com) e Paula Gonzaga (paularitagonzaga@gmail.com) 
 

Discursos extraordinários


No planeta Skol, um jovem negro, livre, leve e solto, atravessa a faixa de pedestre. O jovem sorridente representa o “desconhecido”, o “novo”. No anúncio, a cerveja Skol desafia os consumidores a, deixando seu quadrado, interagir com a diversidade.

O aparecimento de jovens negros no planeta Skol é muito recente, ainda não tiveram tempo de multiplicarem-se, e o planeta Skol permanece dominado pelos brancos, os quais, portanto, dão ainda os primeiros passos no inusitado diálogo com o “outro”, esse desconhecido subjugado há mais de quinhentos anos.

A rigor, o planeta Skol não está sendo submetido a mudanças que o desfigurem mais profundamente. Suas representações da tolerância e da diversidade são simplificadas, um papo de cerveja, e essas representações correspondem a um mundo de que, a sério, todos duvidam da existência.

Na real, os personagens sabem que possuem o direito de vida e morte sobre o descolado recém-chegado. Ele é a manifestação e o símbolo daquilo que os demais foram educados para considerar indigno de convivência.

No entanto, os mecanismos que permitem ao discurso da propaganda tratar o negro como “novo” e “desconhecido” ajudam a afastar a história do país, na qual o negro se faz presente desde o início do século XVI, do produto anunciado, a cerveja Skol, e a sugestão, bem ao gosto da mídia, é a de um jogo que começa agora.

Começa agora também na Bayer do Brasil. Num estalo, seu presidente executivo decidiu contribuir com a luta contra a discriminação dos negros: “Preciso tomar alguma atitude para ampliar a presença de negros aqui, mas não sei como começar”.

A Bayer tem representantes no Brasil desde o final do século XIX e seu atual presidente angustia-se, em texto para a revista “Veja” ( edição 2543, 16 de agosto de 2017), porque quer tomar iniciativas que assegurem a inclusão de negros nos cargos mais altos. Finalmente, Theo, parabéns. Theo Van Der Loo é brasileiro e declara que a Bayer planeja adotar meta de 20% de estagiários negros até 2020!

Imagino que, nesses termos, o tema não tenha sido abordado antes nem marginalmente. Em seu relato, Theo Van Der Loo afirma que procurou alguns funcionários negros para ouvi-los a respeito, criou um grupo de afinidades para “organizar o pensamento sobre o assunto dentro da Bayer” e estabeleceu “uma parceria com uma empresa que tem um banco de candidatos negros”.

A frase “organizar o pensamento dentro da empresa sobre o assunto” sinaliza para as dificuldades com outros setores e executivos da empresa. Theo desabafa: “A maior ajuda que recebi foi de profissionais negros que trabalhavam na Bayer”.

Vocês que me leem podem achar que a angústia de Van Der Loo se cura com muito pouco, mas ele se diz inspirado pelo desejo de fazer o bem.

Pelo que entendi de uma entrevista de Celso Athaíde a Mario Sergio Conti (17/08/2017), na Globonews, a respeito da criação do Partido Frente Favela Brasil, um partido de negros e favelados que contará com o apoio indispensável de brancos desejosos de fazer o bem, Theo da Bayer seria uma presença significativa no Partido Frente Favela Brasil.

Celso Athaíde disse ainda a Mario Conti que o protagonismo no partido será de negros e favelados e os brancos deverão, numa analogia invertida e no limite do delírio, empurrar o carro no desfile da escola, para os negros brilharem.

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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo 
 
Fonte: bradonegro

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Pela Vida das Mulheres Negras, vamos todas/os/es

por Emanuelle Goes,

“A noite não adormece nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia …”

Conceição Evaristo
 
Eu gostaria de escrever que não dormimos pra viver intensamente tudo de bom que tem a vida, mas a noite não adormece nos nossos olhos, porque vigiamos o racismo que fica na espreita, aguardando nosso cochilo. Não dormimos porque está sob nós o peso do racismo, em nossos corpos que se estende a comunidade inteira.

