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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Do navio negreiro às catracas

 

O transporte, que deveria servir para aproximar as pessoas, permitir encontros e a apropriação da cidade em que se vive, tem funcionado como um perverso sistema de reprodução e aprofundamento de opressões

Texto / Movimento Passe Livre | Imagem / Ed Akaves DA Press
Não é à toa que dizemos que todo vagão ou ônibus tem muito de navio negreiro. Na verdade, bem antes dos ônibus, metrôs e trens, o primeiro transporte de massas que tivemos no Brasil foi feito pelos navios que traziam pessoas africanas escravizadas para trabalhar na colônia.

As condições violentas em que eram trazidas mostram que eram vistas como simples mercadorias: quanto mais gente pudesse ser espremida no navio, maiores os rendimentos para os traficantes de escravos.

Hoje, a maior parte das pessoas que dependem do transporte coletivo pra ir e voltar do trabalho são negras ou não-brancas, mulheres e periféricas. E as condições em que essas viagens acontecem são extremamente precárias. O custo da tarifa, as grandes distâncias, o longo tempo perdido, a lotação, as baldeações, a falta de manutenção dos veículos e trens, a falta de linhas de ônibus... tudo isso são consequências de um transporte que não trata os usuários como pessoas, mas como números.

Isso revela que são impostas condições diferentes de mobilidade e acesso à cidade aos diferentes corpos. Além de serem alvos de muitas agressões no cotidiano, os corpos negros e femininos são os que mais sofrem com a falta de um transporte público de qualidade e com os aumentos de tarifa, cada vez mais absurdos.

As catracas e toda as formas violentas que os donos do poder usam para defendê-las são símbolos de um modelo de transporte genocida, racista e machista, que há 500 anos tenta aprisionar e controlar corpos.

Nesse modelo, os lucros e ganhos políticos ligados ao transporte ficam para uma minoria de homens brancos e ricos, às custas da maioria composta por pessoas negras, periféricas e mulheres. O transporte, que deveria servir para aproximar as pessoas, permitir encontros e a apropriação da cidade em que se vive, tem funcionado como um perverso sistema de reprodução e aprofundamento de opressões.

Mas esses 500 anos também são marcados por uma história de muita resistência. Diversas revoltas, protestos e desobediências cotidianas foram e são realizadas para quebrar as catracas do machismo e do racismo. E isso continuará até que todos os corpos possam ocupar toda a cidade e circular livremente por ela!

Fonte: almapreta

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