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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Feminismo negro para garotas (e garotos) do Ensino Médio

Web série "EMPODERADAS: Histórias negras femininas contadas em primeira pessoa" das cineastas Renata Martins e Joyce Prado.













Garotas,

Imagino que a maioria de vcs já ouviu falar de feminismo alguma vez na vida, e ainda arrisco dizer que a maioria de vcs ouve e pensa coisas muito ruins sobre ele.

Eu não as culpo.

Tenho certeza que principalmente as meninas negras devem ter bronca dessa coisa toda de feminismo e achar que isso é coisa de patricinha que não tem uma pia de vasilhas pra lavar.

Só é assim pq muita gente não sabe o que muito bem o que é feminismo, mas torce o nariz pq acha o nome estranho. Muita gente diz que feminismo é o contrário de machismo, mas não é.

Machismo é achar que os homens são melhores que as mulheres.

Feminismo é achar que mulheres e homens são iguais.

E para saber se uma coisa é machista ou não, é só reparar se ela serve para os dois gêneros ou só pras mulheres. Por exemplo:

Quando falamos que uma pessoa que fica com muita gente é galinha.

Isso serve só pras mulheres. Quando um homem fica com muitas pessoas, todo mundo acha que ele é o cara.

Quando falamos que usar roupa que mostra muita pele é vulgar.

Isso serve só pras mulheres. Quando um homem fica sem camisa as pessoas só acham que ele está com calor.

Isso é tão bizarro, que quando uma menininha está de saia e senta de perninhas abertas, sempre aparece alguém pra chamar a atenção dela e mandar fechar as pernas e esconder a calcinha.

Mas ninguém NUNCA chama a atenção dos meninos que estavam olhando em baixo da saia dela.

Ela é só uma criança, não tem nenhuma maldade.

A gente ensina as meninas a terem medo, mas não ensina os meninos a respeitar.

Quando uma menina acha que ela não é obrigada a ficar em casa fazendo as tarefas domésticas enquanto o irmão fica jogando videogame, ela está sendo feminista;

Quando a menina não concorda com a ideia de que a única forma de ser feliz é casando e tendo filhos, ela este sendo feminista;

Quando a garota acha que ela não tem que saber fazer tarefas de casa, ela está sendo feminista.

Quando uma garota não acha que “mulher tem que se dar ao respeito”, ela está sendo feminista.

Quando uma mulher acha que mesmo que ela transe com muitas pessoas ela ainda tem valor, ela está sendo feminista.

Quando uma menina não se importa se ela não é magra ou não tem o cabelo liso, ela está sendo feminista.

Como eu disse, qualquer coisa que serve pras mulheres e não serve pros homens é machista, e todas as meninas e mulheres que sentem que isso é verdade é feminista.

Não precisa ter medo de ser chamada de feminista. Na verdade, as pessoas mais legais e interessantes para se ter como amigos são feministas. Porque são pessoas que respeitam as outras.

Mas e o feminismo negro?

As coisas que acontecem às mulheres brancas e fazem elas serem diminuídas diante dos homens não são as mesmas coisas que acontecem com as mulheres negras.

Primeiro porque o Brasil é um país racista. Na nossa sociedade, a vida é muito mais difícil pra uma pessoa negra do que pra uma branca. Do mesmo jeito que é mais fácil ser homem do que ser mulher, é mais fácil ser branco do que ser negro.

No nosso país, a maioria das pessoas pobres é negra, e a maioria das pessoas ricas é branca. O que significa que qualquer coisa que seja motivada por falta de dinheiro, vai acontecer mais com as mulheres negras do que com as brancas.

É o feminismo negro que diz que as meninas e mulheres negras não precisam alisar seus cabelos para serem bonitas. É o feminismo negro que diz que uma garota de pele escura é bonita. Sem o feminismo negro, não teríamos divas pop como a Beyoncé, pq ela é negra. Só teria o direito de ser diva pop a Britney Spears, a Demi Lovato, a Taylor Swift, pq elas são brancas e esse é o jeito certo.