Na madrugada vigiamos na janela, tal como a lua que vigia, a demora do menino negro que não chega, o menino-filho-pai-irmão-vizinho-companheiro, a tormenta da espera, que seja mais uma vez o atraso: culpa do transporte ou porque a noite estava linda e se estendeu.

No Brasil estima-se que mais de 42 mil adolescentes de 12 a 18 anos poderão ser vítimas de homicídio nos municípios com mais de 100 mil habitantes entre 2013 e 2019 (UNICEF). E dos 30.000 jovens vítimas de homicídios por ano, 77% são negros. As mães dos filhos assassinados seguem a vida adoecidas, a saúde integralmente comprometida, vivendo na ausência de tudo.

A tripla ou mais jornadas de trabalho que não nos deixam dormir. Deita tarde para organizar a vida da família, o acesso a bens duráveis como a máquina de lavar roupa, que poderia contribuir para um cochilo, chega de forma lenta e hierarquizada até as mulheres, cerca de 66% das mulheres negras urbanas que são chefes de família não tem máquina de lavar, as mulheres negras rurais chegam a 90%.

Levanta cedo percorre a cidade por horas a fio para chegar no trabalho, a imobilidade urbana não nos deixa dormir, o uso do tempo não é favorável. São as mulheres negras sudestinas (15,5%) que perdem mais tempo no deslocamento da residência ao local do trabalho, mais de uma hora e meia, enquanto apenas 5,4% das mulheres brancas sulistas estão nesta situação.

E seguimos nós, o trabalho doméstico que para muitas ainda é sim uma realidade, pois cerca de 63% das mulheres são negras neste tipo de ocupação, que nós vê como “quase da família” para precarizar mais ainda o trabalho e incidir com sucesso o racismo cordial.

De acordo com o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, apesar se sermos a maioria neste tipo de serviço, são as mulheres brancas (29,3%; negras 24,6%) tem mais acesso a carteira assinada. Reforçando o caráter estruturante da discriminação racial e do racismo que permanece e é fruto do regime escravocrata. Diante disso como dormir não é mesmo?

Atenta, com os olhos abertos, espaços públicos e privados são perigosos para nós, nossa integridade física, psicológica, sexual estão sempre em risco pela violência doméstica, pelos estupros, pela hipersexualização dos nossos corpos. Somos nós que mais morremos de mortes violentas neste país, a violência para nós é mais letal e nos últimos dez anos aumentou 54%. E estamos também mais expostas a violência sexual, somos 61%.

A nossa batalha começa cedo na busca por um serviço de saúde, quantas vezes, é na fila do SUS que vamos a aguarda o dia amanhecer e a vaga pra consulta. Sim, mais uma vez somos nós que esperamos mais tempo para sermos atendidas, começamos o pré-natal mais tardiamente e peregrinamos na hora do parto ou do abortamento.

Somos insurgentes, ressurgentes de cinzas. No entanto a luta pela vida das mulheres negras é a luta de todas as pessoas, é a luta por uma sociedade justa, igualitária e equânime para todos/as. Pois, a pirâmide social que demonstra o tempo inteiro que somos a sua base, nos revela que, o que impacta positivamente sobre nós, atingirá consequentemente, toda a sociedade, afinal somos a metade e criamos a outra.

Fonte: populacaonegraesaude

Justiça mantém preso homem acusado de abuso sexual e estupro em SP


Por Bruno Bocchini,
A Justiça de São Paulo decidiu hoje (3) manter preso Diego Ferreira de Novais, acusado de ter cometido abuso sexual e estupro dentro de um ônibus do transporte coletivo na cidade de São Paulo. Em audiência de custódia realizada hoje, o juiz Rodrigo Marzola Colombini entendeu que houve estupro na ação do acusado que, ontem (2), encostou o pênis em uma passageira e a forçou permanecer no lugar.

O juiz transformou a prisão flagrante de Novais em prisão preventiva, sem prazo de duração. Ele deve continuar preso até o final do processo criminal.

