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quarta-feira, 14 de maio de 2014

A Falsa Abolição e o feminismo performático

“...Assim, para que as relações de gênero sejam úteis como categoria de análise social,
devemos ser tão autocríticos e socialmente engajados quanto possível sobre tais relações e os
modos como as pensamos. Senão, corremos o risco de reproduzir as próprias relações sociais que estamos tentando entender.
Devemos se capazes de investigar barreiras tanto sociais quanto filosóficas para a
compreensão das relações de gênero.”
(FLAX. 1992:236)


A maioria das mulheres negras que se identificam como feministas já perceberam que o tratamento dado tanto aos temas quanto as próprias mulheres negras dentro desse circulo, é diferente. Por mais que de uns anos pra cá, temas referentes as mulheres negras tenham sido integrados nas pautas principais, a ideia de igualdade ainda é bem distante do ideal. Dentro desse sistema de ligação ineficiente que é o feminismo branco, muitas mulheres negras por não conseguirem se sentir representadas acabam ocupando um papel passivo nestes círculos ou simplesmente o abandonam. Sair de um circulo feminista significa muito, porque são no mínimo dois passos para trás dentro de uma vivência que fortaleceria e muito esta mulher. Muitas abandonam o espaço físico e migram para a internet, porque aparentemente é um espaço mais plural e aceitaria as reivindicações feministas das mulheres pretas. Com animo, seguem textos e mais textos, pesquisas, denuncias e muita vontade de luta, mas ainda sim o protagonismo não é das mulheres negras e o desanimo chega, por fim, muitas mulheres negras se afastam completamente da discussão e vivência feminista, se tornando apenas expectadoras, nesse ponto o sentimento de abandono é intelectual, físico e social. Mas ainda existem ideias, só a vontade que se foi. Então, ficar de olho no que acontece e pensar novas estratégias parece mais animador.

Ficar ali, no cantinho permite ouvir e saber o que esta acontecendo, mas não fortalece enquanto mulher negra, e não causa nenhuma mudança no espaço racista. Uma saída comum é procurar outras mulheres negras e assim tentar suprir algumas lacunas desse abandono, o que também não é nada fácil porque as divisões que o racismo e o mundo moderno nos deixaram, fazem com que muitas vezes as nossas iguais não consigam encarar a produção negra como adequada, boa e possível de ser compartilhada. Não importa o quão bom esta, o conteúdo da produção negra só é compartilhado se exerce o discurso mediano, só é válido se não romper muito com o feminismo branco e liberal. De algum modo, precisa andar junto, se não for assim, será negado e esquecido, afinal é “radical” demais querer se livrar de todas as opressões. E mesmo que seja um conteúdo com pouco rompimento, não há concordância suficiente para se construir um rompimento ideal e como não existe muito apoio dos grandes núcleos feministas, porque são brancos, as produções acabam ficando paradas e as feministas pretas desanimam do mesmo jeito. Esse quadro eu via até uns dois anos atrás. Por isso desisti de escrever e “deixei quieto”, afinal, se não esta bom, se não serve então vou ficar olhando o que acontece.

Nossas experiências com o Movimento de Mulheres caracterizam-se como bastante contraditórias:

em nossas participações em seus encontros ou congressos, muitas vezes éramos consideradas “agressivas ou não-femininas” porque sempre insistimos que o racismo e suas práticas devem ser levados em conta nas lutas feministas, exatamente porque, como o sexismo, constituem formas estruturais de opressão e exploração em sociedades como a nossa. (GONZALES. 1991:79)

O cenário pra nós hoje é completamente diferente, as produções na internet aumentaram muito, existem coisas com qualidade, e parece que uma faísca do feminismo negro se ascendeu, parece bom. Mas o abandono intelectual dos anos passados nos deixou numa carência representativa tão grande que qualquer cara preta que aparece produzindo alguma coisa já nos faz ir lá e “curtir”. Se antes eramos desconfiadas, hoje estamos sedentas de representação e menos seletivas. Nenhuma das duas opções é boa. Se a primeira desanima e favorece o silenciamento das mulheres pretas, a segunda opção favorece o aparecimento de afro oportunismo, sintoma da mesma doença que nos exclui e separa. O afro oportunismo surgiu da lacuna que deixamos no passado e esta dilacerando com as produções afrocentradas colocando as mulheres negras num cenário liberal eurocêntrico e pós moderno que nos exclui de uma forma ainda mais cruel porque nos coloca numa sinuca de bico. A cobrança vem em cima da exclusão que “sofríamos” porque o pós modernismo acha que não somos mais tão excluídas, então a cobrança se justifica: se nós, feministas negras, negarmos qualquer nova demanda de dentro do feminismo, branco, eurocêntrico, racista, opressor, seremos acusadas e cobradas porque sabemos o que é exclusão, então como podemos excluir?


Essa cobrança é estratégica, e coloca as flechas todas apontadas pra nós e sutilmente nos diz: Ou aceitam ou excluiremos vocês. Percebo que ha uma cobrança em cima de nós que esta desmantelando qualquer unificação preta que possa estar menos contaminada com os problemas eurocêntricos. E, as mulheres que não se identificam com a pós modernidade, que normalmente só faz sentido para a classe média embranquecida e travestida de afrodiásporica, acabam silenciadas e excluídas porque não “ servem” para essa nova roupagem do feminismo preto, que esta mais para feminismo branco porque esta usando as mesmas técnicas de exclusão, inclusive com membras brancas fantasiadas de pretas representando e reivindicando direitos que na prática não irão representar as mulheres pretas. Mas afinal, quem liga?

Na pós modernidade se puderem ter homens representando mulheres dentro do feminismo (estou falando de pessoas que se identificam como homens) e mulheres brancas representando negras, esta ótimo! Assim todas as coisas continuam nos seus devidos lugares racistas, machistas e agora, pós modernos e justificados pela autodeclaração. Neste cenário pretas, não podemos nos calar. Ainda existem muitas lacunas à serem preenchidas, se não ocuparmos, alguém ocupará. Não podemos nos iludir com os slogans festivos abortados das praticas sociais mantidas por eles e muito menos com a falsa solidariedade que não rompe barreiras.

Por isso esse post é um convite aberto para as pretas que querem construir uma outra linha de pensamento afro-feminista não liberal e nos colocarmos como alternativa a essa conquista ilusória de espaço que vem se apresentando nas redes e nos movimentos.Estamos sendo absorvidas pra dentro de um movimento que esta nos fazendo perder todas as nossas características e não esta - e nem vai- atendendo nossas demandas. Ser aceita num feminismo que vai colorir nossas correntes ao invés de quebra-las não deve ser opção se afastar e observar também não, porque só nós podemos protagonizar essa luta.

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