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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A miscigenação como troféu - por Layla Maryzandra

A Redenção de Cam (1895): avó negra, mãe mulata, esposo e filho brancos. 
O quadro sintetiza o ideal de branqueamento da população brasileira. 
Pintura de Modesto Brocos y Gomes.



Por Layla Maryzandra,
Demorei muito para assimilar afetividade e racismo entre os pretos, lembro-me que a ficha só caiu de verdade quando compreendi a lógica estruturante e genocida do racismo, pois assim como fizeram com vários povos indígenas na América, a ideia era que em um dado momento da história não existíssemos mais. Quando assimilei que a miscigenação era usada para isso achei assustador.Quando entendi que pelas estimativas mais “confiáveis”, o tempo necessário para a extinção do negro em terra brasileira oscilava entre 50 a 200 anos, e que essas previsões eram difundidas, inclusive, nos documentos oficiais do governo, como, por exemplo, no censo de1920, materializado no texto de apresentação de Oliveira Vianna (1922). 

Este texto foi uma prova cabal de que o governo era avalista do projeto de branqueamento, e que o objetivo era menos o branqueamento genotípico e mais o “clareamento” fenotípico da população. Tudo fez sentido, caiu tudo como uma luva na minha cabeça, comecei a ver as fotos antigas da família e era nítido o quanto a gente estava mais “claro” e que isso nada tinha haver com amor interracial, mas negação de identidade mesmo, pois as falas das pessoas é sempre essa, queremos clarear os que virão, e ponto.

A miscigenação foi um golpe de mestre do embraquecimento,pois confundi-se muito com nossa subjetividade, então é muito mais complicado perceber e explicar. É diferente de falar sobre violência policial, educação, saúde aonde a população negra também é o alvo, obter esses dados de vulnerabilidade é mais “fácil”, mas como obter dados sobre como o racismo afetou nossa afetividade entre nossos pares negros? Inclusive sem sermos acusados de racistas às avessas, segregacionistas ou qualquer coisa do tipo que sempre ouço quando coloco o assunto a tona. 

E pra mim o livro da Claudete Alves (Virou Regra) trouxe essa luz no fim do túnel, ela trouxe dados, não é mais a fala de uma mulher preta fragilizada pelas mazelas raciais, mas uma pesquisadora negra que teve a sensibilidade de compreender que o racismo tem várias facetas, e nos separar afetivamente é uma delas. E o mais agravante, é que se o clã negro ainda existe é por causa da mulher negra, segundo a pesquisa, isso é muito pesado, se dependesse do homem preto, os negros retintos talvez não existissem mais. Diferente dos Estados Unidos e Europa, o Brasil não queria reproduzir o racismo com uma segregação tão a vista, até porque isso dificultaria a miscigenação, força-motriz do ‘branqueamento’.

Café com leite Água e azeite

Fonte: Filha do Quilombo

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