“Os fatos amoldam, em tese, a figura típica do estupro, tal qual entendeu a autoridade policial. O indiciado obrigou a vítima que com ele praticasse ato libidinoso ao esfregar seu pênis na perna dela, usando de violência para que a ofendida não conseguisse se esquivar, na medida em que lhe segurou a perna forçando o contato com o pênis ereto”, disse o juiz no termo de audiência de custódia.

Na última terça-feira, Novais já havia sido preso após ter ejaculado em uma passageira. No entanto, na ocasião, o juiz José Eugênio Amaral Souza o liberou aplicando uma pena de multa, por considerar o fato uma contravenção penal. Para o magistrado, não havia elementos para enquadrar Novais no crime de estupro por não ter havido violência.

Novais tem em sua ficha criminal nove ocorrências anteriores pelos delitos de importunação ofensiva ao pudor e ato obsceno, sendo a primeira ocorrida em 2011. Ele já foi condenado duas vezes pela prática de importunação ofensiva ao pudor.

Insanidade mental

No termo de audiência de custódia, o juiz determinou que o acusado fique detido em um presídio onde seja viável o atendimento adequado para pacientes com transtornos de saúde mental. Para o magistrado, há indícios de que Novais sofre de algum distúrbio psiquiátrico. No entanto, o juiz disse que a audiência de custódia não é o momento adequado para decidir se o acusado agiu em razão de problemas psiquiátricos.

“Requeiro que seja determinada a prisão preventiva do indiciado, determinando-se o recolhimento a estabelecimento prisional em que seja possível viabilizar o atendimento adequado em saúde mental”, disse.

“Ainda tendo havido pedido da autoridade policial para a imediata instauração de incidente de insanidade mental nada tenho a opor, pois há indícios acerca de possível desvio de personalidade que leva o indiciado à prática reiterada de delitos sexuais”, acrescentou.

O promotor que participou da audiência de custódia, Rodrigo Marzola Colombini, disse também que, à primeira vista, Novais deve sofrer de algum distúrbio mental. Segundo o promotor, o acusado afirmou que, após sofrer um acidente de carro, passou a “ouvir vozes”.

“O próprio indiciado reconheceu na audiência que sofre de algum tipo de distúrbio mental, que necessitaria de tratamento. A questão da averiguação formal da insanidade mental é um procedimento formal do processo penal e isso será feito posteriormente pelo juiz e promotor do caso”, disse.

O promotor não quis comentar a decisão judicial anterior, que resultou na liberação de Novais.
 
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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil

Estupro e Lei: O Direito serve aos homens, criado à sua imagem e semelhança

 
Por Eloísa Machado e Davi Tangerino*, especial para o blog do Sakamoto
Já sabemos. Ser mulher no Brasil é ganhar menos, submeter-se a duplas jornadas de trabalho, colocar o trabalho em risco se engravidar. Também é ser vítima de violência dentro da própria casa, ter sua palavra questionada quando diz ”não”, ver negada a permissão ou mesmo o poder para decidir sobre o próprio corpo.

É ter medo de ser estuprada, ser cotidianamente submetida a violências e constrangimentos. O mais recente caso acrescenta mais uma modalidade em uma longa lista: em uma viagem de ônibus, ter um homem ejaculando sobre seu corpo.

O direito tenta responder a algumas dessas questões. A incorporação do feminicídio às normas penais e normas de proteção e promoção de igualdade no ambiente de trabalho são alguns exemplos de resposta do direito à persistentes violações aos direitos das mulheres. Talvez o melhor e mais recente deles seja a Lei Maria da Penha, que une a criação de novas instituições judiciais com medidas de prevenção à violência e, sobretudo, reparação integral às vítimas.

O direito responde, mas não sem dificuldade, com severas limitações e muita resistência. Não se engane, o direito continua a servir aos homens – não a categoria universal ser humano – mas sujeito específico, homem, branco, heterossexual. O direito é criado por ele e à sua semelhança.

Esse heteronormativismo patriarcal persiste sobretudo em nosso Código Penal. Mulher honesta pode ter caído em desuso, mas outras categorias persistem igualmente antiquadas e discriminadoras.

