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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Construção e aceitação da identidade negra

Imagem do Tumblr naturalblkgirlsrock

Quem é negro no Brasil? Aquele(a) que se identifica e/ou é visto como tal? Existem pessoas mais ou menos negras que outras devido ao tom de sua pele? Como identificamos uma pessoa negra? Pelo tom de sua pele, textura de seu cabelo, formato do nariz, sua ascendência?

Hoje em dia está lançada a polêmica e vemos pessoas debatendo sobre negritude e apropriação cultural. Há uma disputa para provar quem é mais ou menos negro e até pessoas brancas se autodenominando negras porque dizem admirar e querer fazer parte da cultura negra sem pensar no que isso de fato significa, como se ser negro fosse algo que você decidisse ser de uma hora para outra por meio da apropriação dessa cultura.

Atualmente há uma confusão sobre negritude no Brasil e isso não é por acaso. O mito da democracia racial ainda mostra as caras e faz muitos acreditarem que vivemos em um paraíso racial de forma harmoniosa, portanto não importa se você é branco ou negro, só que você é brasileiro.

Se você é negro(a) e diz que não é verdade que vivemos nesse paraíso racial, logo aparecem aqueles que te acusam de preconceituoso, dizendo que todos são iguais e que o problema está na sua cabeça, afinal, dizem eles, todos tem as mesmas oportunidades, mas muitos não sabem aproveitar e ficam de vitimismo, culpando o racismo e acusando as pessoas brancas de não reconhecerem seus privilégios.

A miscigenação feita originalmente como forma de clarear totalmente a população não atingiu plenamente os objetivos pretendidos, mas criou uma crise de identidade que tem se mantido atualmente. Se uma pessoa é de pele mais clara é considerada morena, parda, café com leite… tudo menos negra, afinal negra mesmo é só a pessoa de pele escura, cabelo bem crespo, nariz e lábios grossos.

Fica a questão então. Quem é negro(a) no Brasil? Muitos se apegam apenas à estética, aos traços negroides que “facilitam” a identificação de uma pessoa como negra. Inclusive aqueles que se dizem negros, mesmo sendo brancos, acham que ser negro é algo que se resume a uma estética e a uma única cultura, esquecendo-se da multiplicidade de culturas negras que há pelo Brasil afora.

Muitos esquecem ou fingem esquecer que ser negro(a) no Brasil é ocupar uma situação imposta de marginalidade, independentemente de sua posição social, é ser encarado como suspeito número 1, é ser visto como subalterno, ser confundido com o bandido, com o prestador de serviços, nunca ser encarado como o intelectual, como um agente cultural, como igual. Agora se uma pessoa negra acha que não é negra porque acredita que nunca sofreu preconceito ou porque nunca o percebeu, está aí uma evidência de que o mito da democracia racial cumpriu muito bem seu papel.

Assumir-se negro(a) hoje em dia é um ato considerado opcional por muitos, mas ser negro(a) não é. Basta analisar bem a sociedade, notar quem está nos espaços de poder, quem está no topo da cadeia social e quem está na base, e a escalada que os negros(as) precisam fazer para provar que são dignos de estar nesses espaços.

Assumir-se negro(a) é um ato político, é ir contra o embranquecimento racial e cultural que tentam nos impor nos confundindo com eufemismos para negar a nossa verdadeira origem, é ir contra a apropriação e esvaziamento de nossas culturas, é respeitar nossa ancestralidade, continuar a luta que muito(a)s empreenderam antes de nós e nos empoderar como sujeitos de nossa história, sendo protagonistas dessas histórias, de nossas memórias, sendo devidamente representados na sociedade e não mais silenciados, ocupando espaços que nos são historicamente negados.

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Patricia Anunciada é professora das redes estadual e municipal do Estado de São Paulo e estuda Literatura Afro-brasileira.




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