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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

UMA ANÁLISE DOS ROLEZINHOS: PELO DIREITO DE NARRARMOS NOSSA HISTÓRIA

“Nunca imaginei que um dia a ida ao shopping seria visto como um ato de resistência política. Os chamados “rolezinhos;” noticiados pelos meios de comunicação desde Dezembro de 2013, consistem em uma simples ida de jovens, em grupos, aos shopping centers. Algo comum, já que o grande contingente de frequentadores destes espaços são jovens. Porém, o que despertou a revolta de algumas pessoas em relação a estes “rolezinhos” foi o tipo de jovem que o está realizando: pobres e, em sua maioria, negros.” (Stephanie Ribeiro, Blogueiras Negras)

Por Mariana Gonçalves da Silva e Dinamara Prates*
Não é de hoje que a projeção das capitais dos estados brasileiros, está diretamente vinculada a um projeto excludente e segregacionista de cidade, onde nos é restrito o acesso aos grandes centros e áreas de lazer, comércio e cultura. A população negra e pobre das periferias, diariamente sofre ataques fruto do racismo institucional, esses estão refletidos no extermínio da nossa juventude, colocação nos subempregos com piores salários, perseguição da nossa cultura e religião e principalmente restrição da nossa liberdade de expressão.

Vamos aqui problematizar a “restrição da nossa liberdade de expressão” e de que forma outros atores sociais, interferem nessa história a ponto de perdermos o protagonismo na história. Quando no texto, nos referimos sempre, colocando o nós, a intenção não é falar em nome dos e das jovens que realizam os tais “rolezinhos”, falamos assim, pois nos caracterizamos enquanto jovens negras, vindas da periferia e passíveis de frequentar os rolezinhos.


Na última semana uma série de textos, análises, etnografias, dissertações, artigos, livros e bíblias foram lançados nas redes na intenção de identificar o fenômeno do rolezinho, que até então estava escondido pelas periferias, estacionamentos, parques e praias. Assim que a juventude negra e pobre, desce o morro pra frequentar o grande covil do consumismo, na intenção de “azarar as gatinhas, cantar funk e trocar uma ideia”, a classe média seja ela de esquerda, direita ou centro, grita! Indignada, seja com a presença da galera nos shoppings, alegando o sentimento de medo ou insegurança, ou indignada com a repressão sofrida pelxs jovens por parte da polícia, disserta. Mas não só disserta, como também age. Na nossa visão de forma errônea.

Neste último fim de semana 18 e 19 de janeiro de 2014, inúmeros rolezinhos estavam marcados por todo o país nos grandes centros comerciais. E o que vemos dessa vez? A não adesão dxs protagonistas do evento e sim, a apropriação dos movimentos sociais principalmente os de esquerda, a um fenômeno que infelizmente pouco tem a ver com eles e com as jornadas de junho de 2013.

Pra quem não sabe, os rolezinhos existem há muito tempo (bem antes das manifestações de junho e Copa do Mundo) como forma de resistência à proibição dos bailes funk nas comunidades. A aglomeração de jovens para namorar e confraternizar em espaços públicos também é antiga, (em Porto Alegre citamos o exemplo do Parque Germânia ao lado do shopping Iguatemi e do Parque Marinha ao lado do Praia de Belas) o que está em evidência agora, e que sim tem a ver com junho é a repressão escrachada, por parte do poder público e da iniciativa privada. Mas lembremos, enquanto escrevemos um texto, no mínimo um jovem negro é assassinado. A repressão sempre existiu e sempre existirá nas periferias do nosso país. Talvez grande parte da massa que apoia e tem participado do fênomeno rolezinho, não saiba o quanto somos oprimidxs diariamente e a intenção não seja ruim. Entretanto a perseguição e a criminalização da juventude negra e pobre sempre existiu, o porém nisso tudo, é que são insivibilisadas.

Dessa forma nos perguntamos: afinal, o que estão fazendo os movimentos de esquerda nos rolezinhos, sem seus principais protagonistas? Entendemos que a população da periferia sofre diariamente com a violência policial advinda das remoções e da higienização dos grandes centros, com a falta de investimentos em saúde, educação e os gastos excessivos causados pela realização da Copa do Mundo. Também defendemos o bordão “Não vai ter Copa”, mas será que isso tem tanto a ver com a azaração da galera? Precisamos sim politizar a juventude que está aí, cheia de ideias na cabeça, que participou das manifestações de junho, mas será que a apropriação de um evento que é não é nosso, é o melhor caminho? Será mesmo que essa galera quer que o rolezinho seja politizado?

O que criticamos aqui não é a politização dos rolezinhos em si, mas sim a forma com que a esquerda tomou pra si esse fenômeno, produzindo a enxurrada de textos e análises e também a reprodução em massa de rolezinhos chamados pelas redes sociais, com o intuito diferente dos chamados pela juventude negra.

Falamos em liberdade de expressão entre a esquerda e o quanto isso nos foi e ainda é restrito. Mas será que a intervenção, a politização e as publicações feitas acerca dos rolezinhos não são também uma forma de restrição da nossa liberdade de expressão? Será que não estão querendo muito falar por nós? Nós estudantes universitárias negras, potenciais ativistas do movimento negro, críticas com relação à situação de nossa população no Brasil e no mundo, não nos sentimos à vontade para interferir nesse processo. Entendemos muito bem que a proibição e a repressão, se trata da expressão mais escancarada de racismo nos espaços da elite, consideramos legítimos os rolezinhos, mas não somos nós (nem enquanto movimento negro, estudantil, sindical ou o que seja) quem devemos tomar o protagonismo.

Consideramos legítimo também o posicionamento da esquerda, porém como na citação do texto de Stephanie Ribeiro “o que despertou a revolta de algumas pessoas em relação a estes “rolezinhos” foi o tipo de jovem que o está realizando: pobres e, em sua maioria, negros.” Por isso, é muito lindo e comovente ver jovens brancos da classe média apoiando a causa e se solidarizando com a juventude negra, entretanto devem ter a consciência de que quem deve ter voz é a juventude negra. E se querem mesmo politizar, no shopping, no evento da galera não é o melhor lugar. Quem sabe amadurecemos a ideia de irmos para os morros e vilas, tentar entender a resistência que existe e sempre existiu lá? Politizar com nossas pautas e debates, sobre a desmilitarização da polícia, falta de espaços públicos, transporte coletivo precarizado, Copa do Mundo, genocídio da população negra e principalmente, o racismo?

Vivemos exigindo da burguesia nossos direitos e nem mesmo o da expressão cultural nunca quiseram nos ceder, mantendo a classe trabalhadora e negra, confinada nas mazelas da periferia. Devemos parar de reproduzir essas ações e passar a dar voz a quem grita em silêncio há muito tempo!

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*Dandaras, estudantes negras cotistas da UFRGS e potenciais ativistas da causa negra.

Fonte: Jornalismob.

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