Quando analisamos especificamente o crime de estupro percebemos esse movimento de mudança e a resistência que se impõe à sua aplicação. Antes tipificado apenas pela conjunção carnal (penetração vaginal) mediante violência ou grave ameaça, hoje o crime de estupro abrange uma série de outras condutas na redação do artigo 213 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Para além da conjunção carnal (vaginal, oral ou anal), o tipo inclui também outros atos libidinosos, onde certamente estaria incluída a ejaculação sobre outrem. Seria o episódio do ônibus, então, um caso de estupro?

Na audiência de custódia, o juiz responsável pelo caso entendeu que não. Não ignorou a presença do ato libidinoso, mas entendeu não haver constrangimento, nem violência.

Não haveria constrangimento? Não teria a vítima sido obrigada a suportar ato libidinoso contra sua vontade?

O acusado – solto na audiência de custódia – acabou sendo detido por novo ato contra outra mulher também em um ônibus e passará por nova audiência de custódia, na qual o juiz analisará o pedido de prisão preventiva e, também, a insanidade mental.

Sem entrar no debate sobre a pertinência ou não da prisão preventiva nesse caso, que envolve outras variáveis que não apenas a gravidade do crime imputado, a sua reiteração ou mesmo uma doença mental, a decisão parece equivocada ao afastar o constrangimento.

Com casos como esse pipocando pelas manchetes de jornais, saber como enquadrar essas condutas ganha enorme relevância. Havendo ato libidinoso e constrangimento, seria estupro? Porque tantas dúvidas em relação à adequação do ato ao tipo penal?

Nem todo constrangimento, no Direito Penal, é violento.

Constranger é tolher a liberdade de alguém, viciando sua vontade de tal sorte que deixe de fazer o que lei não manda, ou a fazer o que lei não obrigue.

Em sua forma criminosa básica, quando o constrangimento se dá pela via da grave ameaça ou mesmo da violência física, dá corpo ao crime de constrangimento ilegal, com penas que variam de três meses a um ano de detenção, ou multa.

Se, todavia, esse constrangimento violento é direcionado à obtenção de uma vantagem econômica ou a coisa alheia móvel, então tem-se os delitos de extorsão ou roubo, respectivamente. Nesse caso, a resposta estatal aumenta para reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

É no ápice do tratamento penal dos constrangimentos violentos que está aquele que incide na liberdade sexual, com reclusão de seis a dez anos, e multa. Além do tratamento particularmente duro dado aos crimes hediondos.

Onde enquadrar, então, nessa escalada de constrangimentos, a ejaculação em mulher que cochila o cochilo dos justos em transporte público?

Ele é (bem) maior que a pífia reprimenda à contravenção de ”importunar alguém, em local público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”: multa, apenas. Mas há de ser menor daquele empregado para realizar, com violência e grave ameaça, ato libidinoso contra a vontade da mulher.

Há um tipo penal que não mencionamos, também de ”constranger alguém”, que, por ter natureza sexual, talvez nos dê um norte: é o crime de assédio sexual constranger alguém, para obter vantagem ou favorecimento sexual, ”prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Aqui a pena é de detenção de 1 a 2 anos.

Nesse tipo, o constrangimento não é fisicamente violento, mas simbólica e psicologicamente. Incrimina-se a pressão, o assédio, a insistência. Um ato concreto, portanto, extrapola o tipo.

Como a ejaculação transcende o puramente simbólico e psicológico, na medida em que se materializa na nojenta exposição física àquele indesejado fluído corporal, seria mais grave, em nossa opinião, do que o assédio sexual.

O diagnóstico mais preciso é aquele que reconhece que esse ordenamento heteronormatico e patriarcal falha e resiste, mais uma vez, na proteção do “sujeito” de direitos mulher.

Afinal, nessas dúvidas reside mais uma das variadas facetas de um ordenamento jurídico heteronormativo e patriarcal. O crime de estupro, na sua nova formulação, abrange condutas tão diversas em gradações tão amplas de gravidade que sofre de um severo déficit de implementação. Para condutas menos graves, o crime aparece em demasia; para outras gravíssimas, aparece de menos.

