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segunda-feira, 22 de julho de 2019

“Minha avó não é menor que Angela Davis. Ela também pavimentou a minha trajetória”

Professora da UFBA, Ana Flauzina lança 'Além do Espelho', documentário que estabelece uma ponte entre os movimentos negros nos EUA e no Brasil


"Resistência é aquilo que, como mulheres, como negros vivenciamos. Minha avó é uma grande resistente. Ela não é menor que o Martin Luther King ou que a Angela Davis. Ela também pavimentou a minha trajetória", enuncia firme Ana Flauzina para explicar os caminhos que guiam sua vida como acadêmica e como documentarista, entre a resistência e o debate na militância do movimento negro. "É por isso que estamos aqui porque as pessoas resistiram e resistem aos sistemas de opressão. A militância é a resistência politizada, é a rebeldia", seguiu a professora do Departamento de Educação da UFBA e doutora em direito pela American University.

Na semana que passou, o EL PAÍS conversou em sua ferramenta de tempo real do Facebook com Flauzina, que lançou em São Paulo o documentário Além do espelho que estabelece uma ponte entre os movimentos negro no Brasil e nos EUA ao jogar luz no pensamento e nas trajetórias do jornalista brasileiro Edson Cardoso e do cineasta etíope radicado nos EUA, Haile Gerima.

https://www.facebook.com/elpaisbrasil/videos/1738563626203580/

Na entrevista ocorrida na ultima terça-feira, e disponível na íntegra no vídeo no link acima na página do ElPais no Brasil, Flauzina explicou sua motivação para conciliar a sala de aula e os artigos acadêmicos com a experiência de fazer um média: queria promover diálogo e difusão de ideias - "Um cara como Haile Gerima, que é um dos mais importantes cineastas independentes da história, tem uma obra quase desconhecida por aqui" - e, ao mesmo tempo, ter um produto que pudesse ser levado às salas de aulas, aos centros comunitários, às prisões. "A plataforma do movimento negro salva vidas. Salvou a minha e a de várias pessoas que eu acompanho. Eu digo que é um encontro empoderado com esse espelho. É um poder ser, de fato, apesar das entranhas do racismo", disse.

O documentário, de quase uma hora, justapõe as visões de Cardoso e Gerima sobre vários temas: história, Barack Obama, produções acadêmicas e cinematográficas que tocam no tema da raça, o debate de gênero. Em certo momento, Cardoso e Gerima falam sobre o lugar dos brancos na luta contra o racismo. Flauzina diz: "Eu vejo muita angústia branca em torno disso e eu acho que essas pessoas têm que buscar suas respostas em vez de está onerando as pessoas negras com essa pergunta em busca de fórmulas mágicas (sobre a participação dos brancos). Há um lugar importante e reservado para todos e todas na luta contra o racismo", diz ela. "A covardia de gênero e raça é essa. Podemos ser pessoas de muita boa vontade, mas seguir reproduzindo esse tipo de coisa (de preconceito)". "Você tem um filho amanhã, coloca numa bela escola e não tem uma professora negra e isso passa despercebido para você. O que que é isso para você? Independentemente de ter um filho branco, ir lá e falar: 'Não dá. Não quero que as percepções do meu filho sobre carinho sejam exclusivamente acopladas a um corpo branco'. É dizer 'eu me importo com isso', 'eu me mobilizo com isso'. Assim todos e todas nós vamos politizando esses privilégios."

Especialista em criminologia e autora de Corpo negro caído no Chão - O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro, a professora da UFBA também criticou na conversa com o EL PAÍS o "espetáculo" pouco efetivo da intervenção federal do Rio um dia antes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes em uma emboscada no centro do Rio. Para ela, a crise atual acaba por escancarar o "genocídio negro": "Enquanto a gente não desmobilizar essa dinâmica do racismo não desmantelaremos a dinâmica da punição". "Quando a gente pensa em tortura, pensa em ditadura militar. Mas isso é obsceno no contexto brasileiro. Qual o grande laboratório da tortura? A escravidão. Por que a gente só registra a tortura aí? Porque neste momento histórico outros corpos adentraram esse porões e passaram a ser torturados. Quando esses corpos saem de cena, a tortura volta a fazer parte de uma narrativa natural da criminalização e da punição." Ana Flauzina lança Além do Espelho nesta terça-feira, 20, no Rio de Janeiro. A sessão, seguida de debate, vai ser no Salão Nobre da da Faculdade de Direito da UERJ, às 18h.
 

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