No Brasil, temos 51% da população formada por pessoas negras, e 49% formada por pessoas brancas, o que significa que somos maioria.

No entanto, quando vc liga a TV, a maior parte dos atores e atrizes são brancos, e as pessoas negras sempre ocupam os mesmos papeis, de empregada doméstica, de babá, de morador de favela, de jogador de futebol. É difícil encontrar pessoas negras fazendo papéis de profissionais bem sucedidos, de donas de casa que são patroas e tem empregadas, de moradores de bairros ricos.

Quando a gente pega ônibus, a maioria das pessoas é negra, mas qdo a gnt olha quem está dirigindo os carros mais novos e mais caros, são na maioria pessoas brancas.

Quando a gente abre as revistas, principalmente as de beleza, é mto raro encontrar pessoas negras, e quando a gente acha, elas são sempre magras. Quase impossível achar pessoas negras e gordas nas revistas.

Quando a gente repara quem está frequentando as grandes faculdades do país, não são pessoas negras e pobres. A maioria das pessoas negras nem chega a fazer faculdade. Muitas nem terminam o ensino médio.

Os grandes chefes das maiores empresas do país (e do mundo) são homens brancos. Mulheres brancas, homens negros e mulheres negras raramente estão nesses lugares. As pessoas negras, principalmente as mulheres, estão fazendo as tarefas que dão menos dinheiro e que ninguém quer fazer.

E isso faz a gente ficar se perguntando por que as coisas são assim. Tem muita gente que diz que é porque os negros são preguiçosos, que se eles se esforçassem conseguiriam as coisas, mas não é bem assim. É como dizer que mais da metade da população do país tem preguiça de trabalhar (lembra que os negros são 51%?).

Existe uma pirâmide na nossa sociedade, que divide as pessoas e decide quem é mais importante, e ela funciona assim:

Homem branco

Mulher branca

Homem negro

Mulher negra

Nessa ordem. Quem está por cima, vale mais. Quanto mais para baixo, menos vc vale. Vai ter mais dificuldade pra terminar os estudos, mais dificuldade para encontrar um emprego, mais dificuldade para encontrar um relacionamento em que a pessoa te dê valor, vai ter mais dificuldade em ser bem sucedido na vida e realizar seus sonhos, fazer viagens, conhecer outras culturas. Pq são pessoas que valem menos e a vida é mais difícil.

Agora imagina se além de ser mulher e negra a pessoa for gorda, for lésbica ou bissexual, for travesti ou transexual, for pobre, for cadeirante. Tem gente que só de sair na rua já é motivo de piada, é a nega do cabelo duro, é a sapatona, é a gorda rolha de poço, é o traveco, é o viadinho. Vc não vê ninguém fazer piada de homem, de branco, de gente magra, de heterossexual. É mais fácil zuar quem é minoria.

E quem sou eu ou quem é você para julgar o outro?

Sabe quantas pessoas tem no mundo? Mais de 7 bilhões.

Somos todos diferentes uns dos outros. Tem centenas de culturas diferentes, de idiomas diferentes, de cores de pele diferentes, de formatos de corpo diferentes.

E quando a gente define que existe um jeito certo de ser bonito, branco, liso e magro, a gente despreza todas as outras formas de ser humano.

O maior barato da vida é pensar com a nossa própria cabeça, não acreditar em tudo o que a gente vê por aí, e não julgar.

Isso é o feminismo negro, parar de julgar as pessoas, principalmente as mulheres negras.

E para as meninas negras, se unam, sejam companheiras umas das outras.

Não chamem a coleguinha de puta.

Já tem muita gente por aí fazendo isso.

Nós podemos nos apoiar, pq com certeza as tristezas que a gente passa no dia a dia são muito parecidas. As ofensas que a gente ouve e o jeito que as pessoas nos tratam são muito parecidos. A gente pode se ajudar e fazer a vida uma da outra ser menos cruel.

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Redatora, revisora, blogueira, social media e tudo o mais que uma jornalista pode fazer. Mineira com coração paulistano. Lésbica, feminista e diva!

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