Essa deficiência na regulação penal da violência sexual e dos atentados à liberdade sexual não é inocente: representa o descaso, o desconhecimento e a ineficiência de um sistema que não foi criado para proteger mulheres, mas para as expor, culpar e controlar.

O Direito Penal (como prática e como legislação) está impregnado do heteronormativismo patriarcal, e isso se percebe na construção dos tipos penais e na própria narrativa da decisão, que, para aplicar a lei, nega (sem precisar!) o efetivo constrangimento sofrido. Mais uma das incontáveis lacunas, mais uma diferença, mais uma discriminação. Esse buraco, porém, não se preenche com apelos punitivistas e com sacrifício à regra constitucional da legalidade estrita.

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(*) Eloísa Machado e Davi Tangerino são professores da FGV Direito SP

Fonte: Combate Racismo Ambiental

O que acontece é muito diferente


Enquanto o clichê, bastante afastado da realidade, insiste em enxergar uma ameaçadora volta à senzala, algo muito diferente disso parece estar acontecendo com a população negra.

Na busca por razões que possam dar conta da desmobilização e o que entendem como passividade do “povo brasileiro”, alguns formadores de opinião preferem buscar marcas da sociedade colonial escravista no corpo de descendentes de africanos, maioria da população, e elegeram Debret e seus bonecos como a representação conveniente, que traria ainda o prestígio da autoridade cultural.

Um problema para essa explicação cômoda e consoladora é que os negros não se mostram entorpecidos e há sinais evidentes, na conjuntura, de ampliação da mobilização, com destaque para as várias frentes do movimento de mulheres. Uma presença efetiva que vem se adensando, com envolvimento crescente da juventude inquieta.

Não é, deve-se realçar isso, uma intervenção política de tipo único que possa ser reduzida ou controlada dentro de limites partidários. Creio mesmo que as tendências principais que caracterizam o momento não têm origem em organizações partidárias.

Antes da internet, as iniciativas de movimento negro expandiam-se em um subterrâneo praticamente inalcançável por pautas jornalísticas e coberturas, as quais se mostravam indiferentes a fatos políticos que envolvessem o protagonismo de mulheres e homens negros.

Hoje, que há uma avalanche de iniciativas facilmente acessíveis na web, impressiona a pouca atenção que continuam a receber das editorias, num momento, acrescente-se, “em que o jornal é mais lido em sua versão digital do que em sua versão impressa”.

Campanhas, denúncias, marchas, transmissões de debates e palestras quase nunca são mencionadas pela grande mídia, que permanece aferrada a um paradigma que exclui sumariamente um grupo humano expressivo de suas preocupações.

O discurso da volta à senzala e das marcas do escravismo é expressão desse distanciamento, uma explicação ilusória que cria obstáculos para uma análise mais rigorosa. Nosso jornalismo nem imagina que negros possam colocar em questão o poder político, quando os negócios públicos e de Estado apresentam teor elevado de obscenidades, como assistimos na votação da última quarta-feira na Câmara dos Deputados.

Desprezam ainda o fato histórico de que a maior contribuição que demos à cultura brasileira é o fio contínuo, persistente, de nossa luta por liberdade e pela afirmação da dignidade humana de africanos e seus descendentes. Corta essa de volta à senzala.

As ruas e praças vazias devem ser encaradas como um problema político e que deve ser politicamente resolvido. Sem recorrer a atavismos e semelhantes. Há medo e insegurança porque a brutalidade policial irrompe a qualquer momento, diuturnamente vigilante, e o fortalecimento do narcotráfico acrescenta sempre novas formas de opressão. Mas quem fala em omissão e alheamento desconhece o cotidiano de mulheres negras e homens negros. Orientem-se, ou melhor, reorientem suas pautas e livrem-se de representações coletivas prisioneiras da miopia e da preguiça.
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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo

Fonte: bradonegro